**ELOGIO AO CINISMO** Graça Fontis: PINTURA Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA
#O cinismo é
uma "virtude corriqueira" da alma humana#(Manoel Ferreira Neto)
O cinismo
foi-me desenvolvido pela educação. Só conhecia os afetos, por assim dizer,
familiares e inertes, os que não são conhecidos pela razão nem pelas manias
instintivas dos “achismos”. Sarcasmo e ironia foram estendidos e ampliados
através do conhecimento das hipocrisias manifestas e farsas latentes que os
homens fazem questão de ostentar, sentirem-se orgulhosos e satisfeitos, são
incompetentes e incapazes de ver além de seus instintos.
Mergulhei
tanto neles, descobri tantas coisas, vivo em busca de outras, que me dei ao
luxo de deitar na cama, rir à vontade e à revelia disto que se chama, é
intitulado, ser homem, de mim próprio que trago dentro características de
humanidade.
Murmúrio de
outrora, de outrem de ribeiras próprias, de arvoredo meu, abre a porta, em
grandes imaginações, em emoções súbitas sem “eira-nem-beiras”, em inspirações
eternas sem uni-versos e horizontes. Abro as mãos ao tempo oportuno, e procuro,
sem cessar, a misericórdia que me envolva para sempre.
Era o que
desejava encontrar por cantos e re-cantos espalhados, semeados, sarapalhados:
cínico, irônico, sarcástico? Por todos os lados, olhares, sorrisos
amareliçados, merecedor de desdém, desprezível; por inacreditável que seja, não
re-colhi qualquer evidência, não colhi qualquer sinal daquela fala que dá
comichão à urticária é insustentável: "Julga-se superior". Fosse-o,
não precisaria de trazer no bolso estes utensílios. Porque não sou superior a
ninguém, sou cínico, sarcástico, irônico. Isto não significa que me sinta
inferior aos homens, cinismo, sarcasmo, ironia são a minha bengala, muleta, com
eles me defendo, tiro-me da reta. Seria o mais alto nível do cinismo, caso
deixasse vazar estes estados da alma - chamo-os assim; chamem-lhes como melhor
convier - escondem, envelam um inútil, incapaz, imprestável.
Contento-me
com eles, são objetos de alegrias, prazeres indescritíveis, constituem-me a
vida. Penso com os sentidos, mister tirar as sombras do caminho, com a razão,
todos assim pensam, as sombras intensificam-se, chegará o lugar das trevas. É o
que move a sociedade, os princípios racionais, a moral estabelecida. Claro,
claro, por que poria isto em discussão? Sou consciente. Tanto o sou que não
ando nas trevas, nas brumas, o tempo é sempre sereno, serena é a manhã, serena
a tarde, serena a noite, o orvalho da madrugada.
Resguardo-me
mais facilmente de qualquer impulso de hipocrisia. Se há no mundo algo que a
hipocrisia não con-sente presença são do cinismo, ironia, sarcasmo, não tem
pedigree para argumentar, sem quaisquer esclarecimentos para dialogar, encetar
questionamento. Teria vergonha inconteste encontrasse uma côdea de hipocrisia
nos cafundós da alma, creio que não teria coragem de colocar os pés na porta da
sala de minha residência, do quarto à cozinha, ao banheiro.
Devo, então,
atear fogo no meu castelo de espelhos, devido ao fato de o cinismo não ser
con-sentido nas relações humanas e sociais, para alguns trata-se ele de um
vício dia-bólico, ou mergulhar uma lâmina afiada no coração, após saber o que é
mesmo ser "cínico", até o momento encontro-me cego, a visão se
re-velará nalgum momento.
Certamente
não o sentido de nossas tristezas, nem sempre muito acalentadoras, aliás
desoladoras conforme alguns juízos. Certamente não o sentido de nossas dúvidas,
nem sempre capazes de nos levar à esperança livre, ao sobrevoo que muitas vezes
adormece o espírito e a alma, às observações com olhos de lince para o infinito
das querências e esperanças de conquistas espirituais. Certamente não o sentido
de nossos medos, nem sempre capazes de tornar topia as nossas ilusões ou mesmo
as fantasias do sim e não. O espelho reflete certo, não erra porque não pensa.
Errar é essencialmente estar cego e surdo.
O tempo
acintura a forma de um corpo, pressagiado de amor. O espelho mostra o contorno
de saudades, o bocejo de ansiedades, que fizeram o retrato da noite. Driblo o
tremor que avassala o sono engomado. Dou a contrafé de mim ou a ambiguidade da
fé contra o re-verso das versidades do além e absoluto. Não é de mim que as
línguas são im-perfeitas para que o silêncio ec-sista. A solidão assiste ao
medo, à morte do riso, e o silêncio baliza eloquentemente quando naufraga a
vontade. Espelham-se o verbo, o ato e o rugido, ou seria mugido? Não o sei.
Porque não sei é que escolhi referir-me a ele. Pasmei do fracasso com que riem
dos ossos sempre cobertos de carne, com que escarnecem dos ócios acompanhados
do néctar dos deuses, com que vangloriam a farsa, a falsidade, acompanhadas dos
gestos sempre re-vestidos de calor humano; surpreendi-me com o olhar à falta de
pejo, vergonha de mostrar abertamente as mazelas de meu caráter, de cantar e
decantar os vícios de toda ordem, não terei seguidores. Às vezes, faço de um
raio de luz e da minha paixão o silêncio, e o porquê deixei de figurar nas
respostas e ganhar uma face ensimesmada e triste, de pré-figurar nas certezas
das verdades incólumes.
Posso citar
com todo orgulho e empáfia o que respondi a alguém, quando me perguntou se era
tão simples, após uma vida com alguém, sem quê nem porquê, seguir outros
caminhos: "Tão simples assim..." Olhou-me introspectiva, circunspecta
como quem diz ser a minha escolha, não recolhi no olhar, no semblante qualquer
coisa que me dissesse ser a resposta muito própria de um "cínico,
sarcástico, irônico"
(**RIO DE
JANEIRO**, 12 DE ABRIL DE 2019)
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