#ALDEIA DOS INSANOS# - III TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: ROMANCE
CAPÍTULO V - PARTE I
No início da formação do arraial de nossa aldeia de Lágrimas dos
Insanos, na Serra dos Morcegos, conta-se que uma velhinha cega, magrinha,
vestidos negros, os olhos cinzas-claro, nariz adunco interrompia algumas
pessoas que por ela passava, dando passeio ou viajando, levando asnos com
balaios, carregando isto ou aquilo. Pedia esmolas, começava a conversar, dócil,
meiga. Algumas pessoas foram encontradas caídas da serra, uns trinta metros de
altura, a passagem que havia. Dizem o lugar ser muito estreito, é preciso
cuidado, escorregadia. A velha era encontrada sentada numa pedra junto à
montanha, aí termina a parte perigosa. Ninguém podia explicar o que acontecia.
Ataulfo Cretis estava chegando de viagem feita até Curvelo, fora levar
encomenda para o proprietário do Armazém Patrício de cento e vinte queijos,
quando avistou a velha sentada, estava com os cotovelos sobre os joelhos, as mãos
amparando o queijo, cabeça baixa. Só podia ser aquela que andava atirando as
pessoas montanha abaixo. Tivera medo. Podia ser que se transportasse para outro
lugar por onde iria passar, não iria adiantar voltar, as conseqüências poderiam
ser piores. Decidiu continuar. A velha interrompeu a viagem.
- Senhor... Estou com fome. Não tem nada para comer?
Outra coisa não fez senão tirar um queijo de um dos balaios carregado
por um dos asnos, dando-lhe. Agradeceu-lhe, sorriu-lhe. Sentou-se na pedra.
Cruzou as pernas. O queijo no colo.
- Senhor... Estou querendo saber de uma coisa.
Ataulfo Cretis desconfiou. Não era o início da conversa? Por causa dessa
coisa é que algumas pessoas já haviam morrido, jogado montanha abaixo. Ainda
não havia acabado de passar a parte onde é preciso ter muito cuidado com os
animais, é um a um com bastante atenção. Que coisa queria saber?
- Sim... O que a senhora quer saber? – não podia esconder que estivesse
tremendo, os lábios mostravam com muita nitidez. Os olhos brilharam de tanto
medo, apesar de que não se esbugalharam. Resfolegava.
- O que é que tem pés pela manhã, dois ao meio dia e três à noite?
Caso os interpelados não resolvessem o enigma, ela os matava. E se ele
soubesse a resposta, não seria morto por ela. Tinha de pensar um pouco. Também
não poderia demorar muito. Desconfiaria que estava sendo engabelada. Sabia sim...
- É o homem. Criança, engatinha. Depois anda de dois até a velhice, daí
de três uma bengala. É esta a resposta.
Olhou-o. Atirou-se montanha abaixo. Assustou-se. O que estava
acontecendo? Montou em seu animal, puxando os asnos. Quanto pôde, fez os
animais correrem. Descansou na sombra de uma árvore. Aí é que pôde saber o que
acontecera. Se a pessoa não sabia a resposta, morria; se soubesse, ela é que
morria, atirando-se morro abaixo.
Não se teve mais quaisquer notícias desta velha, não mais morreu ninguém
devido à queda do morro. Ninguém soube explicar isto. Não sei se é lenda? Lenda
não fora, acontecera mesmo, morreram pessoas. Por muito tempo a pequena
população do arraial tivera muito medo, alguns deixaram de ir ao lugar onde a
velha estava.
Não significa que me preocupe com esta lenda, algo nela me é estranho,
há qualquer coisa que indica será o que experimentarei, se não souber
interpretar a rigor e categoria; tudo poderá ser diferente, mas é a única
chance que tenho. Digamos ser a última cartada de asno que ao revés do instinto
e à beça da comunhão dele e a razão viveu para conhecer a fundo o seu
instinto-de-poder. Tudo será diferente. Não é isto que me preocupa nesta lenda.
Preocupa-me não poder vislumbrar o mundo no crepúsculo de nossa aldeia
de Lágrima dos Insanos.
Manoel Ferreira Neto
(SETEMBRO DE 2005)
(#RIODEJANEIRO#, 12 DE SETEMBRO DE 2018)
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