#ALDEIA DE LÁGRIMAS DOS INSANOS# - III TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE
CAPÍTULO I - PARTE I
“... para flores como vós, são necessárias novas festas, uma boa
doidice, um culto e uma festa para jumento...”(Nietzsche)
Eu sou o anti-asno par excellence... Toda a minha vida só é piada. Só
mesmo de alguma corsia aos outros desafio.
Quem sabe, tomando em consideração a disposição dos beiços contraídos e
livres aqui e ali, certa imagem de cinismo e instinto nos relinchos, não tenham
estes seguido notas, ritmos, de música que ouvira, estando a lembrar-me agora
deste detalhe, semente e raízes de outrora e outros novos sonhos; nos instintos
anunciados às criaturas de Deus a coxia de outros fenos e águas límpidas que me
alimentaram as troças, inspirado estava na comunhão das razões e buscas de
outra humanidade...
Deveria relinchar com toda pompa devido a estas palavras? Relinchava
sim, se fossem fúteis. A futilidade é a insigne medalha dos parvos –
recebem-nas em todos os eventos oficiais, ano após ano; saber dos merecimentos
não são elas não, qualquer imbecil é capaz. A seriedade é necessária.
Já pensou se relinchar como estou desejando e caem mais alguns dentes?
Não tenho notícias deste assunto, mas há ou pode haver quem mande dentista
fazer implante de dentes no cachorro de estimação, coloque aparelho. Em se
tratando de asno, morre completamente banguela, não receberá cuidados
especiais. Esta é a realidade: doa-me fundo ou não. Teria dificuldades de
alimentação, não poderia mais arregaçar os beiços; talvez necessitasse
alimentar-me através de sonda – quem faria esta caridade a asno? Ninguém;
acredito eu. As primaveras já fizeram a curva. Gastar alguma soma com o que já
não tem qualquer utilidade no mundo é atestado de idiotice suprema.
Desde que fugi de Atenas Atéia – as autoridades quiseram sacrificar-me,
havia ensandecido, donde já se viu sair escoiceando as portas fechadas,
derrubando-as?; usando do bom e digno senso, deveria contribuir para fechá-las
a chave, cadeado, grade eletrificada... ih, ih, ih... -, encontro-me num pasto
de gramas verdes, viçosas, orquídeas rosas e amarelas, haja calango neste
lugar, muitos, mangueiras, gado leiteiro, de corte. A terra pertence a Ratto
Neves.
Se alguém ousado lhe pergunta sobre o nome: “Por que Ratto? Isto é nome
que se dá a alguém?”, conservando o respeito, responde num coice só: “O meu é
com dois “t”. Diferente...”. Discutir o quê? O nome do animal é com um “t” só:
se se acrescenta um, descaracteriza. Convenhamos, a cara lembra um, mas de
esgoto: bochechas gordas, testa pequena, olhos fincados nas órbitas, cabelo
liso, curto, vê-se-lhe o couro cabeludo, queixo miúdo, orelhas pequenas e
medíocres (só para constar do menu).
Ouvi esta fala centenas de vezes: se a gestante cismar com algo, o filho
nascerá com a aparência dele. Relinchando assim, a mãe de Ratto Neves cismou
com rato – melhor ainda, temeu-lhe a presença desde o momento da concepção,
alimentou o medo e a repulsa por nove meses contínuos, nem um segundo deixou de
pensar, pediu a Deus lhe concedesse essa graça, não aparecer rato perto dela.
Ao longo dos nove meses, preparou-se para dar-lhe o nome de rato; acrescentou
um “t” sem porquê – talvez tenha sido sugestão do cartório. A elucubração tem
limite.
Manoel Ferreira Neto
(SETEMBRO DE 2005)
(#RIODEJANEIRO#, 08 DE SETEMBRO DE 2018)
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