#AFORISMO 789/ ARGILA DO SONO/PALAVRAS, SENTIDO E LUZ** - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Se
a vela alumia de chama o há-de vir de rogos e pedidos, há-de ser de lástimas e
vanglórias, contingências do não-ser protelam os instantes de nonsenses,
postergam os momentos de inteligência, o verbo no espelho de dores, de
inconsciência o templo imperfeito de milagres, a luz do nada resplandece na
esperança litteris de lâmina de machado que toca o tronco da árvore, o tronco
da árvore toca a lâmina do machado, comem a síntese de comer e ser comido, a
entrega e o consentimento de ambos, até tombar-se ao chão, os olhos comem as
coisas e as coisas degustam os olhos.
O
numinoso dos vazios adentra a porta: a seiva da verdade, húmus do absoluto,
raiz do divino. Pasta de couro na mão, livros, cadernos, livros de literatura,
Fagundes Varela, atravessando as ruas, indo ao Instituto Santo Antônio, para
mais uma aula de literatura, e ficar imaginando-me numa biblioteca por toda a
vida, criando uma obra, aquele desejo intrínseco de romper as barreiras, as
fronteiras, chegando a casa, aquele nó górdio na garganta, nossa, difícil
arrancar as palavras, garatujas, mas aquela ousadia a desafiar-me, ouvindo
músicas. Aquando houvera estudado Santa Rita Durão, passara algumas noites
copiando os poemas deles como se os estivessem escrevendo, só para sentir a
experiência.
Vida,
pensamento, idéias, utopias são uma viagem através do tempo. O tempo é uma
viagem em vida. Ideais, utopias, sonhos são as imagens que fluem livres ao
longo dela, cumpre estabelecer-lhes a claridade. Não era o medo da entrega ao
inevitável, de algum modo teria de haver a entrega, o horror das angústias e
desesperos, tufos de cabelos arrancados para criar um parágrafo, mas a água
batendo nos espelhos da janela, uma coisa selvagem. Encostava-me à janela da
biblioteca, con-templava o quintal, as árvores, as sombras, a luz do sol
incidindo nalguns lugares, e pensava o precipitar num rio espesso, deixando as
águas levarem-me.
O
jazz sibila nos ouvidos. Digo assim. O alvorecer, num quarto de república,
janela aberta, maio, sentado numa mesinha, escrevendo Meiguices Insolentes do
inferno numa agenda, procurando no passado uma série de recordações a fim de
estabelecer uma história, encontro-me longínquo, o gravador ligado, a caneta
deslizava nas linhas da página, escrevia numa agenda, era maio, começava de fazer
frio. Sobre a mesa um livro de poemas de Gide.
Palavras,
sentido, luz...
Som
- re-criação do indivíduo da parte de si mesmo.
Meus
sentimentos pesam assim como pesam os meus ausentes, falhas, faltas, lapsos.
Pesa-me a sela de algibeiras, alforjes, quero-me um jegue desembestado pelo
chapadão. Na saída, sombras jazem mortas. Viver a liberdade de ser consciência.
Nunca pude compreender a consciência é liberdade e, no entanto, há tantas
resistências no processo de conscientização. Um medo de ser. Viver o ser da
liberdade numa consciência a desejar a pureza da liberdade, do amor. Ser
consciente é ser livre e, contudo, a insistência em fantasias e quimeras.
Talvez seja uma verdade incontestável o inferno serem os outros. Por mim, não
tenho dúvidas.
Tudo
são palavras mesmo, viu?, ouviu bem, escutou? Tudo. Onde estão as realizações,
são elas que levam à vida. Sei que não sou homem fraco - não, não sou -, frágil
sim. Aquela velha e surrada situação: nessas condições quem irá acreditar não
seja? Por mais alienadas que sejam, as pessoas não são tolas. Não tenho
coragem, ousadia, não dou aquele pulo da cadeira, arrumo a casa, varro a
varanda, dou comida ao cachorro, faço almoço. Inda passo as vestes quotidianas,
no final do dia, para descansar das labutas. Vou ao trabalho. Empenho-me. Nada
disso.
Transeuntes
passam, estudantes, vozerios, sentado numa mesa na calçada de uma cantina,
tomando uma cerveja acompanhada de um gim Seager´s, sem nada comer, pés sobre a
cadeira à frente, fumando, completamente descontraído, uma Ópera do Silêncio à
venda, novela, sob os olhares surpresos, comigo pensando com absoluto desdém o
que é isto - o silêncio dá frutos, por que não ser um "homem
desequilíbrio", um "homem desequilibrado", como inicia esta
obra, alguns já até adquiriram, sorrindo, gargalhando intimamente, só o que
poderia fazer neste instante, ali estava a ovelha desgarrada, desequilibrada,
uma ópera o acompanhava, não palreava pelas esquinas o mesmo, o retrógrado, o
chinfrim dos valores, seguindo um rebanho. Disseram-me mais cedo que nada liam,
tendo oferecido o livro a alguém, conhecia-lhe a fama de um homem vazio e
superficial, respondendo-lhe: "Assim se conhece a cultura de uma
pessoa", os olhos faiscando, as costas como resposta.
