**PROFUNDIDADE INVISÍVEL AOS OLHOS DO HOMEM** - TÍTULO E ESCULTURA: Graça Fontis/AFORISMOS: Manoel Ferreira Neto
Fazem parte da nossa sublime existência.
Relincho “sublime” com o coração na garganta. Parece que um discurso foi
terminado com uma palavra de ordem, como fazem os engajados em um partido, a
fim de receberem palmas dos ouvintes, para sustentarem as idéias do Partido,
para serem acreditados por todos, recebendo, no dia da eleição, votos. Para os
que votaram, eles são os homens que estavam faltando, são os homens adequados,
a tábua da salvação. Com a existência destes homens, haverá justiça, não haverá
miséria, fome, desgraça. O mundo será puro, sublime, todo-poderoso.
Pergunto-vos se eles se adeqüam a si mesmos, se são os puros, os justos, os
sublimes, os todo-poderosos. Respondereis, com a certeza, que a sociedade
precisa de homens com raça, dispostos a lutar pela justiça. Palavras deles?
Qual nada? São princípios do partido o que eles têm medo de violar. No quarto,
à noite, não acreditam em mudança, não crêem em coisa alguma. São uns
mentirosos, uns crápulas, uns caguinchos... Queriam a cadeira e a mesa em
frente deles. No fundo, não acreditam em nada. São uns desesperados. Sentem a
dor profunda da existência, mas a voz do Partido conseguem abafar. Esta dor.
Eu não. Não faço discurso. Teria vergonha de ver-me na frente de várias
pessoas, gesticulando, relinchando feito um louco, procurando frases de efeito
e, no fundo, estar pensando que estou a iludir não a eles mas a mim. Ilusão de
palavras é a pior ilusão. A pior amiga da humanidade é a ilusão. Toda a
humanidade vive a iludir-se com palavras de falsos profetas, com suas próprias
palavras. Já não me iludo com frases. Aprendi o gosto que é ver as palavras
volatizarem-se, pulverizarem-se. Estou satisfeito. Nada me toca. Caso haja uma
revolução, sei, de antemão, tudo o que vai acontecer. Apreenderei todo o
processo da revolução, todas as suas idéias, mas sentir-me tocado nunca. Com o
tempo, tudo serão cinzas. Uma nova necessidade. Serei até capaz de sair à rua,
a fim de ver a angústia das pessoas, a polícia armada, os tanques de guerra,
passeando pelas ruas, os tiros e as lutas, mas não me sentirei tocado. Nada,
absolutamente nada, é capaz de tocar-me, de fazer sorrir ou chorar, de
sentir-me alegre ou triste. Tudo virará cinzas em um breve instante. Restará o
gosto insípido na boca.
O homem. É o eterno exílio de tudo e de todos. Penetra-se. Sente um estranho
espanto. Vê-se na imensa escuridão, escuridão esta muito maior e profunda do
que a noite em todos os seus mistérios. É o seu próprio espanto. Vê-se na
imensa gratuidade, absurdidade. O exílio é a própria ausência de comunicação. O
que não há é a comunicação. Tudo é a falta de comunicação. Existem só palavras
vagas e evasivas, exclamações vãs e interrogações insípidas. Seres ignóbeis,
desprovidos de fisionomia brincam no azul de seus olhos. Seres ignominiosos
trabalham ao cinismo e ironia. Os olhos afastam tudo e todos. São a barreira
para o relacionamento. Uso de seus olhos para afastar as pessoas. Cria, através
deles, uma barreira intransponível. A sua beleza ameaça as sensibilidades.
Interfere nas emotividades.
Mas por que tudo isso? Por que tudo isto? Procura em si aquele algo que
se chama ser. Mas não encontra. Quanto mais aprofunda, mais desliza, escorre
por entre os dedos. O ser é um ideal impossível. É uma mancha que a História
extirpou. Enfiaram-lhe uma faca tirando-lhe todo o sangue, deixando-lhe
estirado no chão.
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