**NOS INTERSTÍCIOS DA ALMA VISÕES INTER-DITAM O TEMPO** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/PROSA POÉTICA: Manoel Ferreira Neto
Só morre o que temos ainda para sonhar, desejar, idealizar, projetar.
Nada tenho? O amor. Envelheço-me. Morrer agora. Sacudir de mim o que me
enfraquece, esmaga. Este vil bocado de carne. Os planos atingem, enfim, um
planalto muito extenso, cercado de alvos picos de neve... Construção solitária
de madeira escura e pesado teto branco, perdido e sozinho na vastidão
dealbada(?), como numa espécie de sonho.
Volto, talvez na esperança de reencontrar uma liberdade cuja lembrança
me acompanhe sempre. Conheço bem o sentido. Gosto exclusivamente do sorriso
lívido e nítido de uns olhos brilhantes, do privilégio de uma música de jazz ou
blues num quarto totalmente solitário. Ficar o dia sozinho comigo mesmo,
perqüirindo e analisando a beleza. Faz-se mister conhecer um pouco mais. E para
recriar esta beleza, todo este amor dilacerante, só uma atitude é o suficiente:
o olhar profundo numa sala absolutamente vazia, o eco primordial de uma nota de
jazz ou de blues. Assim é. Só assim consigo descrevê-la. Se eu tinha esse enorme
carinho e afeição, doando-me, entregando-me inteiro, era eu afinal a mim mesmo,
porque não há senão esta doação, esta entrega para nos restituir a nós mesmos,
para nos devolver a nós próprios.
A brisa antes de todos os oceanos desliza-se em palavras a desejar de si
fluírem sons eternos e solitários, nada mais posso esperar que sejam as
palavras ouvidas sem talentos ou dons, apanho uma pedra no chão e, com as mãos
em concha, distribuo os olhares em direções imensas do horizonte. Neste
instante, que talvez esteja a servir-me eu para alguma coisa, que talvez esteja
a fazer-me bem, (se não bem, pelo menos, mal espero que não faça!) deixe que a
verdade me ilumine.
A beleza encontra-se suspensa. A suspensão encantoa os instantes e
momentos, borrifica os segundos e minutos, esboroa o deslizamento das horas.
Tempo acinzentado, submerso.
Músicas.
Fácil. Vejo-me andando por um jardim. Florido. Rosas, lírios,
crisântemos formam harmonia inverossímil.
Incrível a força para as evasões. Apanho o cachimbo – herança de meu
bisavô. Dou umas puxadas. Não está sendo puxada a fumaça. Tiro do bolso uma
caixinha redonda, cor-de-rosa, onde está colocado o tabaco. Ponho. Acendo o
isqueiro. Abaixo, invertendo a posição da mão. Tento puxar. Entupido. Preciso
arame para desentupir.
Beira de lagoa. Água clara, sendo possível ver-lhe o fundo. Pequenos
peixes, dando continuidade à existência. Apanho pedrinha, atirando-a na água, a
fim de ver-lhe o ricochet. Peixes espavoridos, fugindo. Ao lado, o orvalho da
manhã sobre o capim. Chilreado de pássaros. Nova imagem. Apesar de calma, há
muito de sinistro e misterioso. Como desvelar isto? Quase impossível. Ao longe,
rezes pastam. Calango sobe numa pedra. Coelho passa. O aspecto dos rastos.
Braços para trás, olhando a natureza. Face sombria que a custo de esforço
consigo tirar. Transborda ao frio exuberante. Outono. Último homem. Caminhada
solitária. Prazeres. Solidão intensa.
Dilação indefinida – desde que tomei consciência desta expressão, tenho
sobremodo pensado a respeito; talvez nem seja uma expressão e sim uma categoria
– consiste em manter o processo permanentemente em uma das fases iniciais. Para
conseguir tal coisa é preciso que o acusado e seu colaborador, embora
certamente sobretudo este último, mantenham de modo ininterrupto um contato
pessoal com a justiça.
As horas acham-se encantoadas no mesmo sítio, inquietas e dilacerantes.
Os minutos encontram-se presos no pêndulo, langues e entorpecidos. Os segundos
estão parados nos ponteiros. É à tarde, quando o dia se vai penetrando no abismo
do tempo, que a existência é monótona, quotidiana. Há uma ansiedade vã na
noite, no céu sem luminosidade alguma. Até mesmo nesta solidão imensa, neste
torpor sem limites, nesta leveza, cada ação e gesto, revelam-me a mim próprio.
Há um buraco no céu. No contorno, nuvens escuras. No centro do buraco, uma
enorme luminosidade branca.
Pers em pectivas de miríades de oásis,
De-ser-tando de frios a madrugada,
Céu intenso, imenso de estrelas e lua,
Às margens do in-audito in-finito de uni-versos
Ecos de "nós" murmurando no silêncio da alma
Silêncios deambulando na longínqua neblina,
Essências - Gracias a la vida - ritmando de palavras
Melodias em sílabas, éter inter-dito de vividas genesis
Outroras, sentimentos perpassando o tempo,
Emoções con-fabulando eidos de nostalgias
Em esperanças de saudades o não-inda-sentido,
Lágrimas de chuva molhando a face do horizonte
Distante, não menos distante dos finitos confins,
Àguias sobrevoam a serra dos lúdicos prelúdios,
À mercê de sonoros cânticos em ondas
Riscando as inter-ditas neblinas de éter,
Sobrevoam a fonte de águas sedentas de per-cursos,
Itinerários, à luz de ventos de leste,
Espalhando pingos por todos os sítios do espaço sideral,
Respigando as folhas das florestas de ternas carícias
Das etern-itudes e seren-itudes concebidas de imanências
Místicas ilusões entre-laçadas à verdade
Que é sempre uma busca ao longo de todos os tempos
Até a consumação de versos e estrofes poéticos,
Até a efemerização de sentidos e metáforas da estética
Do coração em perfeita harmonia, sin-cronia, sintonia
Com o sentimento de verbo pleno,
Numinando de raios o sonho do amor à luz
Do sol que resplandece no amanhecer os sítios
- todos os sonhos são reais e o real são todos os sonhos -,
Recônditos da floresta de idos tempos da criação,
Iluminando das cores do arco-íris as esperanças
Ad-vindas
longínquas, "across the universe",
Lívidas, trans-parentes, trans-lúcidas, cristalinas
Essências das águas per-correndo de silêncios
As margens dos rios da humanidade...
(**RIO DE JANEIRO**, 18 DE DEZEMBRO DE 2016)
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