#ALDEIA DE LÁGRIMAS DOS INSANOS # - III TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: ROMANCE
CAPÍTULO I - PARTE II
A vergonha, companheira leal e fiel da consciência do mal, neurose,
nascera com ele? Não. A vergonha se revelou com os anos. Aumentara-lhe a
natural desconfiança a ponto de o tornar afastado, quieto no canto. Nunca, nem
agora que o observo atentamente, nem antes, chegou a fazer proposta lúdica a
quem quer que seja, fosse. Sente que o entusiasmo pelas ações sublimes,
verdadeiras, honrosas e dignas são pouco usadas pela sociedade. Que quem se
atira para muito alto arrisca-se a esborrachar no chão. Que a continuidade dos
pequenos deveres sempre desempenhados não pede menos esforços do que as ações
heróicas.
Logo que chegara eu à fazenda fui-me pôr ao fundo dum pátio no qual
havia poço onde a senhora da casa fora apanhar baldes de água. Nesse fundo
havia pequena descida que por várias comunicações levava à caverna, era só
descer as escadinhas naturais de terra, dava-se com elas. Sondei na obscuridade
a extensão dela, e achando-a pequena e escura, encontrei refúgio seguro. Assim,
encontrara de imediato lugar para descansar os ossos.
Ninguém tem coragem de tocar no assunto a respeito de seu nome, se não
seria estapafurdice de alguém colocá-lo num homem. Se o mais ousado, de alguma
forma armado, valente, durão, tocar nisso, desfia o terço de modo tal que a
pessoa vai sim ficar na dúvida se o mata ou se o deixa viver. Talvez o deixe
viver para infernizar a vida de outros, quem sabe consiga infernizar a de
inimigo congênito, até que algum dia outro não possa prolongar aquela vida, é
favor matá-lo, ninguém suportará daqui em diante. Chora as lágrimas do mundo e
dele próprio. Se descobrisse o que penso, ajoelhar-se-ia aos meus pés,
derramando lágrimas de crocodilo. Tem vergonha de tudo o homem; não se trata de
timidez, é vergonha mesmo. Não é fácil humano ter cara de rato. Que
vergonha!... Jamais vi animal com cara de humano. Isto não!... Quem sabe os
humanos tenham já isto observado, chegado à conclusão, contudo não ousaram
dizer. A natureza é caprichosa – não nos esqueçamos.
- O meu nome é com dois “t”... Tenho esta cara de rato como pode ver, se
fechar os olhos e buscar a imagem de mim a primeira será a de alguém
parecidíssimo com rato – edição melhorada, claro. Quem sabe a mamãe não tenha
aumentado o “t” para que ninguém imaginasse que dera o nome devido à semelhança.
Não fui criado como rato, aliás não sei porque nunca coloquei mínimo pedaço de
queijo na boca, digo queijo, os seus derivados ainda os como não com aquele
prazer que deveria. Se houvesse sido criado como rato, a mamãe teria que gastar
quantia extra na compra do queijo, e não sei se sabe, sou homem pobre, vivi na
extrema miséria. O que importa o nome, não é isso? Tem dois “t”, então é o
suficiente para servir de aviso para a minha semelhança no rosto com o rato.
Apesar disso, acredito que possa dizer, sou homem, tenho a minha inteligência,
que não é lá essas coisas, dá para levar, razão, emoção, sentimentos, dimensões
espirituais, há tantas que desconheço e, no entanto, me habitam a alma, o corpo
e o espírito. A cara-de-rato não a vesti, quem sabe para cena das mais
esplendorosas; não, tenho esta cara, sim senhor... – a pessoa com quem
conversava se encontrava subido na porteira do curral, segurando-se no pau
superior. Ratto Neves estava sentado no topo da cerca de madeira. O outro
perguntou-se o porquê de seu nome. Desfiou este lero-lero tão eufórica e
compadecidamente que a pessoa quase se desequilibrou e caiu. Precisou
segurar-se.
Fora entregar mochilas e malas de cliente que estavam chegando de
viagem. Pessoa inteligente, quis saber se ele estudava, se tinha sonhos. Tivera
Ratto Neves boa idéia, era a opinião do viajante, em fazer corridas com
carrinho de mão. Os táxis enfiam a mão no bolso com a maior naturalidade, mesmo
sabendo que pode ser contestado, perder a corrida. Era domiciliada e residente em
Lágrima dos Insanos, nascera e fora criada. Fora visitar a filha na capital,
tinha dado a luz à primeira netinha, criança linda. Seria enormemente
paparicada, bajulada, adulada pelos pais, ela também, claro, teria ela os
sonhos realizados por todos da família, se não houvesse condições, problemas
aqui e ali, arrumaria um; as crianças merecem todo o zelo, apreço. Jesus Cristo
dissera: “Vinde a mim as criancinhas”.
Manoel Ferreira Neto
(SETEMBRO DE 2005)
(#RIODEJANEIRO#, 08 DE SETEMBRO DE 2018)
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