**COZINHANDO O GALO N´ÁGUA FRIA - AMPLIADO E REVISADO** - Manoel Ferreira
Viver é ser tangenciado a princípios, valores, ética e moral no singular
ou no plural, regras e normas, mesmo que tudo isso seja conto do vigário,
estória da Carochinha, seja nada, a vida tenha sido o incólume vazio, a morte
acaba com tudo felizmente.
Seja assim, seja assado, seja cozido, seja de outro modo, seja nu e cru
- imagine-se um galo nu e cru: quê delícia!!! As imaginações fertéis vão
interpretar de modo jocoso, mas estou dizendo daquela ave que vive correndo
atrás das galinhas no galinheiro o dia inteiro e por volta das três e meia,
quatro horas da madrugada, começa a cantoria.
Lá vou eu, mochila nas costas, por este mundo sem porteiras a fora,
cozinhando o galo n´água fria, e não me venha dizer "devagar e sempre: eis
a questão", "é devagar que se chega ao destino", o estômago já
me enviou mensagem, dizendo vai participar sua mudança para as minhas costas, a
fome é secular. O que responder? Vou levar um cerca-lourenço daqueles:
"Quem disse que água fria cozinha alguma coisa? Seu imbecil de galocha,
bengala e chapéu de coco! Lerdo. Você precisa de uma mulher chata, ranzinza
para aprender a ser esperto. Xantipas não existem mais. Seria um primor para
você." Abaixaria a cabeça? Como jamais aceitei, permiti, con-senti abaixar
a cabeça em quaisquer circunstâncias, poderia responder: "Está bem. Vou
mudar a água fria pelo fogo morno. Vou cozinhar o galo em fogo morno. Vai
demorar estar cozido, mas estará. Deixe comigo". O gambá iria pegar com
todas as evidências possíveis e impossíveis, teria de enfiar a cabeça no buraco
de tatu jamais tirando-a de lá. Imbecil de galocha, chapéu de coco e bengala
seria pouco para ouvir. Pensemos com os cotovelos sobre a mesa, as mãos
fechadas amparando o queixo, lábios cerrados, olhar perdido nas arribas de
confins.
Galo do reconhecimento pelo que se ama fazer. Ontem arrebentei a boca do
balão com um processo de divórcio litigioso, advogado algum acreditava ser
possível, reconhecimento pleno. Se hoje tenho dificulidades de redigir uma
petição de pensão alimentícia, o sarrafo desce com vontade, sem dó nem piedade,
sou um debilóide, comprei o diploma de advogado. Se amanhã enjaulo um
presidente da república por corrupção deslavada, na cela dos comuns, sem
quaisquer privilégios, a Nação aplaudirá, nem nas Alagoas dos Insurrectos isto
foi possível. Isto não significa cozinhar o galo n´água fria? Ninguém quer
saber dos abismos e planícies das jornadas: para ser reconhecido faz-se mister
vitórias às pencas. E lá vou eu pelas estradas do Direito com as calças na
mão...
Galo da felicidade...É mais fácil subir aos céus em vida, não morrer,
não estar diante do Juízo Final, dando testemunho dos pecadilhos e pecados até
além das fronteiras do inferno inconcebíveis... Casamento de entregas, verbais,
incólumes, fidelidade e lealdade insofismáveis, atenções exclusivas
impreteríveis, mas num momento da vida o vento soprando ao contrário, tudo isto
se dá no mata-burro das contingências, na sarjeta das desgraças, o desquite é
quase inevitável, depende de mim dar saltos sobre abismos um atrás do outro,
qualquer deslize o sem-profundidade estará à minha espera, vou ter de cozinhar
o galo da felicidade no fogo morno, vou demorar resgatar a felicidade vivida e
vivenciada, mas resgatarei. Se não conseguir vou empurrando com a barriga o
casamento. Nos tempos de Lourenço, o que Deus uniu o homem não separa. Hoje é o
tempo de Zé Mané: o que começa errado termina errado, o que começa certo, haja
tempestade, haja dilúvio, há-de de continuar certo.
Galo das buscas da eternidade... O eterno, dizem, é imaginação fútil, é
fuga das dores e sofrimentos, é incapacidade de se ser útil na vida, mas desde
tenra infância ouvi da minha saudosa mãe que ser eterno é dançar com as mãos,
trocar os pés pelas mãos, na linguagem mesma dela: "O saci dança com as
mãos e pula numa perna só". Neste sentido, de cozinhar o galo na água fria
significa andar à luz das contradições e dialéticas, o saci dançar com as mãos
e pular n´única perna, digo: "Na sepultura, tudo se tornam cinzas, na
contingência da vida tudo se torna cozinhar a vida no churrasco gaúcho à beira
de um riozinho de águas ora turvas, ora límpidas.
E lá vou eu, mochila nas costas, cozinhando o galo gaúcho e mineiro na
lareira do churrasco ou no fogão de lenha do frango a molho pardo.
Sou mineiro gaúcho, sou gaúcho mineiro.
Manoel Ferreira Neto.
(07 de março de 2016)
Comentários
Postar um comentário