REALIDADE TOTAL DO HOMO FABER E HOMO SAPIENS# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
"Sentimentos
tépidos esfusiam-se
em
palavras nas altitudes
longínquas,
passa-diços
substracionados..."
(GRAÇA
FONTIS)
O dia
que amanhece atrás de uma beleza invisível a olhos nus, de um belo in-audível,
indizível, inverossímil. Uma beleza muda, silenciosa: a mudez dos sentimentos
lindos e breves, de emoções belas e efêmeras; o silêncio da sensibilidade que
anda em câmera lenta num campo aberto, a perder de vista, numa grama respingada
de orvalho da noite, da subjetividade que ob-serva de lince as marolas do
íntimo; da emotividade que se senta ao portão de uma casa e fica a olhar para o
infinito, as nuvens brancas e azuis: "Quanto tempo devo manter meus olhos
grudados no in-finito? Isto não é mais um sonho, é a coisa real..."
Há um
vento estranho ainda soprando no convés superior. Há uma cruz de ferro ainda
pendurada no pescoço. Há uma banda tocando no lote vago. Uma recordação
irresistível e magnificente: a irresistibilidade de olhos que se encontram numa
lua enluarada, a lua cheia, vermelha e amarela, numa conciliação de esplendor e
maravilha, numa conjugação de infância, inocência e ingenuidade, as estrelas
andam muitas e bem fogosas, às pencas, penas às pencas aletradando os anúncios,
icintilando mais do que o suficiente; a magnificência de esvaimentos que se
aniquilam a si mesmos; magnificência de uma existência marginal do fantástico,
quimérica do maldito, que inventa a lei a que se submete, excelência de desejos
que re-criam um ec-sistir do nada, do efêmero, a que jamais se entrega.
A
memória de um passeio ao final da tarde, subindo a montanha, pisando nos
cascalhos, vendo poeira nas folhas das árvores, folhas e gravetos secos no
chão, árvores de troncos enormes e raízes que se afloram do fundo da terra, a
água cantante de um pequeno córrego, numa gruta, a grama dançante, a dança de
uma evidência que se faz mister escovar-se todas as manhãs; as manhãs perderão
as cores e a vida saindo da água, subindo a corrente das verdades às avessas,
num silêncio mudo e seco.
O dia
está para além da montanha, silenciosa, radiante, esplendorosa: de um silêncio
indisciplinado e desordeiro, um pedaço de matéria escravizada, submetida a uma
ordem óbvia, mas o significado é desordenado, invertido, despido de
caracterização, palavra, mensagem, conteúdo.
Realidade
total do homo faber e homo sapiens. A palavra exprime e expressa o humano e o
sensível. A letra registra e imprime quem somos. A frase descreve o sentido
correspondente que pode ser exposto no coração puro, na consciência evidente,
na mente que diz a si mesma, na emotividade do homem bom e honesto. O parágrafo
narra a porção de harmonia possui os homens honestos, sinceros, espontâneos.
"Sentimentos tépidos esfusiam-se em palavras nas altitudes longínquas,
passa-diços substracionados..."
Decerto
o homem nunca renunciará, jamais renunciará e resignará ao sofrimento e à dor,
aos caos da História Universal, em detrimento da História da Humanidade. A
sentimentalidade do amar apaixonadamente o amado, ao carinho tenro e tênue, à
afeição madura e à criança. A identidade obviamente filosófica e psicanalítica
de por baixo de feições singelas e agradáveis.
Um
tempo imenso estranho e estrangeiro, absurdo. Há dias em que o sol parece ir
rachar o chão: um calor insuportável, seco, sem vento, suor escorre livremente
pelo rosto, inerente á vontade, tudo aberto, escancarado, de um extremo ao
outro. A sensação de calor em coisas que os outros sentem como frias, gélidas.
Tudo irá ruir muito em breve frente aos olhos. Saudade, o mar. Estranha
sensação por o mar haver-me sido indiferente e agora esta saudade tão intensa.
Devo com isto estar a estrangular alguma dor pujante, crio coisas que me alegram
para não estar de frente com a minha verdadeira imagem. Coragem sem pretensão à
honra, autossuficiência com abundância compartilhada com pessoas e coisas?
O sol
quer firmar-se. Não o fará. A sua claridade será por pouco tempo. Aqui dentro,
faz um pouco de frio. Esta pouca frieza permanecerá pelo dia inteiro, enquanto
estiver nesta gruta observando a lagoa, a luz incidindo vindo de um buraco na
parede de pedras.
#riodejaneiro#,
28 de junho de 2019#
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