NA SOLIDÃO/ERMO PRES-ENT-IFICA-SE A CHAMA DIVINAL** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/POÉTICA TEOLÓGICA: Manoel Ferreira Neto
A vida é vida porque na vida a vida é; se na vida a vida não fosse, a
vida nada seria. E, pensando no não-fosse a vida na vida que é, o nada seria o
nada do nada no nada.
A vida na vida do nada é vida porque o nada não seria movimento para o
ser que se faz na continuidade do tempo, na contramão das contradições, nas
contradições de antemãos dos sonhos e esperanças, nas dialéticas de corrimãos
das utopias e sorrelfas; e na eternitude do nada que é o nada eterno, o nada
não seria impulso para o não ser ludicamente seduzir a carne da eternitude a
ser o verbo da eternidade, comer sensualmente o verbo da eternidade para se
tornar a carne do eterno.
Vida, ser verbo de sonhos, esperanças, águas cristalinas versejando
travessias de nonadas, versificando de efêmeras ilusões os absolutos do vazio.
Vida, ser subjuntivo de desejos, vontades, chamas ardentes na lareira do
universo lúdico de sentido das carências de amor, plenitude da alma aquecida de
sentimentos puros, serenos, suaves, leves, performando o espírito de luzes
adjacentes à soleira do infinito, amando amar a beleza da plenitude, amar
amando a plenitude da beleza, o tempo a fora os arco-íris revelados de confins
a arribas, ainda que eu nada fosse, a língua de meus sentimentos poetizaria o
amor espiritual, pleno de miríades de luz.
O eterno no nada da vida, a vida no nada do eterno, a vida no eterno
nada, o nada na eterna vida. O nada no nada da vida é o ser do não ser às
sorrelfas da esperança, con-templando a eternitude do pleno à busca, nas
soleiras do tempo vazio, do verbo de ser a luz do ser travessia da
trans-cendência às contingências das ilusões do eterno.
Simplesmente é a vida que é vida na vida que é; é o nada que é nada na
continuidade do tempo que torna o verbo no nada do ser, que trans-litteriza o nada
do ser no sonho, esperança da perenitude do perene.
Sei que são fortes os motivos que insisto em viver, buscar o verbo amar
com entrega e doação; sei também que foram grandes as perdas, mas sem elas não
teria despertado e querido ver-me superá-las com engenho, e em poucos anos de
lutas e desejos os mais profundos consegui não apenas superá-las, mas construir
o que por longo tempo estive à procura.
As dores tomaram-me de assalto o que para mim era o mais importante. Não
perdi tudo – necessitava perder o que fora perdido para o novo encontro,
desencontros, e o que lera como dedicatória num livro de presente de um dos
maiores e melhores amigos: “Há instantes em que encontramos. Há outros que
desencontramos, mas é preciso não deixar o fogo da lenha da fornalha se
apagar”.
A solidão é a fornalha da transformação. Sem a solidão permanecemos
vítimas de nossa sociedade e continuamos a nos enredar nas ilusões do falso eu.
O próprio Jesus entrou nessa fornalha. Ali, ele foi tentado com as três
compulsões do mundo: ser capaz (“ordena que estas pedras se transformem em
pães”), ser espetacular (“atira-te para baixo”) e ser poderoso (“Tudo isso te
darei”). Ali, ele afirmou ser Deus a única fonte de sua identidade (“Deves
adorar o Senhor teu Deus e só a ele servir”). A solidão é o lugar da grande
luta e do grande encontro – a luta contra as compulsões do falso eu e o
encontro com o Deus zeloso que se oferece como substância da nova
individualidade.
Ninguém, enfim, perde tudo – creio que perde o que tem a perder, o que é
imprescindível para o crescimento, o amadurecimento. Existe uma chama dentro de
mim, de todos os homens, que nunca se apaga. Inevitável mesmo é soprar sobre
ela, mesmo diante destas ou daquelas situações, de pessoas que desarrumaram
nosso lar. Cada situação ou circunstância de cinza no humano é a revelação de
uma chama divina.
(**RIO DE JANEIRO**, 18 DE DEZEMBRO DE 2016)
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