//O TUDO E O NADA DE CADA DIA// - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/AFORISMO: Manoel Ferreira Neto
Se as flores [des]-aparecessem de todos os jardins e plantações, da
produção humana, creio que faria na espiritualidade e intuição um vazio, falta,
falha, enfim, ausência no intelecto da humanidade, imperfeição muito mais
indescritível que todos os excessos e erros pelos quais vós, os homens do final
do Segundo Milênio, sois os responsáveis e culpados.
Não é razoável pensar que todos os homens que nunca viram flores em suas
vidas, nunca as sentiram próximas, os que não conhecem flores no mundo,
ingênuos ou sistemáticos, doutos ou sem-não, são frios e calculistas,
insensíveis, não são capazes de imaginar tarde de primavera no alto da
montanha, tudo sendo flores e mais flores, espetáculo ininteligível. Diria
outras coisas, mas penso é o suficiente para compreender e entender o que isto
não ser capaz de criar um só barquinho com qualquer folha de papel de tamanho
suficiente, são imbecis ou hipócritas, não conhecem a beleza de seguir viagem
conhecendo a natureza em cada lugar a menos de alguns passos...
Os sonhos serão algo que se possa alcançar? Viveremos para nos
exterminar com a morte? Não, vivemos para temê-la, para rejeitá-la e também
para amá-la, e precisamente por causa da morte é que a nossa vida vez por outra
brilha tão radiosa num instante nítido e nulo.
Contemplação maior que rima os apelos de sussurros, murmúrios, oscilando
ante a natureza e o espírito, em tardes serenas de janeiro, os silêncios e
mudez de pensamentos ao longo de invernos; rima os clamores de desejos,
aspirações, em manhãs de fevereiro, a luz de palavras e olhos de idéias,
longínquos de primavera; com a minha epopéia de asno e asnice, aqui debaixo da
terra, outra coisa não estou eu tentando exprimir senão o que já muito antes
tinham sido a natureza e o espírito.
Através da magia posso eu modificar os sonhos que não passam de ilusões
[antes, e de maneira mais pura do que o poderia eu fazer, delineio esboços, o
sentido e a imagem de um olhar], entregar-me de corpo e instintos aos desejos
iluminados em seus valores eternos como imagem e como visão fugaz da própria
divindade. passos lentos na areia fria, de por baixo dos pés?
Que sou, que me esqueço de dizer o nosso amor que anda calado, andando
com mãos em bolsos de calças, busco o nada que neles se encontra?
Relincho, então, comigo mesmo: “Falta ainda muito tempo para o fim da
tarde, principio da noite; é quarta-feira, mês de abril. Darei um passeio pelas
ruas, talvez até ligue para alguém acompanhar-me. Devo-me esquecer das antigas
dores, porque a temperatura está serena e agradável, choveu ontem, e as
montanhas ao longe estão altas, chegam até ao céu. Passeando, posso lavar a
febre de minhas frontes e então não me sentirei angustiado, deprimido,
infeliz”.
O pão nosso de cada instante do sentido de cada palavra, de cada belo,
de cada feio, de cada gesto, de cada inspiração. O sentido está em, nascendo do
mais íntimo, abrir-me para o outro. Quero viver, não sei viver, por isso,
anônimo e encantado, relincho para me pertencer, o que soube o perdi, o que
pensei já o foi... Tão logo falecido foi fácil... Recitei os relinchos, depois
passei a relinchar livremente, espontaneamente, dirigindo-me ao Criador – ao
libertador dos homens; depois... cansei? Não vi qualquer explicação razoável
para estar rezando na sepultura. Não soube mais o que relinchar, minha cachola
instintiva inquieta pulava de uma coisa para outra. Senti medo, senti raiva,
até que algo me dominou.
Não estou nem um pouco incomodado com toda a falta de senso com que fui
inspirado hoje, até de modo imaginário e imbuído de forte fantasia, com que me
pus a relinchar de modo até arbitrário e gratuito, desde que não tenho intenção
de qualquer coisa expressar com seriedade, tomado de forte emoção e sentimento,
destes que deixam um desejo enorme de tomar uma xícara de café “da hora”,
fresquinho, fresquinho, este que acaba de ser coado e servido a alguém que se
delicia a todo momento com os sabores que se vão reunindo no seu íntimo, sendo
o desejo isto expressar de algum modo.
(**RIO DE JANEIRO**, 10 de dezembro de 2016)
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