*ECOS DE UM LABIRINTO* GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Por que a
solidão absoluta?
A solidão
atrás da solidão, o vazio total, o nada de tudo, o tudo de nada, nonada, só em
instantes evanescentes, em ápices in-finitos como a flagrância... como a
flagrância... como a flagrância de uma evidência-limite.
Re-costo-me
na cadeira de balanço – além da janela, a chuva fininha continua caindo. A luz
do meu quarto continua acesa. Acendo um cigarro. Fumo, olhando as coisas, os
objetos, as paredes de pintura amarela. Enquanto puder, continuo fumando, até
ao fim, quando deitarei o toco do cigarro no cinzeiro, e continuarei re-costado
à cadeira de balanço; caminho entre o "não-ser" e o "ser",
versejando de sonhos as veredas do inaudito, sendas do deserto, estradas do
abismo contingencial do nada, ao mesmo tempo conhecendo bem os encantos,
sorrateira influência que essa terra exerce. A revelação dessa luz tão
resplandecente, que se torna negra e branca, tem qualquer coisa de sufocante,
no início.
Caminho
entre o "verbo" que se estende ao longínquo, ocultando-se,
re-velando-se, ensejando os desejos de encontro do "ser",
plen-ificado nas tábuas do Espírito da Verdade, inscrito no Absoluto In-finito
do Divino, con-templando do que há-de vir, porvir, a-nunciações sensíveis do
sentimento de esperança, e as "águas da con-tingência", de longe em
longe imperceptíveis e amplos movimentos fazem alçar-se por cima da melancolia,
nostalgia, angústia, tristeza, medo, insegurança, a esperança de reencontrar
uma liberdade cuja lembrança, descobrindo as rosas pequeninas, que tão depressa
se despetalam, únicas sobreviventes da primavera, seja a plen-itude ou a
juventude a evocarem a presença total de amor, nem um pouco de inocência,
porque esta ignora a mortal existente.
Caminho
entre o "mistério" que aumenta na mesma medida em que cresce o
conhecimento entre as colunas molhadas dos templos destruídos, parecendo estar
caminhando atrás de alguém, cujos passos continuo a ouvir sobre as lousas e
mosaicos, sentindo obscura e constantemente a carência de alguma coisa, e a
"oportunidade de amar", passando o resto da vida à procura do ardor e
da luz, orvalho delicioso tombando sobre o coração, evaporando-se depois,
sensação de frescor perdurando.
Ouço dentro
de mim rumor quase esquecido, como se meu coração, parado há tanto tempo,
recomeçasse a bater suavemente. As ondas de felicidade crescessem em mim.
Cantos de
pássaros começam a explodir com uma força, júbilo, alegre discordância e
encantamentos infinitos.
Velha cidade
- mais velha que as in-finitudes imemoriais, fin-itudes que as lembranças e
recordações transliteralizam o ser e a vida, que o tempo, surda aflição das
origens, silenciosa agonia da gênese inaudita, mais velha do que a vida... O
sol, às cavalitas, lembrando-me a lusitana Évora, doura-a de inocência,
numina-a de ingenuidade e volúpias, olho-a com uma angústia sem razão.
Alegria
calma, de devagar lentidão, humilde e, todavia, excessiva, invade-me como um
sangue às chamas ardentes de emoção, de sem-limites de sentimento, eleva-me
sobre mim, sobre a minha angústia, trans-fere-me a uma evidência dominadora que
eu respirasse como um ar de altura, frio ads-tringente à soleira de montanha
longínqua. Alucina-me o absurdo como um labirinto: como ser eu nos outros? Ser
irredutível e múltiplo? Só assim a solidão deixaria de ec-sistir.
Por que o
amor aparece como a verdade, e como ela se gasta, se destrói? Será o amor um
limite, será a verdade um limite, apenas a procura de um repouso que não há? O
que é o Belo? - pergunto-me agora, neste instante-limite em que expilo a fumaça
do cigarro, cont-emplando o céu plúmbeo nesta manhã de inverno, faz muito frio.
Belo é o que se não sabe, o que se não conquistou, o que se não conheceu, o que
se não vislumbrou. Abrir o corpo e a mim que moro nele. E que só nele moro
enquanto o procuro, desejo sabê-lo. Nada há de conhecido, de sabido, tudo
fulgura em re-velação, tudo esplende em a-nunciação, tudo re-presenta em
fulguração. O meu sentir re-flui da presença do corpo para a evidência que o
ilumina.
Cantos
idílicos ou nostálgicos, risos e flores brancas ou lilases, vermelhas ou rosas,
iluminem o mortal destino, a eterna sina, o desejado ser livre, para o ermo
envelar fundo, na essência e ser dele, noturno do pensamento, curvado já em
vida sob a idéia dos clímaces alucinados, cônscio da lívida esperança do caos
redivivo, eis o que me perpassa a vida em todas as suas dimensões sensíveis,
racionais e intelectuais, a carne e os ossos, até mesmo as entranhas das
vísceras.
