**AOS HOMENS DE BOA VONTADE... EIS A PALAVRA; A MIM... RESTA-ME PENSÁ-LAS E RELINCHÁ-LAS** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/AFORISMO: Manoel Ferreira Neto
“Suave, mari magno turbandibus aequora ventis,
e terra magnum alterius spectare laborem,
non quia vexare quemquamst jucunda voluptas,
sede quibus ipse mali careas quia cemere suave este”.
Aquele digníssimo escritor que escrevera as memórias póstumas de Brás
Cubas escrevera acerca destas palavras de Lucrécio: “É agradável, quando o
imenso mar se encapela sob a ação do vento, assistir da terra firme às lutas
dos outros, não porque o seu tormento seja coisa deleitável, mas porque é
empolgante a luta dos homens contra os elementos”. Diz ainda o poeta que
igualmente agradável seria ver uma batalha, de um lugar abrigado, mas a
verdadeira sabedoria humana seria habitar na serenidade dos templos edificados
pelos sábios... Têm aquela epígrafe latina os versos que o autor das memórias
póstumas publicou nas “Ocidentais”, em que mostra um grupo de curiosos
assistindo, como se fossem um divertimento, às convulsões de um cão que agoniza
na rua.
No princípio, o homem, em sua marcha evolutiva, não conhecia senão
sinais audíveis produzidos pela natureza, pelos animais ou por ele mesmo em
sons não articulados, sem a mensagem inteligente falada.
Forçado pela necessidade de se comunicar com os outros de sua espécie ou
no convívio familiar, na vida em comum, o homem começou a emitir sons que no
início não passavam de urros guturais indistintos e pouco significativos, na
tentativa de falar.
Com o tempo ele foi desenvolvendo seu meio rudimentar de se fazer
entender até conseguir um conjunto de sons por meio da voz, para cada vocábulo
necessário, ainda que pobremente articulado, nascendo, assim, o modo
inteligente do ser humano se expressar através das palavras.
O tempo passou em milênios e o homem primitivo, pela hereditariedade e
vivência, transferiu à sua descendência, que, por sua vez, numa espantosa
versatilidade intelecto-física, passou de povo a povo os sons inteligíveis em
palavras para a multiplicidade fantástica de línguas em uso atualmente no mundo
inteiro, sem falar das línguas extintas. O latim é uma delas, o tupi-guarani...
Guido Neves estudara Latim nos seus tempos de universitário no curso de
Direito, e sem o Latim não poderia compreender o Direito, o berço é Roma. Não
digo em absoluto que só lhe faltava latir expressamente, pois que não podia
entender coisa alguma do que estava dizendo: não ficava falando latim com as
pessoas pelos pastos da Fazenda dos Bois. Conhecia um pouco.
A palavra é recurso maravilhoso, é dom divino do entendimento entre os
homens que às vezes é desviada de sua nobre função. O homem por ignorância,
negligência ou brutalidade, desconhecendo os efeitos funestos de sua aplicação,
a usa, não raro, para ferir ou maltratar o seu semelhante.
Suportemos a cruz e a existência no deserto, nutrindo-nos de gafanhotos
e de raízes; decerto podemos orgulhar-nos dos filhos da liberdade, do livre
amor, de seu sublime sacrifício em nosso nome. Palavras proféticas?!... Não. É
o que sinto neste instante em que faço a sesta deitado à soleira do curral,
ouvindo Guido Neves lendo em voz alta um livro a que aprecia sobremodo.
O refrangir dos cristais e dos serviços de eletro-prata
a rebrilhar no grande armário envidraçado;
e no centro da casa a mesa elástica
já convenientemente preparada para o jantar
com a toalha alvejante e o branco luzidio dos pratos
dentre os quais se erguia, a tocar quase no lustre bronzeado,
a fruteira de bacará – pirâmide alaranjada que se terminava
floridamente num grande ramo de crótons.
“Tu escorres tempo abaixo – o sentimento flui em miríade de luzes,
encontrando o céu e a terra. A música toca as mãos, sinos badalam, e tu, de
olhos espertos e perspicazes, compenetras no sentido de um coração forte,
superando todas as ofensas e desilusões.
Somos homens; todos que oramos em noites escuras e frias, buscando a
penetração no silêncio de nosso espírito, onde reside a iluminação, desejamos,
sem dúvida, a Luz que irradia e vela as nossas almas...”“.
(*RIO DE JANEIRO*, 16 DE DEZEMBRO DE 2016)
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