**FULTIGANDO GÉLIDAS GOTÍCULAS - PRE-[S]-ENT-FICANDO O POEMA /**RETORNO**/, DE Graça Fontis** - Manoel Ferreira
O enredo do mais novo poema da poetisa e artista-plástica Graça Fontis é
simples, re-presentando a sua característica sine qua non que é o
"social". Trata-se de "caipira" que fora para a cidade
grande. Chegando na estação ferroviária, Central do Brasil, deparando-se com a
multidão , sentindo e pressentindo a vida conturbada, cheia de problemas em
todos os níveis, decide retornar ao rincão de origem. Neste poema, Graça
Fontis, em primeira instância, numa linguagem e estilo diferentes da sua obra,
mergulha na alma da personagem, delineando e burilando os seus sentimentos e
emoções, traçando a "imagem" da alma, "vida sofrida-carcomida
onde o improvável baila". Vale ressaltar a síntese das duas palavras
"sofrida e carcomida" através do hífen, adjetivando, e na adjetivação
mostrando com transparência as dores e sofrimentos que habitam a alma, a vida é
sofrida e carcomida pelas intempéries da existência.
E nesta trajetória das dores e sofrimentos, Graça Fontis, pela primeira
vez cria um neologismo, "fultigam", re-presentando um verbo:
"fultigam gélidas gotículas incessantes no rosto, na face". As
gélidas gotículas podem ser da garoa, da neve. O "fultigar" das
gélidas gotículas no rosto é porque elas estão eivadas, re-colheram e
a-colheram os raios de luz, e toque delas na pele do rosto traz-lhe uma
sensação diferente, estas mesmas gélidas gotículas são a anunciação dos
problemas e dificuldades da cidade grande, e ao mesmo tempo símbolo do vivido e
vivenciado no rincão de sua origem. O fultigar das gélidas gotículas tem dois
movimentos na obra: primeiro anunciar os problemas que ad-virão, segundo trazer
à memória o vivido. O neologismo criado pela poetisa é de excelência, uma luva
que adere bem ao imaginário do poema. Parabéns por seu poema, pelas inovações
que nele ocorrem: linguagem e estilo diferentes e o neologismo.
Se considerando que Graça Fontis se ausentara da pintura por longos
anos, e agora sob os incentivos e reconhecimentos do esposo e companheiro, está
de volta à pintura, ao poema, entregando-se por inteira, a vida artística que
escolheram juntos, ela ornamentando os poemas dele com suas peças de pintura,
este poema reflete o "retorno" à vida de pintora, de artista, agora
amadurecida, vivendo outros horizontes e uni-versos.
Ao retornar ao seu rincão, sensível e consciente do que sentira, viverá
a sua vida, lá é o seu rincão. A artista-plástica Graça Fontis está a nos
dizer: "A pintura é o meu rincão. Agora nessa síntese que vivemos eu e meu
esposo: a pintura e as letras"
Manoel Ferreira Neto
*RETORNO**
POEMA E PINTURA: Graça Fontis
Já não corro risco de morte
Galgando por caminhos tortuosos
Só, em silêncio
Pelas estradas da vida
Vida sofrida-carcomida
Onde o improvável baila
Embalando numa triste,
Derradeira figuração,
Culminando de súbito num repente...
Pontos luminosos ofuscam
Fragmentam-se
Meus olhos, impactados
Com ininterruptos piscas-piscas
Fulminando-me feito faróis
Desordenados
Flashes, lampejos
De grande cidade
Porquanto fultigam gélidas
Gotículas incessantes
No rosto, na face,
Corpo tenso,
Frio e cansado
Labirinto confuso e assustador
Só, estou...
Estou..Sou.
Caipira amedrontada
Num terminal rodoviário
D´uma metrópole qualquer
Não há amigos
Nem parentes
Ah, gente!... Quanta gente!
Pessoas indiferentes,
Alheias ignoram minha aflição
Dentre falácias ininteligíveis
Em plena multidão
Quiçá...
Desfolharei um mal-me-quer
Bem-me-quer!...
O que fazer?
Retornar?
Gritar?
Falar?
Mas... com quem?
Que direção tomarei?
Ah!... Já sei.
- Táxi... Por favor!...
- Central do Brasil, meu senhor!
(*RIO DE JANEIRO*, 11 de dezembro de 2016)
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