*MEQUETREFEANDO AS TRAQUINAGENS** - Manoel Ferreira
Mequetrefeando as traquinagens da vida eterna, as tramóias da verdade
absoluta, por vezes bengala, por vezes muleta das dúvidas e inseguranças, medos
e incertezas, vou seguindo, passo a passo, os terrenos baldios da
con-ting-ência, iludido de que nada é eterno, tudo é efêmero, o sol nasce para
todos, até para os enjaulados, embora quadrado, sabendo, de antemão às revezes,
o abismo me fora reservado desde a eternidade, quando nem mesmo a vida tinha
qualquer noção de que eu seria vida, de terreno baldio em terreno baldio chego
ao abismo, e lá vou eu flutuando profundeza abaixo, tornando-me cinzas no ar, o
vento me soprando para as arribas do céu.
Mas é mequetrefeando que continuo vivo, seja a vida como for, mas é
vida, e, quando digo ser mequetrefe é o segredo da longevidade, há quem ria de
sapatear e chorar, como pode haver alguém tão despirocado assim, mequetrefidade
ser segredo de longevidade, só se for na rima e rima não passa a lábia na
morte, perguntando-lhe eu se nalguma circunstância não fora mequetrefe,
ajudando-lhe a vencer as dificuldades, sou esculhambado de fio a pavio, quase
levando soco direto nas fuças.
Fico pensando com os meus botões, sentado numa tora de madeira à porta
de meu barracão, o porquê de as pessoas se irritarem tanto, quando lhes pergunto
se a mequetrefidade não lhes ajudará na vida, tomam a coisa como ofensa das
bravas, pior que a mamãe lhe haver parido e não dado a luz. Para mim, chamar-me
"mequetrefe", dizer que "mequetrefo" com tudo na vida, é um
grande orgulho, sinto-me feliz e alegre, prazer sem limites. Por exemplo, não
há um grão de arroz e feijão na minha casa, um pedaço de músculo de boi para
fritar, haja dente para triturar, desde que seja possível engolir, não
engasgando, penso numa pessoa que há muito não vejo, vou fazer-lhe uma visita
na hora do almoço, todo carinhoso, solícito abraço-lhe, conto-lhe algumas
novidades do dia a dia, convida-me para almoçar, inclusive com direito a um
suco de maracujá, como bem, sinto-me satisfeito. Posso até passar dois dias sem
nada comer. Não mequetrefeasse o almoço do amigo, de tanta fome não conseguiria
nem dormir, passaria a noite insultando os deuses que me jogaram no mundo.
Minha mãezinha batia-me na cabeça, dizendo: "Seja mequetrefe, mas não
roube. Ser mequetre é uma virtude, filho. O céu está cheio de
mequetrefes..." E minha mãe era funcionária concursada da Prefeitura,
advogada de extrema confiança dos prefeitos. Não iria ensinar-me uma coisa
errada, algo censurável até pelos cretinos e imbecis. Morreu, nada deixou para
mim, era filho de outro homem, o padrasto ficou com tudo. Na rua da amargura
eu, ser mequetrefe era a única coisa que me ajudaria na vida. Como pintor, saí
pela vida, mequetrefeando com as dificuldades, o que ganhava dava para o
aluguel, pequenas compras na mercearia, água e luz. Mequetrefeava para
sobreviver um pouco melhor, só um pouquinho, fazendo jogo de bicho para as
pessoas.
Nasci mequetrefe, com certeza vou morrer mequetrefe. O mais difícil é
mequetrefear as dúvidas do além. O papa já disse que no inferno não existe
fogo. Já é alguma coisa. Mas não disse que o inferno não existe. Será que não
existem as belezas inestimáveis do paraíso, vive-se pela eternidade feliz,
alegre, cheio de prazeres e tudo mais? E se isso não for verdade - o papa não
falou a este respeito -, para que então fui mequetrefe na vida, isto me
garantiria a eternidade no paraíso? Vou vagar no espaço até a consumação do
mundo, da terra, de todas as coisas? Mequetrefe no espaço - quê humilhação! Mas
enquanto houver vida, vou mequetrefeando!
Manoel Ferreira Neto.
(07 de março de 2016)
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