Maria Isabel Cunha ESCRITORA E POETISA COMENTA A SÁTIRA /****VERBALIZAR IRREVERENTE INFERE E INCIDE NAS PERSONIFICAÇÕES AMBÍGUAS DA CUJA-DITA SOCIEDADE QUE DESPERTEM A INTEGRIDADE**/ - PROJETO #INTERCÂMBIO CULTURAL E INTELECTUAL#

Quanta verdade e sabedoria exposta neste texto brilhante de erudição e atualidade. Aqui podemos constatar a postura dos políticos que governam a seu belo prazer com o assentamento da sociedade. Governam na opulência e dizem-se do proletariado e de esquerda! " À Mulher de César não basta ser casta , terá de parece-lo" Na verdade, eles até poderiam ser honestos, mas não parecem. Excelente e ilustrado com uma imagem deslumbrante. Parabéns ao escritor Manoel Ferreira Neto e ã artista plástica Graça Fontis. Beijinhos.

Maria Isabel Cunha

Graça está alegre e saltitante com o seu reconhecimento desta Peça de Pintura que ornamenta a sátira. Pediu-me ela que agradecesse-lhe de coração. Beijos nossos

**VERBALIZAR IRREVERENTE INFERE E INCIDE NAS PERSONIFICAÇÕES AMBÍGUAS DA CUJA-DITA SOCIEDADE QUE DESPERTEM A INTEGRIDADE**
TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis
SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto

Ensinai-nos...

... a conjugar os verbos ser e amar, porque, sendo, reconheceremos na carne os pecados capitais, nos ossos as blasfêmias, no sangue os dogmas que nos libertam das chamas do inferno; porque, amando, saberemos com percuciência o inferno são os outros que bajulam em nome do poder, paparicam em nome de interesses pessoas, amam a troco de favores especiais e propinas gordas.
... as cretinices da vida alheia, porque as nossas já não nos deixam em paz, tiram-nos o sono, ficamos a contar as badaladas do pêndulo do relógio desde as dez da noite até a aurora de outro dia, enquanto nossas cretinices se refestelam no banho-maria.
... as safadezas dos políticos, porque não sentem a mínima culpa ou remorso de haver apossado ilicitamente dos bens do povo que tanto lutou e sofreu, almoçam caviar e de sobremesa uma bela rapadura, descansam em suas salas luxuosas de casa ou apartamento, dormem tranqüilos e serenos, têm amantes por todos os lugares por onde andam.
... os índices no cemitério para que assim possamos compilar num livro póstumo, os homens possamos todos nos inspirar para outras mazelas que não as mesmas que repetimos a deus-dará no quotidiano a caminho dos pés juntos.
... a confundir alhos com bugalhos, porque nossos alhos já não afastam os vampiros dos bons costumes; nossos bugalhos já não servem para ad-vertir das trevas absolutas, do fogo do inferno.
... as libertinagens do capitalismo, para que também possamos ter algumas moedas a mais em nossos bolsos, para uma necessidade de um pão com manteiga e um cafezinho na padaria, juntamente com a família, pois até isso está a faltar-nos no dia a dia nosso; cinismos e ironias não enchem o estômago de ninguém.
... a re-verter o caráter puro que nos habita nossas pré-fundas todas em caráter maculado, e assim vivamos de mãos dadas, aos beijos e abraços, e não vivamos mais de migalhas de cumprimentos e sorrisos amarelos, olhares de esguelha, sussurros aos pés do ouvido, quando passamos, e gritos altissonantes sobre nós quando não estamos presentes.
... a rezar o Pai-Nosso de modo correto, rezá-lo de trás para frente sempre nos trouxe o pão que o diabo amassou com o rabo, a batatinha que espetou.
... a devassidão moral em todos os pormenores das linhas e entre-linhas para que nos permitamos agir sem vergonha e pejo, a dizer as coisas dia-bólicas que fervem e crepitam na alma com insolências as mais di-versas.
... a rasgar os verbos todas as vezes que percebemos e presenciamos as falcatruas, tramóias dos poderosos, dos interesseiros, promesseiros, em suas próprias caras sem medo de qualquer conseqüência, de ser encontrado com a boca cheia de formiga nalgum canto da periferia da cidade.
... a verdade do ódio e das paixões compulsivas para que nos libertemos das palavras ouvidas ao pé do ouvido ou aos berros, para que soltemos em nossos caluniadores todos os cães e seus devidos caninos, possamos morrer na certeza de que revidamos com as mesmas armas, demos o troco a critério e rigor.
... as regras e normas da canalhice pura para que não erremos no momento de as executar com propriedade, e não sejamos cínicos e irônicos que é nossa condição de vida para não sermos homens e indivíduos de rebanho.
... os jogos do poder em todos os seus mistérios, enigmas, tramóias e subterfúgios, para que no momento de distribuir as cartas sejamos beneficiados com as que assegurarão nossa vitória, e vamos tomar uísques e comer churrascos com os amigos, vadias, sanguessugas no Denise´s II.
... a andar de cabeça baixa, não a levantar quando percebemos e intuímos a presença dos princípios escusos, sendo tempo de assimilá-las e descascar as pepinos nas circunstâncias propícias, destilar os ácidos críticos nos eventos sociais e políticos.
... a não olhar de esguelha os que desfilam seus ternos e gravatas de grife, barba bem escanhoada, cabelos cortados à clássica, e reconhecer-lhes os méritos da dignidade e do trabalho honrado e respeitoso.
... a respeitar os instintos e devassidões da alma, as taras, as pedofilias, as compulsões criminosas, porque enfim nasceram com a missão de as realizar em absoluto e servirem de exemplo para que os homens os pratiquem.
... a compreender os limites de cada um, porque os limites serão os primeiros no índice ao longo da cidade dos pés juntos.
... a ouvir o nosso semelhante com dignidade, sem percebermos a farsa e a falsidade que lhe habitam, as sujeiras de caráter e personalidade que dentro traz em si, seu interesse mesquinho e medíocre, suas condutas espúrias, suas posturas indecentes, enfim ele não sabe de tudo isso, para ele a sua palavra é a última a seu respeito.
... a caguinchice que nos eleva o moral e nos faz mostrar um sorriso de orelha a orelha, cumprimentar a todos pelas ruas e esquinas da cidade, dizendo-lhes sobre o que ser feliz, alegres, o que é isto deitar na cama e antes de abraçar o sono dizemos “sou feliz demais e qualquer gotícula a mais de felicidade irá estragar tudo”.
... a ler os tablóides todos e parabenizar os direitos por suas perspicácias jornalistas, por suas inteligências, pelo senso verdadeiro de como a história é feita, pela linguagem e estilo autêntico, pela escolha dos colunistas, só homens de cultura, justos e verdadeiros com suas opiniões e consciências, pelo amor da verdade, pela sabedoria do poder da comunicação.

