#LINGUAJAR ERRANTE DE UM DEFUNTADO# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto/Graça Fontis: SÁTIRA
Ah... Ah...
Ah... Aí é que relincho.
Não que seja
alma falante, confesso-me instinto penado, vagante, bastardo errante, a ermo
pelos prados dessa vida inusitada que a mim coube sem eiras nem cercas para que
melhor deguste sem pudores os verbos e as ideias que formoseiam meus vizinhos,
estes companheiros eventuais nas minhas viagens devaneicas daqui para acolá, sem
hora, sem datas nem portos de saídas ou chegadas, mirante preconcebido de onde
quem entra não sai, mas eis que volta dá a vida nas lembranças jeguianas que me
protegem sem incômodos aos meus ouvidos, é o sorriso que prevalece nos
segmentos pontuais de cada dia em que o sol que acoberta hipocrisias a mim
propõe algo forte e impactante como nós desafiantes ao meu soberbo
"eu" como um extrator fisionômico dessa irreverente altivez, sem
preâmbulos e com tamanha obstinação, imperturbalissímo quanto aos sonhos que a
mim incorporam na especificidade irrisória onde cada causo contado aumenta-se
um ponto, aí é que relincho. Como aquele em que a tal pensou que alguém fosse o
tal, abandonou seu tal pelo outro que não era tal.
Não sou bem
um defunto jegue, mas um defunto jegue, se me faço entendido aos clarões do
mundo que não conhecem as trevas de sepulturas nem explicações concernentes à
identidade de quem ou de que nelas residem. Houve quem em tempos em que a
memória não havia sido descoberta ousou contar a sua história de vida debaixo
da terra, memorial este que suscitara a idéia de que as ideias geniais
continuam registrando as coisas, mesmo o objeto delas, o homem, tenha
participado mudança para o além, os restos mortais em plena decomposição e as
inspirações mais que efervescentes e calientes, este defunto dera origem à
memória.
Então, como
defunto jegue, desejo com todas as falácias e verborréias trapar a língua,
homens defuntos usam a pena no túmulo, eu uso a língua que em vida não se movia
com palavras, uso os instintos e estes eternizam o que sinto do mundo e da
vida. Que asnice a minha? Aliás, muito natural. Mas para estarem os homens
encafifados com a língua de um defunto jegue seria preciso que tivessem não só
a certeza de que sou pensador mas também saberem o que venho pensando desde a
despedida do mundo. Isto não sabem, e ninguém em sã consciência iria aceitar
aperfeiçoar-se nos instintos ásnicos para perceber e intuir a seriedade de
todas as idéias e pensamentos que expresso na minha língua renecida de além.
Se o cinismo
é uma "Virtude Corriqueira" na alma dos homens, o sarcasmo é um
"Valor Eterno" nos instintos ásnicos, porque neles não há dogmas nem
preceitos que envelem as vaidades e orgulhos da razão, princípios religiosos,
regras e exceções da sociedade. São nus e crus.
Assim que
faleci, Guido Neves, o amigo das jornadas pretéritas à beira do Rio das Pulgas,
enterrou-me, e na lápide de mármore branco mandou escrever o epitáfio:
"Voe por outra terra, Incitatus, seus instintos são eternos e concebem
outros verbos. Aqui à beira do Rio das Pulgas você se tornou eterno com suas
idéias, noutras terras você se tornara imortal com os seus sonhos do verbo
ásnico." Voei, voei, voei. Alfim, encontrei outra terra, daqui de minha
sepultura vou contar outros causos.
O mundo
caminha pela rua num sim ou não, esperando ver o Cristo Redentor. Juro! Não se
deve jurar no mundo dos mortos. O reencontro com a vida fica difícil. A
natureza está em silêncio e eu não sei porque pensei mergulhar no verbo ásnico
da morte.
#RIODEJANEIRO#,
12 DE ABRIL DE 2019#
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