**DESOLADO E CONSTRANGIDO** - Manoel Ferreira
Se verdade é haver composto algo de diferente - não confiro isto, mas
quem sou para conferir ou não conferir, quem o faz são sempre os amigos,
leitores, críticos -, deve-se isto ao fato indubitável de haver rearranjado
algumas situações dos egrégios personagens, ornamentos e arrebiques, para assim
"desolar" com maior contundência, arrancar gargalhadas e ao mesmo
tempo chamar a consciência no freio.
Dizem, não o sei afirmar com categoria, que para desempacar um jegue é
só dar três petelecos com bastante força na sua orelha que ele desembesta rua a
fora, A questão é que o carroceiro fica para trás, a menos que queira correr
atrás da carroça. Haja fôlego! As situações rearranjadas, linguagem e estilo
jocosos, a verdade na ponta da língua estão fazendo os homens pensarem cego é
quem não quer ver as coisas do mundo, a cegueira é motivo de gargalhadas
milenares. "Estou a sentir-me tão desolado...", "Claro que está.
Não enxerga um palmo na frente de seu nariz adunco". A consciênca se
re-vela num piscar de olhos. Quem quer ser motivo de riso do outro? Ser
considerado e reconhecido alienado é humilhante, a humilhação atiça a
gargalhada.
Se verdade é que estou sentado no meu próprio rabo e sarrafando a
alienação do outro, e como consequência outra não seria, o digníssimo Freud
como sempre explica, senão a desolação, digo, em minha defesa, nada estar
fazendo para mudar as coisas do mundo, para conscientizar os homens de que a
consciência tem o poder de transformar a água em vinho muitíssimo saboroso.
Ninguém, desde este mundo até as prefundas do inferno, se sente tão desolado
quanto eu mesmo, desolação absoluta. Amenizei a minha desolação, pintei o mundo
inteiro de desolado, personagens infantis, mortos, mitos e personagens reais,
não deixei ninguém sobre ninguém.
Se verdade é que a auto-crítica com fundo de crítica não tem qualquer
necessidade de ser explicada, indiscutível apreciar e amar pingar os
"ii", não saberia ler sem os pingos neles, ademais estou tão
acostumado, tão acomodado com a vida pacata, tão sem sal e pimenta do capeta,
que qualquer manifestação de carinho e reconhecimento faz-me sentir incomodado,
tímido e constrangido, a reação é explicar e picar a mula nas vias pacatas e
desoladas do mundo.
Está vendo só?! Depois de escrever tudo isso, esprimido os miolos,
gastado tempo, estou a sentir-me tão ridículo. tão idiota. O silêncio da
desolação é profundo, tira de cena as palavras, e quando elas eventualmente
aparecem é o monólogo da morte com as situações da vida. A pacat-idade afasta
os orgulhos e vaidades, e qualquer coisa que possa aproximá-los logo é
rejeitada, recusada. Numa imagem: há quem, quando está triste, angustiado, com
muita raiva ou ódio, logo diga: "Deixem-me no meu cantinho". É o que
digo, diante da timidez e constrangimento pelo reconhecimento e carinho:
"Deixem-me no meu cantinho de desolado. A minha desolação remonta ao
Descobrimento do Brasil. Macunaíma vivia deitado na rede com a sua eterna
preguiça. Vivo deitado no meu berço com a minha eterna desolação".
Daqui de Tresandada, a todos o muito obrigado pelo reconhecimento e
carinho, selado com centenas de beijos babados. E vou eu trilhando as ruas e
avenidas de Tresandada, pacato e desolado.
Manoel Ferreira Neto.
(14 de março de 2016)
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