ALDEIA DE LÁGRIMA DOS INSANOS# - III TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE
CAPÍTULO VIII - PARTE I
Rio das Pulgas... Inconcebível rio infestado de pulgas. Certamente
afogariam. E quem iria salvá-las? Apenas modo de dizer sobre este estranho nome
que puseram nele. Águas límpidas, vendo-lhe o fundo nalguns locais, pode-se
beber da água sem a menor desconfiança. Pulgas nele... inconcebível.
Haveria algo que fosse o responsável? Ainda na formação de pequeno
arraial, muitas pessoas vindas de localidades próximas para a criação de porcos
de corte, muitos açougues. Estavam ganhando a sobrevivência com esta criação.
Algumas dessas pessoas, as de condutas as mais indecentes, estapafúrdias,
homens sem qualquer pudor, inescrupulosos. Se não fosse até exagero de minha
parte, homens capazes de trocar a própria mãe por uma porca, se no negócio
estivessem tendo algum lucro. Aqueles que traíam as mulheres quase que
abertamente, levando prostitutas para dentro de casa. Estes homens começaram a
ter coceira que os estavam deixando quase loucos de pedra. Não eram pulgas,
carrapatos, algum inseto. Nada disso. Não adiantava alguém passar álcool no
lugar, não tinha qualquer utilidade. Era gastar o líquido com coisa inútil,
quando poderia alegrar muitos corações atormentados pelas desgraças da vida.
Não é verdade que nestes casos só a cachaça é o remédio “tiro-e-queda”?
O padre da igrejinha, após muito espremer os miolos em busca de
compreensão da coceira de alguns habitantes, descobrira os motivos. Por que só
os de condutas imorais? Por aí é que pôde saber que eram os pecadilhos mais
escondidos, só visíveis a “olhos de lince e não de pince”. Estavam impregnados
de pecados. Aí estava a razão. A coisa estava tão impregnada e tão saturada que
outra alternativa o corpo não encontrou senão se manifestar através da coceira.
A única coisa que ajudava a amenizá-la era ficar algumas horas
tranqüilo, sensação de alívio no corpo, certa moleza, o sono logo chegando,
horas de sono numa leveza sem limites, era banho nas águas do rio. Assim, ele
foi chamado por ser a água ótima para melhorar as tensões do corpo com todos os
pecadilhos.
Nalgumas mulheres, a coceira se concentrava mais no púbis. Alguns
maridos andaram desconfiados se não tinham pegado “chato”, mas nas alcovas
procuravam perceber se não havia algum perdido no meio dos cabelos,
afastando-os, trabalho que às vezes cansava a vista por o bichinho ser pequeno.
Não havia qualquer indício disto. Se achassem, só podiam ter contraído através
de relações com outros homens, freqüentadores assíduos de bordeis em Lágrima
dos Insanos, só mulheres jovens, na idade da flor, motivo de muitos casamentos
fracassados. As mulheres tremiam nas bases, medo só de pensar os maridos
encontrasse um único naquela floresta tropical. Os maridos logo se apaixonavam
por aquelas mulheres capazes de tudo, faziam mesmo a festa com eles. Alguns se
casaram. Em verdade, casamentos de circunstância, representavam os bons
samaritanos, dar lar às mulheres da vida. Coisas que as esposas se negavam de
pés juntos a fazerem faziam elas. Algumas ainda se lembravam do passado,
dizendo que os cônjuges não se despiam na frente das mulheres, despiam-se com a
luz apagada; casos houve de os maridos nunca terem visto as partes íntimas da
esposa. Deveria voltar essa época. Deveria... mas com as escolhas múltiplas que
a pós-modernidade oferece nestes casos, não haveria mais casamentos.
As mulheres tomavam banho nuas nas águas do rio, os maridos à espreita –
vigiavam de alguma moita quem se aproximava para impedir que naquele lugar não
fossem, a mulher estava tomando banho nua. Deixavam de se coçar. Coisa mais
esquisita, a coceira que não dava paz um segundo sequer, aumentando a passos
largos, “não podemos deixar de coçar”.
Inescrupulosas. Até mesmo na rua paravam e começavam a coçar sob os
olhares de todos, na igreja, horário de missa, muito às escondidas, davam uma
coçadinha. Eram justamente aquelas que, ao entardecer, encontravam as velhas
desculpas para um dedo de prosa com o padre, se aconselharem para a vida,
problemas aqui e ali, só mesmo com a misericórdia divina poderiam se livrar dos
fardos, a cruz dolorosa que levavam nas costas vida a fora. Nos templos dos crentes,
algumas chegaram a ser expulsas – os maridos nada puderam fazer para impedir,
foram também expulsos.
Alguns maridos desconfiaram que a coceira só podia estar mostrando que
os traíam com o padre. Já era público e notório que a coceira advinha dos pecadilhos
mais íntimos, ninguém vai trair no focinho do marido, ele até se sentando,
acendendo o cigarro, vendo a relação, excitando-se ainda mais, quem sabe? Tudo
é possível. Como é que ficaram sabendo? O padre, na hora do sermão,
conscientizou a toda a pequena população qual era o infortúnio que havia
assolado o arraial inteiro. Acabou que não tomaram qualquer medida para
investigar a coisa, não acreditavam o padre pudesse cometer estes pecados,
qualquer um até podia, mas Padre Tertúlio Divino, só podiam estar ficando
insanos. Haveria na história de Lágrima dos Insanos casos de insanidade
freqüente? Se nalgum recanto das Gerais, cidade muito pequena, a água decidia a
sexualidade dos homens, o nome da cidade poderia de alguma forma influenciar na
demência pura e sublime. A demência pura e solene se encontrava do outro lado
do Rio das Pulgas, Itajaí. Não é a minha comarca.
Manoel Ferreira Neto
(OUTUBRO DE 2005)
#RIODEJANEIRO#, 17 DE SETEMBRO DE 2018)
Bela descrita companheiro,inspirado na pulga,mulher um padre!
ResponderExcluirUm passa tempo que desperta curiosidades inclusive nessa nova sociedade...