#ALDEIA DE LÁGRIMA DOS INSANOS# - III TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE
CAPÍTULO II - PARTE V
Em qualquer lugar que se anda vê-se o mesmo. A vida alheia é o prato de
todos, dia após dia, até que as cinzas descansem na manhã esplendorosa.
Puxando carroça ladeira acima e abaixo, compenetrado nos pensamentos
diante de todos os acontecimentos e situações, outra coisa não se dizendo senão
sobre mim, a idéia genial que tivera Lúcio Ferreira de colocar varal à frente
da carroça, com cenoura dependurada à distância tal que me não seria possível
encostar o focinho, e por isso andava desembestado pelas ruas, becos e
alamedas, as pessoas se angustiando, deprimindo com a minha passagem, as
autoridades, personalidades, simples e pobres, responsabilizando-me por tudo,
“Lúcifer Pernóstico é o culpado disto tudo”.
A dimensão da culpa me é dada? Não ouvi até hoje ninguém dizer que não
só os homens são portadores de pecado original, os asnos também. Que
privilégio. Imaginemos que não haja como isto discutir, a última palavra fora
dada pela ciência, homens e asnos se confundem em nossa modernidade: então, o
meu pecado original são as orelhas pontiagudas e grandes, talvez devesse
incluir as patas traseiras. Estou indeciso.
Por ser fazenda grande, matos por todos os lados, as pessoas pensam que
podem se esconder, ninguém vai ao menos imaginar que fulano ou beltrano pode
estar, e tudo acontece. Não é verdade que Ragozina descobriu Ratto Neves na
maior intimidade com duas mulheres de uma vez só? Ménage a trois. Pedaço de
galha de árvore no homem pasto afora e os maiores insultos, lavou a alma do
marido. Não tinha jeito mesmo. Era dar trégua estava fazendo das dele.
Cretino... Imbecil... Se alguém se dispuser a andar às escondidas por alguns
lugares do pasto, irá deparar-se com cenas de fazer o queixo do pároco cair de
tanta libidinagem, libertinagem, falta de escrúpulos. Isto se não se
contivesse, não contivesse seus instintos, pedisse para participar, já estava
nas últimas. Presenciei ménage a trois de três homens casados. Em princípio,
não dera atenção. Mas, depois, senti nojo de tanta degradação. Sai de perto.
Dei caminhada pelo pasto.
- Tomara que Incitatus esteja vendo tudo isto...
- Incitatus, não... Pelo amor de Deus... Pode bater a vontade.
Apanhando da mulher e olhando para os lados para se certificar de que
não estava presente. Acontece que não estava longe, estava escondido atrás de
matagal, podia ver tudo, e só com olhos de lince para descobrir o esconderijo.
Ragozina falou no ouvido dele durante duas semanas. Ouvi toda a
ladainha. E como sempre o verdadeiro lero-lero, de vitima e de culpado, ele era
sim culpado de tudo, o verdadeiro culpado.
- Se este lero-lero seu, Ratto Neves, servisse para alguma coisa. Serve
só para encher a paciência. Que homem desagradável quando se mete a vitima de
tudo e de todos!... Meu Deus, tenho filho imbecil na Língua Portuguesa e marido
vítima das próprias mazelas, não aprende com nada. Ah, meu Deus, que sina é
esta!... Felizmente, nosso outro filho não tem problemas. Guido Neves é
advogado. Está no início da carreira – referia-se ao filho querido com todo o
orgulho de mãe, mãe que não mediu qualquer esforço para ajudar ao marido a
pagar-lhe os estudos na capital; preocupou-se com ele, sozinho, sem qualquer
proteção, tendo estas e aquelas dificuldades de relacionamento com os colegas,
era caipira e a maioria dos alunos filho de homens importantes na cidade.
Por vezes, demorava de ir à fazenda, o curso estava ficando cada vez mais
difícil, muitos trabalhos, afazeres. Quando podia, ficava felicíssima,
preparava os melhores pratos, os de que gostava e muito; não se alimentava bem,
precisava se alimentar. Coisas de mãe protetora – não há quem disto não saiba.
Manoel Ferreira Neto
(SETEMBRO DE 2005)
(#RIODEJANEIRO#, 08 DE SETEMBRO DE 2018)
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