ENS DE SÊMENS, ENTES DE SEMENTES# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Sêmens, sementes
Ens de sêmens,
Entes de sementes,
De ens ao ente, aos entes.
Ensimesmadas as alamedas, desérticas, curvas,
aclives, declives, de poeiras e areias, silencioso, em vão buscando falar,
dizer; eu próprio re-colho a angústia deste instante à boca e ávido de
sentidos, verdades transparentes, ocultas, volto-me contra a enxurrada de
ideais e sonhos, tão simplesmente idéias inda e em sangue me comprazo. A veste
se converte em pelo e braço em perna, faço-me lobo e conservo algo da antiga
forma, uivo a toda a extensão da terra: as mesmas cãs, o mesmo rosto violento,
o mesmo olhar brilhante e um furor idêntico. Perpétuos uivos do verbo serão
sempre honrados. E se me fosse dada a fala, o dizer, beijaria as palmas, e se,
desfeito o choro, a angústia das palavras, dos verbos concede as lágrimas
efervescentes, pudesse falar, dizendo o sentimento e estados psíquicos, faria
no pó letras, faria nas gotículas de orvalho ideais.
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De ens ao ente, aos entes
Entes de sementes
De entes em ens...
A sabedoria é o verbo da alma humana, é a liberdade
da regência; mas à medida que mergulho nos seus recônditos sinto o horizonte do
desconhecido cada vez mais longe. A sabedoria con-siste em dizer, falar e agir
da verdade.
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Ens de sêmens,
Sêmens, sementes.
A linguagem é a etiqueta das coisas efêmeras. Onde
está o que existe de verdade? Ensombreados pelas árvores plantadas nas
calçadas, os becos, homens idosos acompanhados das esposas sentados no
banquinho, cachorros, galinhas, por vezes porquinhos acompanhando a porca
mamãe, apenas perscrutando o entardecer, silenciosos, olhando os transeuntes passando.
Vozes ouvidas são distantes, cochichadas, murmuradas, ao que não fora dito
aquando o coração pulsava por ser falado o sentimento que perpassava o íntimo,
era tão suave, meigo, terno. Velhinhas respondendo aos cumprimentos dos
conhecidos, respostas sussurradas, mas, passados, comentam sobre os que passam,
lembranças, recordações. Fora crescendo, crescendo ao longo das trajetórias,
travessias, inda vivo, um toque nas mãos di-lo inteiramente, não são
necessárias palavras. Toque de silêncio.
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O silêncio, as águas, a luz sem limite do céu. O
que é fogo solerte da lareira, nos olhos vidrados!, soprado em neve. Sentir o
que o mar traz para a etern-idade das buscas, dos sonhos, das utopias. Outra
chama, não perceptível, não visível, deixa uma particular quimera a imprimir
seu selo nas in-finitas nuvens atrás das constelações.
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Ens de sêmens
De ens ao ente aos entes,
Sêmens, sementes,
Entes de sementes.
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O pensamento e o ser. De índoles insolentes, o
pensamento verbalizar os vazios, travessias das trevas do nada à luz do nada,
caminhos de sombras e entardeceres, veredas de outras paisagens, panoramas, nos
amanheceres. O silêncio é a linguagem do pensamento, de princípios de estesias
fluorescentes, o ser é o estilo do silêncio, emite chamas a partir de pequenas
aberturas, erige-se o desejo inda mais presente e forte como os bicos dos foles
do vazio que re-colhe e a-colhe o múltiplo, e o estilo requer a multiplicidade,
concílio de deuses nefastos e deusas sedentas da glória. É preciso um sábio
para reconhecer a sabedoria de outro sábio, os simples humanos aplaudimos as
condutas e posturas de nosso rebanho. O que há de belo e honesto os deuses não
concedem aos homens, isto há-de ser conquistado. O pensamento e o ser
re-conhecem as labutas, a entrega às suas glórias e percalços. O homem que é
dotado de gênio sofre mais do que todos, e os homens dotados de nada vivem de
quê? A imagem no rosto do mistério: o que é isto, a genialidade, quem é este, o
gênio?, e a mente exausta de vistoriar continuamente o abismo, mesmo afetando
entregar-se ou se rendendo, a cada instante mais se re-traindo, exilando-se,
outras seivas, outros orvalhos, pasto inédito a perder de vista da natureza
mítica das coisas.
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Sêmens, entes de sementes
Sementes, ens de sêmens
Alegoria,
Profano,
Sementes de sêmens
Sentido, significante, significado
Os lobos uivam no alto da colina, colina dos
insurrectos, colina dos hereges, colina dos bufões, uivos de solidão, uivos de
silêncios, uivos de algazarras, uivos de muvucas, uivam as trevas, uivam
solitários. Risos, profanações, profeta do vazio e do nada, o que há por nós?,
e o riso se transforma em bufonaria em praça pública, o que há por nós é sermos
quem somos, concluir um projecto que ninguém ao menos intuiu, o SER. Ah,
concluir!... Deixar esboçado o projecto...
#riodejaneiro#, 27 de outubro de 2019#
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