CADA NOTA DE MÚSICA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Cada nota de música desperta algo:
Rugidos embrulhados em vaga imensa enraivecem a
presença morta – o olhar avança nos trilhos, transcendendo idéias alucinadas.
De quem sentimos o que é imprevisto se supõe. Encaramos o bem e o mal com o
mesmo rosto. O freio possesso abre dos rigores o sonho. Por minúcias na
distância, penetram na esperança faces túmidas do corpo oculto. O dúplice
machado corre sobre a singrada rocha, aspergindo nas duas fontes o gesto amável
e sensível.
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Cai entre silêncio perto e rumores ao longe,
distantes, a tarde em mim. Vem uma voz como uma palavra menor, gota de água
acabando de sair da mina. Logo se mistura a outras, e um pequeno córrego se
forma... Não mais que um instante, as coisas vão tomando a feição de uma
correnteza, para logo em seguida virar uma violenta cachoeira. Já não são
palavras miúdas, meus gritos; caem dentro de mim. Formam um lago, quase não
consigo ler em suas águas, turvas linhas, como se por toda a vida tivesse
chovido na cabeceira do rio...
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O silêncio enclausurado rompe os limites da terra e
retumbando no infinito ondas sonoras do coração em êxodo.
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Intervém numa emoção:
Serpentes devoram mortais expulsos desta terra
maculada de deuses. Por limites, as águas apartam da morte olhos perspicazes
não perturbados pela embriaguez. Muitas vezes. Muitas vezes quando a luz se
apaga sobre minha insônia, pergunto-me – fazia-o mais assiduamente – com os
ossos entre(dedos): de onde vem esta indiferença? De onde me vem este mal-estar
que não me permite estar em lugar algum?
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Ninguém encontrou ainda o meio de acalmar com a
música e com os acordes da harpa, do violino, da cítara os sombrios pesares dos
mortais, senti-los, conhecê-los, vivê-los, vivenciá-los, quê imensa tristeza,
inatingível, inalcançável, contudo reais, verdadeiros... sombrios pesares...
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Interfere num sentimento:
Ao julgo do vento, os olhos cerram-se-me
adormecidos, cobrindo de insultos a agonia dilatada. Campos de sangue rompem,
na maldita conjuntura, as dilações insondáveis. Mãos fixas revolvem os funerais
gargânteos do fogo. Sensações amargas volteiam desejos de sombras irrefletidas
nos gestos incertos.
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Substitui a vida besta pela visão metropolitana do
mundo:
Debruço-me sobre cada átimo de segundo, sentindo os
ritmos do tempo a-nunciando-se e efemerizando-se, tento esgotá-lo; nada se
passa que não capte, que não fixe para sempre em mim, nada, nem a ternura fugaz
dos sentimentos, nem os ruídos da rua deserta, nem a claridade titubeante do
amanhecer; e no entanto o minuto se esgota e não o retenho, ouço música, gosto
que continue, a forma melódica mergulha inteira no há-de vir.
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Deslizam suaves e serenos sentimentos repletos de
leveza, quiçá prenúncio de alegrias, contentamentos, prazeres, volúpias,
felicidade, por entre náuseas, tristezas, desolações, desconsolos, o corpo
torce, retorce, seguindo o ritmo, os pés tocam o chão continuamente, a dança,
talvez a chamasse "dança dos entornos", porque são tantos adornos,
entre isto e aquilo, entre os sons de angústias e melancolias de outroras,
entre o ritmo voluptuoso das gotículas da chuva batendo no telhado, inspirando
na curva da estrada in-finita... lá não digo, dissesse-o ruínas e des-assossego
adviriam, mesmo porque o instante da música ultrapassa a in-finitude do tempo,
o que dissesse sucumbiria no lote das cretinices vago, in-verdades... sei que
assim ouço a música, seria que pudesse cognominar isto de "viagem ao som
dos interditos e inauditos, ritmos, melodias, acordes em uníssono, crises
existenciais profundas, a querença do que trans-cenda o som, perder-me inteiro...,
mas é tão real no semblante, na fisionomia, no olhar que não iria precisar
qualquer referência...", chamo-lhe ramble tamble... mas o que isto
significa? O que importa?... e lá vou eu ramblando, tamblando por meus desertos
e terrenos baldios.
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Fosse eu começar a investigar as coisas!...
#riodejaneiro#, 23 de outubro de 2019#
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