**RESQUÍCIO DE AD-JACENTES ESPECTROS** - Manoel Ferreira
Se eu fosse luz, apagaria o inferno.
Quero voar acima destas nuvens brancas - as nuvens já são brancas. Voar
bem acima destas nuvens brancas. Voar como o condor, voar como a águia. Não
tenho asas. Se eu fosse vento, sopraria o meu ser, esvoaçaria livre. Soube que
nada era. Soube que nada tinha. Soube que nada podia. E a brisa - não sei se
ela soprou - faz-me voar. A gota de orvalho faz-se imensa, sacia-me a sede. E o
néctar de flor onde pouso suave como uma borboleta desfaz sempre suave a minha
fome.
Rio sem luz, carrego nos meus braços a cruz. Resquício de ad-jacentes
espectros. Quero imaginar o mar ondulante, re-fletindo raios de sol. Inquietude
do futuro, nostalgia do presente. Que eu esteja banido de toda verdade.
Sentimentos se re-velando livres, fluindo-se serenos. Do silêncio in-fin-itivo,
o húmus para a luz do verbo, para o som rítmico e melodioso do ser. Encontro de
volúpias e êxtase do que é eterno. Ouço os ventos que, silenciosos, despertam
as vozes dos outros seres, soprando neles. De toda fresta soam altas vozes.
Silêncio de mim... silêncio de mim... silêncio de mim... Palavras dispersas
flanam no espaço, sinto-as, não as traduzo, esquecem-me os vernáculos
linguísticos e semânticos, sentidos que não precisam nem de portos, nem de
mares, sentidos que con-templo, sentidos que não verbalizo, sentidos que não
in-fin-itivo. Olhando circunspecto, introspectivo a solidão do tempo, quero o
verso-uno do in-finito trans-itivo de paisagens, sinto-me distante, tão
longínquo, a inspiração falha-me, falta, componho fragmentos de pensamentos, as
emoções não fluem livremente, teço o nada de vazios da alma, crocheteio o
baldio de efêmeras sensações, versifico as nonadas, versejo as sorrelfas
eivadas de travessias, metáforas e sin-estesias não se movem, deixo o silêncio
falar como quiser. Eis aqui sentado próximo do deserto e já novamente longe do
deserto, sem futuro, sem lembranças, nenhum vento úmido, nenhum orvalho de
amor. Despido de mim, despido de in-congruências do ab-soluto e do ab-surdo,
simplesmente nu à passagem do tempo, nada penso ou penso o nada que me pensa.
baldio de palavras, fresca alma da noite.
Sinto a ânsia de me situar no infinito, o próprio infinito é tão vago,
limitado e não-matéria. Procuro a matéria, concreta, precisa, como eu.
Impreciso, in-explicável, sou no anti-átomo e, na ânsia de me explicar, não me
realizo tão alto como o voo de uma gaivota. Queria, no momento, nem procurar
explicação para a minha inquietude. Quero ir, além do conhecido, quero
ultrapassar o tempo, o som e a luz num momento de começo ou de fim. Estou estático,
sou a vil matéria, sou resíduo, sou inconsequente em mim mesmo. Perco-me no
ponto que sou: de partida ou de fim, metamorfoseando-me na busca do ser, da
auto-explicação. Lá fora, de dia, arde o sol; de noite, a luz e as estrelas com
a vacilante luz.
Se todo mundo vivesse ex nihilo, todo mundo se acabaria ex aliquo.
Manoel Ferreira Neto.
(10 de março de 2016)
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