#AFORISMO 792/ E O RIO BEBIA A FLORESTA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
À
beira de uma lagoa e um rio ao lado, num matagal, pessoas curtindo a tarde de
domingo, tomando banho na lagoa, jogando uma partida de pôquer, tomando
cerveja, o guru Fesmone observava-as de soslaio, enquanto observava a água
passando, sentado no chão, começara a falar, e todos largaram o que faziam,
saíam do lago, para ouvir aquele homem, era ali um forasteiro, estava de
passagem. Trajava uma camisa azul, camisa polo, um blaser, calça jeans
desbotada, sandália.
E
o rio bebia a floresta.
Silente
surge à beira da floresta uma presa sombria. Céu de estrelas pela noite
espiritual.
O
nome é bem mais que nome: o além-das-coisas, o além-das-cositas, coisas e
cositas livres das coisas, circulando,
circundando, enroscando, enrodilhando.
Se
me en-veredo pelas cositas, desemboco-me nas "tais", e nas tais
cositas vou-me fazendo, re-fazendo, tornando a fazer, estamos todos como éramos
antes de ser, vou seguindo a estrada das tais, que não trans-formam a linguagem
e o estilo de estar-no-mundo, quiçá seja uma fonte de conhecimento de algo que
é ausente, é distante e longínquo, e não trans-mudam as idéias e utopias, assim
como o indivíduo aspira a ser, uma letra esforça-se por subir à palavra, letra
que exprime tudo, nada é, mas trans-literalizaram as experiências e vivências,
tornam-lhes espírito de sonhar a verdade, tornam-lhes alma de desejar, não o
absoluto, isto é quimera, o viver aberto aos horizontes re-versos da lareira da
contingência, esse picadeiro mais lindo e esplendoroso, onde os risos e
alegrias permanecem por sempre, onde as brincadeiras se tornam objetos de
momentos de realidade, rir de si mesmo - sou, e com muito orgulho e alegria,
objeto de risadas e gargalhadas dos homens, e admirador da obra de Gogol,
aprendi a representar no picadeiro as graças de estar-no-mundo, nasci sem
razão, prolongo-me à busca do sorriso nos horizontes de lareira re-versa, rio
de mim mesmo, e morro de alegrias in-versas e trans-versas, olhando e
con-templando o uni-verso de in-finitudes sob a luz fosforescente das sensações
de ser, não-ser..., perscrutando, em última instância, o desfecho dramático
constituir, con-duzir a uma culpa ec-sistencial, ao des-velar de um compromisso
original do homem com os seres e coisas
dentro e fora de seu espaço, e aqui está o escritor comprometido com o homem, a
presença presente desta síntese, não se trata de conflito entre o real e o
imaginário.
E
o rio bebia a floresta.
Buscava
através do aparente o que aparecia, através do disperso o que dispersava, e
recolhê-los no silêncio que dizia a unidade, que vociferava o verso-uno
re-verso ao in-verso das completudes, idealizava atrás do enigmático e
misterioso o que estava presente, e re-colhê-los na solidão que dizia os
ambíguos, dúbios das situações e circunstâncias, as contra-venções, não era
homem que abaixa a cabeça, entrega-se. O devir haver-se-ia de constituir-se,
como a ponte entre não-ser e ser.
A
vida é viver todas as coisas. Se não as vivemos, não se viveu, estivemos nas
sombras do mundo. Por vezes, a maior angústia é a suprema e divina felicidade.
E por vezes, se pensamos nas re-versas lareiras do
trilhar-os-caminhos-do-prazer e felicidade, é a maior desgraça, infortúnio... E
pensamos que somos os tais, se nos enveredarmos pelas cositas. Achamo-nos,
pomos óculos escuros, usamos chapéus, estufamos o peito, olhamos de esguelha
para a terra, conversamos coisas profundas, dialogamos nossas ideias e
pensamentos, e nada somos.
E
a besta Sofia renderá os arrogantes corcéis da hipocrisia, não há mata-burros
para bestas, não há bestas para mata-burros, abrem-se os caminhos, suas
insinuosidades, suas curvas, suas bifurcações; a vaca Costela dará leite no
curral vazio para os seus bezerros. Os mortos não choram. (risos de todos os
presentes, gargalhadas altissonantes. Fesmone olhou-os fixamente, um certo
arzinho de ironia havia nos seus olhos.).
E
enveredando-me pelas tais, desemboco-me nas cositas, e nos horizontes belos, na
beleza dos horizontes, no esplendido de Belo Horizonte, no crepúsculo, do
Mirante, observar a cidade, e descubro entre emocionado, tirando os óculos
escuros do rosto, con-templando à distância, olhos rumo ao que não voa nem
flutua no ar, agradecido por estar no mundo, entre os homens, as coisas e os
objetos, aprendendo sensibilizado a caminhada ora nos caminhos floridos de
florestas, ora nas estradas de pura poeira... Poeira da metafísica: o olhar
devassa a nuvem de poeira , cada vez mais densa é a bruma de antanho. Na
conspiração do entardecer, visões do Mirante, na curva do rio ordenam-se em
lenta pavana, e uma a uma eterizam-se no poema de idéias...
E
o rio bebia a floresta.
Não
aguardei que a madura idade me convertesse em flor, essa beleza, em terra, em
cinza, em pó, em sombra, em nada. Porque desperdicei tantos idílios, quimeras
por coisas não eram a mim, não as era, numa madrugada de inverno, pensar e
sentir o que foram aqueles ontens e pretéritos? - quiçá porque os tinha em
demasia, precisava podá-los, ceifá-los. Por entre os estatutos da terra e a
conjuntura esconjurada dos deuses caminho. Ao sobrepujar o lugar, a audácia me
leva a favorecer o não-ser contra o ser.
Vida,
vida, vida... E Clarice Lispector, escritora das horas em que a vida mostra
suas perspectivas de dor e sofrimento, ipsis litteris trans-literalizada de
vida, diz que não a precisamos entender, sim vivê-la. E estou vivendo agora as
cositas das tais, as tais de cositas, comungadas vão desembocar nos horizontes
de lareira re-versa, quando sinto e vivo o amor que compreende, vivencia, vive,
entende... É a rosa da vida o amor - dizendo assim, lugar-comum, mas sentir
isso nas profundezas dos quês-da-vida, hum... rum... ou rum... hum..., cositas
da vida vida de cositas, vida de tais cositas...cositas de tais vidas...
Poeta
e escritor jamais serei, sou homem imperfeito na vida, no caminhar por entre o
picadeiro da vida e a vida de todos, quantos e tantos os picadeiros...
E
o rio bebia a floresta...
Levantou-se.
Olhou os olhos faiscantes, entristecidos, ansiosos, a fisionomia de surpresa
dos que lhe ouviram. Estavam extasiados: quem seria? Um louco? Lunático? Um
sábio? Um filósofo? Quem era aquele homem? Deixou as pessoas pensando sobre as
suas palavras, virou as costas, retirou-se de cabeça baixa, refletia e pensava
nas cositas tais das cositas.
(**RIO
DE JANEIRO**, 28 DE MAIO DE 2018)
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