No
começo da noite do dia anterior, a mãe biológica, chamava-a pelo apelido de
família, não dizia mãe, tendo lido vinte
páginas, dissera não ser escritor, aquilo não era um livro, o escritor conta
causos, histórias, inventa as coisas. O que dizer? Silêncio.
O
mundo é um espetáculo de picadeiro, no circo, que é de curto tempo, mas que não
passa, estará sempre presente. O humor do palhaço é válvula de escape das
tensões. As lágrimas no camarim sendo a imagem refletida no espelho são as
contingências mambembes.
Generosidade.
Ternura. Carinho. Meiguice.
Silêncio
de cítaras. A melancolia acende o esquecimento. Tempo - templum.
Palavras
escritas seguem a grafia, ortografia em desuso. Razão e consciência, longe. O
chão de giz, os bosques de cinza, as florestas de argila.
O
chão escoa-se pelo ladrilho. O copo de gim faz silêncio sobre a mesa. Olhos
sonolentos descansam no colchão. Eternidade. Pupilas esgarçam coisas. Vento.
Voz glacial. Sopro de in-verno. Uma folha da mangabeira baila indecisa e pousa
na perna esquerda. No festim solitário dons e habilidades se aguçam.
Átimo
de tempo circunspecto, introvertido, introspectivo, uma redação para ser
avaliada nota na disciplina Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, curso de
magistério, tema livre. Trabalho continuo por três dias para ser de valor
literário. A surpresa. A professora separou a minha redação, outros tiraram
dez, mas a minha fora especial. Perguntando-me: "Fora você mesmo quem
escreveu este texto?", quem respondeu fora um colega de classe, quem
presenciara alguns instantes de minha escrita: "Ele escreve é assim
mesmo", dissera Orlando Martins. "Continue escrevendo, siga seu
destino", dissera a professora, Vilma Simões.
Tudo
pela presença dos longínquos, sentir que há sibilos de ventos, há ecos nas
cavernas e grutas, há a maresia, o cheiro do mar. Pressentimento ou ânsia na
face em silêncio... palavras... comer-lhes com os olhos os sentidos e a luz...
Em gavetas, papéis, os libertados segredos. Madrugadas de quem comeu canela de
cachorro, devaneando pelas ruas e avenidas, passando pela Praça da Liberdade,
Belo Horizonte, descendo a Avenida João Pinheiro, tagarelando os pensamentos e
idéias. Existem hoje na memória, na argila do sono, a poeira profusa das
metafísicas e metáforas.
No
Espaço Livre, Restaurante e Churrascaria, alguém dizendo ser muito fácil
escrever, qualquer um pode fazer isto. O convite para que se sentasse, tomasse
a pena, escrevesse, faria o mesmo. Depois leríamos um para o outro o que
escrevemos. Minutos depois página preenchida e o convidado não tendo escrito
única palavra. Risos de seus companheiros ao lado. "Desafiar um escritor,
isto é muita ousadia", e gargalhavam.A saída. Afogueado de vergonha. Não
se despedira de ninguém. Preciso ver o silêncio, nele me sarapalhar.
Palavras,
sentido e luz.
Há
multiplicidade encarnada na mesma carne
Que
alma resiste?
Há
ambiguidades e dubiedades incrustadas
Nas
prefundas almáticas, que pensamento que
Pensa
não refuta e nem negligencia vivê-las?,
Pensamentos
giram. Cores confundem a retina.
Por
isto sofrerei, derramarei lágrimas, num espírito paciente, embora as
conturbações e inquietudes da alma, todos os males com que os Deuses me assaltem numa estrada de poeira, à margem,
contrarie e ensine, e humilhe, e deslumbre, e por isso ame d´um amor que
constantemente se alimente destes ziguezagueantes, sinuosos trechos de becos e
alamedas, como o lume se nutre dos ventos contrários.
E
as "más línguas" balbuciam nas calçadas e esquinas as perquirições e
indagações, aquilo mesmo de "discernir num átimo o contexto verbalizado
...a carga estereotipada, metamorfoseada...sentimentos, sensibilidades e
emoções em cada verbo, palavras, frases e pontuações. ..", balbucios de
quem está cônscio da verbalização, e que, portanto, abre frestas de visões,
quiçá uma ilha entre montanhas, areia branquinha cobrindo pequena extensão, as
águas tocando-a, esparrando-se, o mar a fora, em toda a sua amplitude de visão
e além. Sorriso trigueiro, os dedos digitando letras, palavras, enrodilhado
numa idéia e inspiração.Dizendo outras más línguas, daquelas que matam a
serpente e mostram o pau, "... o
apreço da felícia é erudição do que é viver...", naquela linguagem e
estilo de a existência "... não
lograr ser superada por qualquer outra mesmice, pois
ela
é o maior espólio de todos." E estas más línguas de ristes afiados,
palradeiras, palram os pensamentos maduramente pensados, e a carruagem segue o
seu itinerário, um véu baixando, um ríctus.
Palavras,
sentido e luz...
No
fogo, voluptuosas, eufóricas, chamejantes, sílabas mostram olhos, sons aliciam
os ouvidos. Nas águas, excitadas, ondas enormes, emitem sons, reflexão,
raios...
(**RIO
DE JANEIRO**, 26 DE MAIO DE 2018)
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