**DA ESCLEROSE MÚLTIPLA À IN-FECÇÃO** - Manoel Ferreira
De
Manoel Ferreira Neto ao escritor memorialista Brás Cubas
Imenso
prazer e satisfação, prezado Brás Cubas, em receber a sua missiva, coisa que
jamais imaginaria. Dirá você devo deixar os ímpetos sensíveis, as
compulsividades emocionais, respondendo-lhe. Vivemos em mundos diferentes, você
no seu mais que famoso andar de baixo, vamos ao direto e reto, tumba universal,
eu aqui no andar de cima, anônimo até nos ossos. Receber a sua missiva fez-me
sentir universal, eterno.
O
tema específico de sua missiva é a questão de imitar o que é inimitável.
Conforme conheço o seu memorial, que li com muito prazer, tendo apreciado
bastante, até hoje leio, do início ao fim, reina soberanamente a ironia, o
cinismo, o sarcasmo, o seu estilo delineado, burilado, cheio de aclives,
declives, curvas, entendi que está a criticar-me por querer imitá-lo, isto é
inadmissível, inconcebível, jamais serei capaz de fazê-lo, não sou de sua
índole, sou homem muitíssimo diferente de você. Aliás, referiu-se com toda a
sua excelência à minha esclerose múltipla, estar eu esclerosado com esta
tentativa em imitá-lo, estou sendo bem pernóstico, a pernosticidade é a
de-monstração mais nítida da esclerose, melhor ainda, na esclerose múltipla
habita a pernosticidade.
Não
me enviaria missíva, se não houvesse chegado aí no andar de baixo, que imagino
ser o mais sublime e esplendoroso, nalgumas passagens de seu memorial você
re-vela, enveladamente para não trair o seu caráter ambíguo e dúbio, criticando
a si próprio, descendo o sarrafo com toda a empáfia nas atitudes, ações,
gestos, comportamentos, um larápio, viperino, desejando mostrar que assim somos
nós os homens, eis a alma humana, livro de minha autoria que leu com toda a
sensibilidade e espírito crítico de além. Conforme a sua visão-de-além,
interpretação e análise, percebeu, sentiu, intuiu, conscientizou-se de que
estou querendo imitar você.
Brás
Cubas, meu prezado, com a sua data vênia, digo-lhe que sou homem bastante
sensível, a leitura de suas memórias póstumas influenciou-me sobremaneira, e
claro muito de seu espírito sarcástico, cínico, irônico foi absorvido,
assimilado, intronizado por mim. O que fiz foi enfiar o seu espírito no meu,
mergulhar na alma humana por outras vias, noutras perspectivas, não com a sua
empáfia de o homem ser em si mesmo o mais vil, o divino canalha, passem os
anos, passe a eternidade, será sempre assim, eis a verdade sublime. Para você,
pode não haver o livre-arbítrio, o que faria com o livre-arbítrio aí no andar
de baixo, não teriam sentido algum mudanças e transformações de caráter,
personalidade, você se sentiria, com todas as mudanças no "país das
quimeras", o andar de baixo não é nenhum país das quimeras, sim a terra do
nada absoluto, ou melhor, covil do nada absoluto. Aqui no andar de cima, desde
que haja o desejo supremo, desde que se lhe entregue in totum, tudo pode ser transformado,
a alma humana não é a mesma, hoje é-se isto, amanhã é-se aquilo, aqui tudo é
efêmero, fugaz. Vamos ser sinceros e honestos conosco mesmos, ficará entre nós
por todo o sempre, segredinho de alcova: você nunca gostou dos homens, da
humanidade, daí as suas críticas radicais e implacáveis. Não sou a favor dos
homens, da humanidade, mas também não sou contra, não alimento em mim ódio
ferrenho.
Deixemos
de delongas, e vamos direto à questão. Reconheço os meus limites, sei que é
inimitável, quem quiser imitá-lo cairá no incólume insofismável ridículo. Não
quis imitá-lo no meu livro ASSIM ANDA A HUMANIDADE, também memorial, não
póstumo. Servi-me de seu estilo cínico, sarcástico, irônico para mostrar a
cegueira, a alienação, coisa que os homens trazem em si dentro desde a
eternidade, e hoje com o júbilo, tributo ao caos, ao vazio, a alienação e a
cegueira atingiram o nível absoluto e supremo. Verdade, Brás Cubas, Diógenes
não sairá com um lampião procurando um homem consciente das coisas do mundo,
seria perda de tempo. Você cai na gargalhada, não é mesmo? Mas é verdade. Brás
Cubas, a coisa aqui em cima está preta. Não há quem não esteja dizendo que é o
fim: a cegueira e a alienação prolongar-se-ão até a consumação dos tempos.
Meu
Deus, Brás Cubas, você é mesmo o maior de todos os escritores, jamais no Brasil
haverá outro como você. Por que estou dizendo isso? A sua linguagem, o seu
estilo em trabalhar o meu estilo de dividir as palavras erroneamente para lhes
modificar o sentido, tornar-lhes uma categoria filosófica - aliás, traindo-se
por dizer que o imito, você não tem esta característica; e acho que, por esta
razão, enviou-me o seu reconhecimento. Brás Cubas, você foi muito profundo em
sua análise e crítica, mostrou coisa que eu jamais imaginaria estar presente
nisto de dividir as palavras erroneamente - foi fenomenal, de excelência mesmo.
Fica aqui o meu eterno agradecimento por sua gentileza e generosidade.
Meu
prezado, eis o momento do aceno de "inté".
Um
grande abraço!!!
Manoel
Ferreira Neto.
(16
de março de 2016)
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