Sabemos de antemãos a todos os revezes que estes pedidos e rogos que fazemos a todos os homens, independentemente das raças, credos, ideologias e interesses, ideais e utopias, serão impossíveis, não porque não existam quem nos possa ensinar, suas lições não sejam eficazes, por não poderem abrir a boca porque as palavras que emitiram no ardor das euforias e êxtases vão contrariar as intenções e desejos, serem avessas às suas realidades e comportamentos; nem que o que pedimos, rogamos e imploramos seja irreal, mas porque se não fôssemos nós os cínicos e irônicos a vida seria um proscênio de verdade, dogmas, princípios, morais e éticas absolutas e perenes, e no palco mesmo da vida tudo seria permitido e liberado, Sodoma e Gomorra seria fichinha frente à nossa modernidade.
Levaríamos outros séculos e milênios para aprender com eficiência as lições, e não temos vida tanta para isso, a nossa espécie está em extinção, mister se faz deixarmos nossos últimos passos e traços, como memória, para que algum dia alguém diga que existimos de verdade, bagunçamos os coretos todos desde as artes às ciências, as religiões às seitas, morremos sozinhos por só termos feito inimigos, até o coveiro se recusou a deitar terra por cima de nossos esquifes, quem o fez foram os inimigos; e que, as gerações e séculos vindouros, digam nossa função era destilar os ácidos críticos, descascar os pepinos de todos, não importando nada, desde que no espírito dos homens deixássemos despertos os ideais da integridade humana.

(**RIO DE JANEIRO**, 04 DE FEVEREIRO DE 2017)

Comentários