**EVANGELHO DA ÁGUA E PINGA - REVISADO** - Manoel Ferreira
Sagrada água, desde a fonte sendo jorrada livremente, que perpassa
terras sem margens, sem ad-vires, seguindo em frente, sem ad-vires entre
florestas, montanhas, campos, chapadões, pampas, abençoando olhos e visões que
con-templam o além ao longo das experiências e vivências das desgraças às
esperanças.
Dizem – não posso garantir, asseverar impiamente, não estava na época,
gênesis do mundo, nem estava nos planos viria ao mundo. – que Deus criou a água
antes do homem, porque teria de tomar banho, caso contrário, federia, o fedor
humano é pior que o dos porcos, teria de matar a sede, só com a água, no
desenvolvimento e progresso ao longo do tempo teria de cozinhar os seus
alimentos... Tudo precisaria da egregíssima água, duas moléculas de hidrogênio
e uma de oxigênio. E hoje a água é necessária para todas as coisas, havendo
campanhas inúmeras para a economia da água, vai faltar água em pouco tempo, se
o consumo for ilimitado, sem qualquer educação.
Iluminada água, desde o Genesis da fonte, sendo inspiração do brilho do
verbo que re-colheu e a-colheu sob a cintilância das estrelas, sob a fulgurança
da lua, nas passagens da noite ao alvorecer, pingando versos e estrofes do
amor, dos desejos e vontades do pleno nada na travessia da trans-cendência à
contingência, do além aos confins, ao longo da jornada, do ser-tao da estrada
ao humu-sistencial das alamedas do vazio.
Se a torneira não for devidamente fechada, pingo a pingo a caixa dágua
vai secar. Há quem diga aos risos sem freio: “Melhor pingar do que secar”. Depende
do sentido com que é visto, pensado, sentido este adágio paulista. Imagino São
Paulo com as torneiras mal fechadas, os pingos levam à falta de água!
Calamidade pública.
Santificada a água que nos buraquinhos do chuveiro, gotas constantes e
assíduas, cura angústia, melancolias, psicossomatizações, saudades, nostalgias,
tristezas, alegrias, quando a carne, ossos, alma con-sentem que ela penetre e
mergulhe profundamente neles, re-colhendo a verdade do ser-verbo do sonho-eidos
do perpétuo da espiritualidade, síntese da visão –de-mundo do quotidiano e
sensibilidade da estesia do desejo à luz da estética da consciência, projete no
decurso os ocasos do crepúsculo, no percurso da fronha do travesseiro em que a
água dorme no seu trajeto por entre os taos do ser ao espírito da alma
humu-taos da eternitude povoada de quimer-itidades das noites insones.
Amor à água... Água ao Amor. Não consigo entender as águas. Vem das
fontes, vem da a-nunciação do tempo, vem do tempo, eras da iluminação,
entranhas do ocaso.
Chove lá fora, pingo aqui dentro. Ai que delícia um pinga. Serve a
tantos propósitos. Serve para o chifrudo esquecer que sua amada fez amor
gostoso com outro homem, e ele ficou a ver navios, abaixar a cabeça quando
entra em quaisquer portas, todas as portas, além das pessoas serem testemunhas
do chifre, sempre dizerem: “Olha, o chifre dele é bem pontiagudo”, só Deus
sabendo o sentido com que ele é dito, com certeza sem maledicência. Antes
pingar todas do que secar de tantas tristezas, angústias, problemas. Quando se
diz respeito à chuva à noite, diante das lembranças, recordações dos momentos
gostosos e gozosos da intimidade conjugal, tantas cositas deliciosas, saudades
e melancolias se fazem presentes. Aquela frase mais que famosa: “Garçon, mais
uma pinga, antes que o chifre aumente de tamanho”. E o garçon cínico e cretino
respondendo: “Vou colocar esparadrapo no fundo do copo, está furado, de pingo
em pingo seca!”
Chifres e pinga, pinga e chifres na dança lúdica de “antes pingar que
secar”, coadjuvantes os chifres e o chifrudo, antes pingar do que secar com a
verdade do chifre.
Irônico eu? Por ironia entendo eu, não o dizer piadas, fofocas da vida
alheia, como se crê nos botequins, cafés e nas redações, mas o dizer uma coisa
para dizer o contrário. A essência da ironia consiste em não se poder descobrir
o segundo sentido do texto por nenhuma palavra dele, deduzindo-se porém esse
segundo sentido do fato de ser impossível dever o texto dizer aquilo que diz.
Até entenderem que sátira não é ironia, a consumação dos tempos estará bem
próxima. Não vou me explicar, dizer a essência da sátira, para não secar os
risos e as gargalhadas, vou pingando ácido na realidade nua e crua.
A lenda mitológica reza que Erésia tocou um chifre tão grande em
Erculanus que nem as pingas amenizavam suas dores, até nos ossos ele
identificava chifres.
Melhor pingar do que secar! Se bem que Erculanus pingava, pingava, comia
pinga com farinha, e está seco: “Tá osso”, era o que só dizia, nada mais, única
palavra depois dos chifres bem postos. A vida são buscas, sonhos e esperanças à
busca do conhecimento, da sabedoria do ser. Buscas, sonhos, esperanças, fé são
dimensões que pingam em todos os instantes das experiências, vivências, dores e
sofrimentos como intenção e gestos de que o verbo do ser é imprescindível para
a morte que a-nunciará a contingência do nada na vida. De pingo em pingo da
verdade de ex-sistir, a sabedoria não seca, será sempre húmus para o eidos da
espirituallidade. Secando os pingos do vivencial, vivenciário, o homem será a morte
no mundo , e não a partir do nada para a vida o verbo-para o ser.
Só água pinga. Antes pingar do que secar.
Manoel Ferreira Neto.
(12 de março de 2016)
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