Ser livre é
con-templar a natureza e perceber com percuciência e perspicácia que o ser
humano é a criatura mais importante do uni-verso e que faz parte intrínseca da
vida e sem ele jamais haverá felicidade, em verdade o mundo, a terra, a
ec-sistência, sentimentos e emoções que abram as portas para receber outras
luzes a encaminharem os passos em direção ao infinito do amor e da amizade.
Amaria, sim,
colorir as flores brancas, uma a uma, com as tintas que perdi, com o pincel que
deixei nalgum cofre do tempo, pedir-lhes dar alegria às minhas lágrimas,
caminho a esse carinho escondido nos abraços adiados, nos olhares desviados.
Outrora,
idade da minha ec-sistência! Outrora, idade das cores essenciais! Outrora,
idade de ritmos re-nascidos! Depois de tudo, após a paz, o turbilhão!...
Outrora, idade de versos e estrofes inéditos! Antes das rimas e sonoridades,
musicalidade, depois do prazer, a bonanza, cambaleiam a solidariedade, a
compaixão, dançam o amor, esperança e fé, a valsa do crepúsculo, tango da
noite, o fado da madrugada.
Outrora,
Idade da mesa habitual, sobre a terra onde semeei sementes di-versas, cultivei
milho e rebanhos! Outrora, idade dos reencontros, encontros de faces em torno
de mim, com os cheios e os vazios, com o nada e o tudo, com o efêmero e o
perene, da verdade!
Jamais a
felicidade efêmera, prazeres transitórios, alegrias fugazes, em as quimeras e
fantasias que desejam o eterno e o absoluto, a paixão que busca, o amor que
aspira o auspício do divino - porque ec-sigem devo olhar de néscios olhos para
a beleza, para o que ecs-tasia o íntimo e o mais profundo, para a volúpia da
carne fresca e ávida de prazeres insolentes.
O que levo
dessa vida efêmera tanto vale se é a glória, fama, amor, ciência e vida, como
se fosse apenas a memória de um tripúdio bem planejado e projetado, o xis da
ec-sistência, por ser eternamente definitiva incógnita, dispensa minha ciência,
debocha da máxima latina “cogito ergo sum”, aos olhos da sensibilidade e do
espírito verdadeiro despautério. O mistério sinistro ou fascinante da morte,
por ser assaz metafísico, dispensa o prosaísmo a que estou mais que
familiarizado, e sou capaz de elevar-me além do Olimpo, onde os verbos traduzem
a conjugação sublime de sua raiz ligada ao sufixo, as palavras verbalizam o
eterno de ser sensível. Resolvo, para os devidos fins e conformes, dar o cabo
de mim, varrer-me pros confins, muito além do jardim e das sete doses de
Campari, a embriagues com eles é inevitável, nem mesmo o famosíssimo Engov dá
conta do recado, após o sono, nem mesmo a água colhida na fonte, cristalina e
deliciosa, cura a ressaca.
O que não é
indiferente e se nos impõe aos homens como a única verdade que de nós irrompe
nítida e nulamente, o que nos afirma uma totalidade de ser, o que nos define e
é a própria realidade de estarmos sendo - é o todo que nos sentimos e nos
projeta, é a absoluta presença de nós a nós próprios, esta irredutível e
impensável realidade do que somos, impensável e irredutível porque não podemos
sê-la de fora, desdobrá-la em duas totalidades, multiplicá-la à revelia do que
há-de vir, do que há de efemerizar-se, do que há de perenizar-se, porque o
perene não ornamenta o efêmero de esperanças, o efêmero não embeleza o perene
de formas e resplendores. A luz que ilumina o estarmos sendo é intransmissível
como o sentirmo-nos a viver, como o sentirmo-nos à mercê do tempo e suas
intempéries.
Antes do
silêncio não há senão o silêncio. Trêmulo a-núncio do que jamais foi, na pálida
auréola do ar, das casas silenciosas, da copa das árvores ao longe, raiadas de
horizonte, do uni-verso súbito entre a presença intensa e a vaga que passa,
invisível e grande, ao balancear dos meus olhos pelo infinito - música do fim,
a alegria sutil desde o fundo da noite, desde o silêncio da morte, fachos de
enigma, apelo devorador desde um abismo de silêncio. No silêncio absoluto, as
palavras de outrora estremecem de insanidade, insensatez. Eu e o silêncio!
O que
sobretudo amo olhar é a cidade. Re-vejo-a agora do meio desta manhã, plácida e
branca, cercada de in-fin-itudes. Instala-se na serra, cisma para a lonjura,
onde me abismo também, veste de branco a acumulação dos séculos como de um luar
de morte. O espaço esvazia-me até o limiar da memória, a soleira do que me
transcende, onde alastra o meu cansaço, o afago quente de um choro, o aceno de
sinais que se co-respondem como ecos de um labirinto.
#RIODEJANEIRO#,
11 DE ABRIL DE 2019#
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