REFLEXÕES DE UM ASNO HÁ-DE SE CONSIDERAR? - TÍTULO E IMAGEM: Graça Fontis/AFORISMO: Manoel Ferreira Neto
Des-gracei-me a relinchar. O que mais poderia fazer? Ninguém estaria
desejando que risse; não esperaria eu que relinchasse? A cada um o que é de
cada um.
Imagine só olhar para alguém, com aquele sorriso de quem sabe ser
sincero não só com os amigos, inimigos, conhecidos, companheiros, e tudo o mais
que se possa em sã consciência pensar e imaginar; o sorriso deixando nítido os
dentes brancos, às vezes disfarçado pelo cavanhaque; homem pouco além da
estatura média. Pensa-se de condutas ilibadas, salvo algumas que esconde a sete
chaves, ou aceita que a família comente nos encontros em que não está presente.
Homem que sabe respeitar as diferenças, considera aqueles que merecem,
reconhece os grandes talentos e dons.
Não se deve esquecer nunca que na natureza humana é valor indiscutível a
aparência. Quanto mais aparente e superficial for é demonstração de valores
irrespondíveis. Desde os primórdios da humanidade. Há quem pensa a aparência
como se somente no século atrasado, passado, princípio deste ela existisse.
Ingenuidade. Desde tempos imemoriais existe, e ao longo dele até o presente
muitas transformações houvera, desenvolveu-se, amadureceu-se, e não há quem não
se sinta orgulhoso por a usar de acordo com o gosto e exigência maiores. Se
houvesse curso superior de aparências, os atenienses ateus seriam considerados
doutores, fazendo palestras, seminários no exterior, reconhecimento mundial.
Não consigo parar de relinchar. O dono conversa com companheiro seu,
sentado na pedra, fumando cigarro de palha. Olha-me matreiro. Não necessitaria
de qualquer palavra para explicar o em que está pensando: “Este asno é completamente
doido? Por que está relinchando assim”. Até algumas crianças estão paradas nas
calçadas olhando e ouvindo os relinchos. Quem sabe estejam esperando que, num
passo de mágica, comece a falar, tagarelar, a língua aquela perfeita sirigaita.
Há tantas histórias de asno falador, os pais contavam antes de dormirem, liam,
os professores continuam a explorar estas histórias; dizem que é importante por
desenvolver nas crianças a imaginação fértil, espírito criativo, etc., etc. Não
sou asno falador. Há muitos nas letras de homens famosos. Quem dera lhes
servisse eu de inspiração. Ninguém ousaria fazê-lo. Teria sempre dúvidas do que
estaria eu pensando. Só poderia saber se pensasse como asno. Quem ousaria?
(**RIO DE JANEIRO**, 12 DE DEZEMBRO DE 2016)
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