#COM A CERTEZA PRÉVIA** Graça Fontis: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
O gosto do
risco procura-o o herói real, de carne e osso, de força e determinação, o
jogador que pode perder – o pôquer, por exemplo, ec-siste para jogadores
desesperados por dinheiro, quem não o tem para perder, que importa arriscar o
que tem para a sobrevivência, a vida? Mas o espectador da sua luta, degradado
na sedução da ação, acentua a sua mediocridade no não poder aceitar a derrota,
no fingir que corre o risco mesmo em ficção, seja ele mais excitante que o da
verdade quotidiana incólume, insofismável, mas com a certeza prévia de que o
risco é vencido. O que ele procura é a pequena lisonja à sua átima vaidade, ao
seu orgulho minúsculo, a figuração da coragem para a sua covardia, a
re-presentação da força pára e só a vitória do herói a quem passou procuração o
pode lisonjear. E se o herói morre em grandeza, há o prazer ainda de o
espectador estar vivo para saborear a coragem do que morreu e a não pode já
saborear, saber-lhe o paladar suave e terno. A vida do herói estende-se assim
para além da sua morte, para bem distante, longínquo em verdade, da sua
imortalidade, da sua inesquecibilidade, onde a espera o espectador para se
in-vestir da glória que lhe coube e ele já não pôde gozar, no poder que se lhe
vestiu com estilo e bom gosto e ele já não pode saber a diferença entre a
virtude súcia e a lídima ética, o valor esplendente e estúpida moral dos
comportamentos, atitudes, gestos.
É de dentro
da vida e do conforto que o espectador da coragem saboreia o prazer da coragem
que não tem, que não sabe nas pré-fundas de si a inveja estar presente, não
sabendo ele de seu estado latente, haverá quando se manifestará por inteira.
Daí, por vezes, a ilusão de que também ele poderia enfrentar os mesmos riscos,
se os enfrentasse, se os peitasse em ação direta e reta, sem comer o angu pelas
bordas por estar mesmo muito quente, fervendo, a fumaça a-nunciando-se plena e
vigorosa, esvaecendo-se – jamais o disse, mas isso de comer o angu quente pelas
bordas revela quem assim age lança seu rabo à escravidão e servidão, pensa nas
necessidades futuras. O que lhe fica à superfície de toda a ação é o gosto da
ação e não a dificuldade de realizá-la. Daí que na realidade ele pudesse quiçá
atirar-se a essa ação, se tudo fosse possível efetivar-se num momento – no
momento em que não teve tempo ainda de conhecer o que aí se esconde, no momento
em que não teve tempo de saber que não era corajoso.
#RIODEJANEIRO#,
14 DE ABRIL DE 2019#
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