NÁUSEA DO VAZIO/VAZIO DA NÁUSEA - XIV PARTE - "SARAPALHA DO AMOR" - Manoel Ferreira
Tristeza. Angústia. Meiguices insolentes do inferno. Quê inferno? Não me
vi em muitas situações desde há duas semanas. Uma delas é dizer algo
independente da vontade, daquelas coisas que saem sem se querer. Fora
justamente isto que desencadeou a crise, pronunciei "palavrita" e
entrei no vazio por inteiro. Agora está um pouco diferente. Digo sem querer,
pergunto querendo. Quê inferno?
O amor é a prova concreta da alma humana, a alma sente, sensibiliza-se,
vai até nas raízes, sente-o, exterioriza-o para o objeto dele, a quem se ama e
se mostra, revela-se, o "eu" e o "tu", antes do amor, com o
amor o "nós" que é a sintese do "eu" e o "tu".
Estou numa situação sobremodo, em demasia difícil, o tão famoso e
tagarelado "instante-limite". Re-conheço(?) - não o sei ainda, está
muito confuso isso de "re-conhecer", ter a consciência nítida da
"coisa" em mim, assumi-la, a consciência faz assumir - enveredei-me
nas letras à busca de minha alma, queria possuí-la, colocá-la em mim. Se tenho
consciência de que as letras não eram a minha alma, não sou nenhum escritor
nato, inventei-me, criei-me escritor, para fugir, escapar dos sofrimentos e
dores.
Berenice surgiu logo quando estive a pensar muito seriamente, amava as
letras, não eram a alma. Dizendo a minha própria "verdade?", não o
sei dizer isso, dizendo de como me sinto e penso, se continuava nas letras,
amava-as. Tinha consciência de que havia sido fuga de quem em mim trago, talvez
o "eu". Continuaria escrevendo, estava equivocado, as letras são a
missão no mundo, a alma é outra coisa bem diferente. Sempre me senti um homem
sem alma, precisáva encontrá-la.
Aconteceu Berenice. Senti algo muito diferente de tudo que já havia
sentido, um sentimento diferente. Ao longo do tempo, nos três meses de nossas
relações, este sentimento só cresce, só cresce a cada dia. Se a amo? Tenho as
minhas dúvidas não ser o amor. O vazio... Enveredar-me por seus interstícios ou
uma vida com Berenice.
Anteontem, sai para comprar carne, ovos, legumes encontrei-me com
Guilherme Pontes.
- Sérgio, e então... - tocamos as mãos com muita força. Era um prazer
mútuo encontrarmo-nos.
- Então, o quê, Guilherme Pontes.
- Não preciso dizer. Está sumido por estar namorando com Berenice.
- Talvez sim... Talvez não. Em termos sim, em termos não. E você, você
está bem?
- Você não me viu passando na calçada ao seu lado, quando jantava com a
sua namorada. Já havia saído do restaurante e fiquei observando vocês.
- Como sempre... Gosta das espreitas.
- Você ama essa mulher, Sérgio. É um amor lindo.
- Está equivocado, meu amigo. Muito equivocado. Gosto demais dela sim,
mas daí a ser amor fica um tanto complicado.
- Não me venha com as suas ladainhas intelectuais. Pela "Santa
Pisciência". Você a ama.
Dei de ombros. Mudamos de assunto de imediato. Despedimo-nos tão logo. Guilherme
Pontes estava com pressa. Tinha coisas pessoais para resolver. Talvez nos
encontrássemos a qualquer dia num barzinho. Ficaria imenso feliz.
Sou feliz por me esquecer olhando a fumaça do cigarro esvaecer-se no ar,
a cinza formando-se no decorrer do tempo, toco com o dedo polegar o filtro,
jogando-a fora.
O que é isto - a morte? Imaginar a vida eterna incomoda, décadas,
séculos e milênios a mesmice - chega um tempo que tudo é logicamente o mesmo,
os solilóquios os mesmos. Sofro com a idéia da morte, de por baixo da terra o
resto mortal decompondo-se até às cinzas, além do desconhecido, não saber a
verdade do post mortem. A náusea da eternidade. E agora, com a aparição da
crise de vazio, tempo da a-nunciação, gota a gota pingando de orvalho a vida do
pleno, a sabedoria da verdade da contingência, a última esperança do sublime da
dor. Entendo este vazio que se me revelou em duas madrugadas como as
perspectivas da luz que será a guia nas trilhas dos sonhos do aquém do poema da
verdade de existir. O vazio é a última sorrelfa da plen-itude das águas
originando passo a passo a sarapalha do amor.
Manoel Ferreira Neto.
(29 de março de 2016)
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