LIRISMO PUNGENTE/A PERFEIÇÃO É IM-PERFEITA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO FILOSÓFICO
Não quero ensinar, educar, instruir ninguém sobre o
que é poesia, sobre o "fazer poético". Quero que a poesia ensine-me a
explicá-la com percuciência, quero ser percuciente com a aprendizagem,
linguagem e estilo de a re-velar e fundamentar. Sou aluno da Arte das Letras, e
não professor quem ensina ao outro os caminhos do conhecimento. Se o outro não
ensina a si mesmo, não se ensina as coisas do mundo, quem o fará? Ninguém.
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Não quero alcançar a perfeição: a perfeição é
imperfeita de perfeições. Não quero alcançar a verdade: a verdade não é
verdadeira de/nas verdades. Não quero alcançar o céu: no céu não há labirintos,
cavernas de estalactites, terrenos baldios, águas banhando a montanha. Não
quero alcançar o inferno: não vou penar nas chamas ardentes, lá não há fogo.
Não quero alcançar o uni-verso: o uni-verso é longínquo. Não quero alcançar o
sublime: as sublim-itudes do sublime nas suas sublim-idades não são sublimes.
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Não quero compor um soneto de versos metrificados:
não tenho fita métrica para medi-los. Não quero sentar-me à soleira da porta,
con-templar as estrelas e a lua: estou deitado, olhando para o teto, só
letrando o silêncio. Não quero sentar-me nalguma cadeira do Olimpo dos Deuses,
não tenho paciência e nem "pedigree" para ostentações da verdade. Não
quero cadeira numa Academia, confradear Letras que só se jubilam, vangloriam,
envaidecem-se, orgulham-se; quero solitário andar entre elas, bebendo-lhes o
néctar da eterna busca da estética, tomando em mãos uma frase do escritor Lúcio
Cardoso: "O que é isto - a eternidade?"
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Não quero um amor que alegre o meu viver: quero um
amor que des-faça as minhas alegrias, faça-me triste, angustiado. Não quero
sentir o sabor do vazio: quero beber o nada em pequenos goles para sentir-lhe
preenchendo as minhas ausências e forclusions. Não quero ouvir lírica de
música: quero recitar o som ritmando a melodia do silêncio. Não quero rosas e
feras sintéticas, elétricas guitarras, um solo triste, sinfonia louca, lirismo
pungente, demente da gente: quero ver o cruzeiro do sul. Não quero a vigília da
insônia: quero a insônia lucilando as estesias e ex-tases, as estéticas do
prazer sem limites. Não quero a morte genesis da vida: quero a morte morrida de
tanto morrer.
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Não quero levantar um dedo, se não me mantenho
imóvel, sei o que vai me acontecer. Não quero que isso me aconteça ainda. Isso
virá sempre cedo demais. Não me mexo; leio maquinalmente, o que deixei
inacabado: "Quando o sujeito paranoide ouve alguém rir do outro lado da
rua, presume que estão rindo dele."
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Não quero rir de felicidade: quero a felicidade
rindo de tanto sentir o prazer de ser feliz. Não quero debulhar as contas do
terço, rogando a redenção e ressurreição: quero todos os pecados lucilando nos
recônditos da alma. Não quero alvorecer com os pássaros trinando no ipê
amarelo: quero uma tempestade daquelas anunciando o novo dia. Não quero o
despetalar de "bem me quer/mal me quer": quero a rosa no jardim,
respingada de orvalho. Não quero a poesia poetizando a poiésis do poema: quero
simplesmente palavras sem semânticas e linguísticas. Não quero cartas dizendo o
meu destino: quero o destino jogando as cartas aos naipes do eterno.
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Não quero mergulhar com volúpia e êxtase no mundo
para in-vestigar a sua genesis: quero tropeçar em pedras, quero a pedra do
tropeço. Não quero saber quem pintou o urubu de preto: quero o resto da tinta
para engraxar a minha botinha, para pintar o "croqui" do nada
absoluto que tracei. Não quero o tudo que é nada: quero simplesmente o nada que
é nada, o nada puro, sem princípio e sem metafísica. Não quero fogo para
acender o cigarro: quero o cigarro no canto da boca apagado, a língua com as
suas ardências, chamas da volúpia do fogo acenda-lhe.
#riodejaneiro#, 18 de outubro de 2019#
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