#AFORISMO 782/ AO COMPRIDO DE AUSÊNCIAS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
O vento ermo no campo traz a inteligência no bolso!
O recurso da embriagues, da extasia,
O recurso do baile de claves e notas,
O recurso do catavento no cume da colina,
O recurso de Kant e da poesia,
Surge a manhã de um novo tempo...
Súbito, a frieza da solidão nos ossos.
Súbito, o calor do silêncio na carne.
Na posse do apelo mudo.
Sou muito pouco etéreo, sou espírito puro.
Esperança in-efável vivifica a alma como o orvalho.
O organismo seja vencido por tantas sensações extremas, sentimentos
paradoxais,
Conquanto sinta o tecido da vida desgarrar-se, esgarçar-se.
Regozijo-me de uma regeneração e de uma ressurreição,
De uma redenção e metamorfose.
Na negligência da morte.
Plana, rica. Imunda.
De modo que o próprio desequilíbrio teria esquecimento daí. Ocorre-me
que recuperaria o rosto e a expressão de inocente hipocrisia. Se o impalpável
brilho da areia esguichasse o sono. Ansioso. Lamento. A alternância egoísta
reluz aos olhos estremunhados do peito. E, ronda, no fim da noite, a estranha
mão de fogo, dedos de ardências, unhas de chamas. Sonoridade de asas de pano.
Entranhas chacoalham o vazio.
Meto outro cigarro na boca. Acendo. Lágrimas escorrem na face triste e
desconslada. Palavras borbulham quentes. Debatem-se sobre tábuas ásperas. O
móvel oscila um pouco. Enérgica distância do que há de ser apagado em
silêncios, no deserto da solidão. Inútil, a incompreensão excitada. Desvairado,
o entendimento ludo.
Ilusões imergem. Quimeras intros-pectivam-se. Fantasias in-ex-pressíveis
do afluir-a-ser.
Idéia louca de ser lua cheia. Ou crescente. Ou não ser lua. Ou ser
constelações atrás da lua. Ou não ser nada. Apenas uma coisa de alguém. Um
utensílio qualquer que se esquece em casa. Deixa na gaveta do criado-mudo ou do
guarda-roupa junto com as camisas cheirosas, as calças de tergal vincadas. Sem
ser dada ou tomada. Basta que de vez em quando abra a gaveta. Olhe-me.
Feto, aeiou. Feto, aeiou. Feto. Féretro. Falta-me afeto. Falta-me
re-des-cobri-lo. Des-centralizá-lo. Distribuí-lo. Compartilhá-lo. Entregá-lo.
Desvario passageiro, entre as mãos, reduzido ao destino que precede mal
ao pescoço que o puxa sempre mais para baixo. Esgares sem palavras. Língua de
fora, quiça à espera de algum vernáculo enviado pelo eterno, de alguma erudição
catalogada no livro de proscrições intangíveis. Re-correm com um zelo
arrebatado a carniça dialética, di-alogias fétidas e a vontade dos carrascos.
O eco significa bastante. Indica que a humanidade se renega e os homens
não podem sair nem atingir os limites. O sussurro fornica todos os dons para
cacarejar liberdades. As ruminâncias seduzem os eros para coaxarem os prazeres.
O canto da coruja entoa as notas da gnose compondo os sons do silêncio.
Olho um papel amassado no chão. Estou bem só. Virado para o futuro.
Carta ao Futuro, grito de afirmação. Não dou por mim que enxugo mal os sonos no
ouvido. Enxergo mal ao longe. Miopia. Às portas das tabacarias, não sou nada,
não quero ser nada. Atiro navalhas aos fingimentos. Se me sentisse apenas feliz
até ao absurdo e aos viscosos!... Se me doasse a compreensão e entendimento dos
lapsos de memória até ao sentimento pleno e vívido da sabedoria. Dúvidas. A
verdade brocha. Só os desejos excitam. A des-crença cobrir-me-ia de vergonha.
O excesso do louco reside no meu prazer. O paradoxo da cultura habita
nas minhas á-gonias. Toda loucura é cultura. Toda cultura é puro desvario. Toda
cultura é livre expressão das utopias e verdade. Mãos ecoam no movimento de
dedos. Traço linhas gerais. Teço páginas uni-versais com a con-tingência dos
limites, das faltas, falhas e ausências. Facas cortam o osso temporal. Navalhas
dilaceram as entranhas. Sabres e adagas dilaceram a inconsciência do bem e do
mal. Espalham cinzas ao comprido de ausências. Impregnado entendimento de
sonhos esgotados.
Estou um feto. Molhado por dentro e por fora.
De dentro para fora.
Esse branco.
Esse sol.
Esse reflexo.
Esse eu.
Misturo. Tudo. Faço nada.
Sensação.
Portão. Plutão. Platão.
Este muro já devia ter caído. Todos caem.
Esse entre nós. Entre eu e eu.
Entre o coração da terra e o espírito do mundo.
A noite cerra as pálpebras com um olhar morto. A interminável madrugada
instaura-se – re-conheço a sedução do pecado. Só e nu. A nudez é dádiva, não
castigo. Toda nudez será plen-ificada. Por dentro, o câncro da indiferença a
comer-me. Sentar-me à beira da vida é o suicídio mais covarde, por manter a
aparência de desejar existir, ser sensível.
Só... O manto verde e amarelo vem e corta-me pelo limite do grito, pelo
pretérito do murmúrio, pelo in-finitivo da algazarra, pelo gerúndio do
sussurro. O sobretudo branco e azul some e resgata-me pelo absurdo da audição.
Arde-me no corpo a angústia do exílio, queima-me. No sangue, a vertigem.
Agnósticas idéias da ampl-itude verbal das utopias pleiteiam do re-vérbero o
relevo da sabedoria. Paradoxos. Jogos de palavras. Trocadilhos. Eu sem ser
igual a mim. Sou igual a mim quando sou inteiro no ser de mim. Ser inteiro na
consciência. Igual a mim e tão abandonado.
A serpente da tarde ergue-se, insanamente, do fosso.
Ah, se pudesse ser, nas mãos, só o símbolo do amor e da harmonia, da
liberdade e da paz.
O vento ermo no campo traz a inteligência no bolso.
(**RIO DE JANEIRO**, 23 DE MAIO DE 2017)
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