**QUAIS AS DÚVIDAS DA RAZÃO?** - Manoel Ferreira
Luz brilhante da aurora! Aurora do nada, muito mais forte que fora em
tempos de outrora, havia rima, havia métrica, há apenas o sentimento profundo
de que me não é dado voltar à inocência, perderia a consciência de que à
distância não existe um pastor con-duzindo o rebanho de ovelhas com um cajado,
não existe arco-íris riscando o céu, no fim dele há um pote de tesouro
inestimável...
Há o olhar para a rua deserta, crianças não passam de mãos dadas com a
mãe indo à escola aprender as primeiras lições, escrever e ler, vira-latas não
desfazem os sacos de lixo atrás de algo para comerem, saciarem a fome. Há o
sentimento de que de mochila nas costas tenho de seguir a estrada, não nasci
para este mundo aqui, não vou morrer ao léu das situações e circunstâncias. A razão
diz-me com trans-parência: quanto mais andar mais estradas avistarei à frente,
sempre seguindo.
Quais as dúvidas da razão? Razão é saber que vivemos no regaço de uma
lógica, lógica esta que outra coisa não significa senão a verdade da vida é
estar em movimento, sem cancelas, sem porteiras, sem fronteiras, navegando em
naus em pleno mar revolto, eliminando os trambolhos, resguardando nas
trincheiras, o outro lado ao outro lado pertence, se houverem outros sentidos
outros serão efêmeros, tão efêmeros que não haverá tempo de memorizar-lhes
ínfima miríade de suas faces... Sem metafísicas, sem poesias, sem palavras
verbais de que nalgum recanto do mundo tudo é diferente, tudo será de outro
modo...
Solidão, a cama vazia de carências. Mito, lenda mística do espírito do
verbo de amar. Poeta ama as estrelas, poeta ama a seresta da noite de lua
cheia, poeta ama o blues da madrugada, o jazz do alvores, que custa a passar...
Aurora do nada!... Respiro o seu aroma. Não re-cordo de nada. Não vejo o
tempo passar. Fico olhando as coisas retinadas de brilhos opacos, de sentidos
enviesados, se é que possuem algum, a falta de sentido é que faz as coisas,
existem aos olhos de quem observa de frente ou de soslaio. Tanto nada em mim
esperando o seu tempo de brilhar, esplender suas iríasis a todos os espaços, e
só aos poucos vai se revelando, manifestando-se, mostrando-se. Mas é com os pés
na estrada, a cada passo mergulhando mais e mais no nada que a vida se liberta
de seu labirinto de sonhos e esperanças, utopias, poesias e metafísicas.
Aurora do nada!...
Manoel Ferreira Neto.
(07 de março de 2016)
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