**O TRILAR HARMÔNICO PINCELA E REFLETE O ESPETÁCULO SER/VIVER** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/PROSA: Manoel Ferreira Neto
O céu, de um azul profundo, está manchado aqui e
ali por nuvens de um escuro acinzentado mais profundo que o azul fundamental de
um cobalto intenso e por outras nuvens, ainda que menores, de um azul mais
claro como a brancura de fraldinhas de criança, a brancura azulada das vias
lácteas. No fundo azul cintilam estrelas claras, esverdeadas, amarelas,
brancas, rosas guarnecidas de ouro e de riso, de diamantes e pedras preciosas
ou talvez mais como as nossas pedras preciosas, opalas, esmeraldas, safiras.
As imagens sucedem-se a um ritmo extraordinário,
rigor voluntário no sentido de ir unindo-as, sem deixar perder uma
característica muito singular, a sua singeleza na sedução e na conquista, no
êxtase e na glória, a simplicidade de formas não destoa de harmonias discretas
e requintadas. O que mais assusta nisto de contemplar todas as situações e
circunstâncias da vida, recria-las, tornando-as atitude e generosidade, contudo
dizer somente de “doces” e “chocolates” não fazem o estilo de alguém que busca
e trabalha sua realidade no sentido de atingir a Vida, e não somente o sentido
dela. A pura hipocrisia é uma boneca que se afaga todos os dias, sim, e ninguém
pode negar esta sua dimensão, pois que assim perde a poesia de seguir uma
alameda tranqüilo e sereno com suas atitudes. Ruminando ouro e riso, construo
com as mãos, são elas o objeto do intelecto, a vida que desejo viver. Dir-se-ia
que agora há em tudo ouro velho, bronze, cobre, e isto com o azul acinzentado,
excessivamente harmonioso, com tons de reflexos.
Se após cinquenta e cinco anos de entrega à minha
escritura, mesmo com poucas obras publicadas, não aprendesse a lidar com as palavras,
coloca-las a serviço de fundamentar e realizar a Vida, com certeza teria parado
de faze-lo, não apenas porque não conseguiria sobreviver, inda existe o fato de
que nada tem sentido. Respiro ar puro a plenos pulmões e sinto-me feliz. Aqui
vivo livre, não sou oprimido pelo desinteresse e preguiça e espero seja o meu
último porto. Com efeito, o que o corre é a preguiça e o desinteresse de as
pessoas serem sinceras, autênticas, tem-se a impressão de que se está na
arquibancada de um circo de quinta categoria; ao terminar o espetáculo,
rumina-se ouro e riso. É a vida que escrevo de memória no próprio quadro que
pinto.
De que adianta então as palavras, os sentidos, os
significados? De nada adianta. Com certeza. Servem para brincar - bem, para mim
é para brincar, passar o tempo até daqui a pouco, quando já imaginar que não
sobrou mais nada a registrar, quando houver adquirido a sabedoria de que as
últimas possibilidades agora são do tempo e da eternidade.
Minha senhora não aceita de modo algum que use
desta linguagem, que a simbolize, que a metaforize, mas é o destino de todos os
homens, ao final resta uma tumba no cemitério da cidade, uma cruz com o nome,
data de nascimento, data de falecimento, para alguns o requinte dos mausoléus,
das construções arquitetônicas. De repente, sabe minha senhora que sairá vez
por outra, mas vestida de um requinte maior, de um outro sentido, mas, ontem,
disse-lhe que não se esquecesse do travesseiro para o sono eterno.
Sinto-me sorrir com os cantos da boca. A única
coisa que o relógio simboliza ou significa, enchendo, com a sua presença, as
horas, é a curiosa e insípida sensação de encher o dia e a noite com a presença
das horas. Todo o alpendre estala de uma presença intensa, alguém mais ali,
flagrante sinto-o, não vejo ninguém. Uma vaga passa , invisível e grande, ao
balancear dos meus olhos pelo horizonte, sinto-me bem, experimento uma canção
que me aparece nos ouvidos. De qualquer modo que sinta o verão – desagradável,
porque é quente; enfastiado, por ser cansativo, - assim, porque assim o sinto,
é que é meu dever senti-lo.
Espírito de sacrifício? Abnegação levada ao
extremo: Ou ingenuidade incurável daquele cuja escolha se fixa nas atitudes que
julga as mais simples – se não há convivência com alguém, não é mais simples
ficar em silêncio com a pessoa, mantendo a distância conveniente e inteligível,
respeitando os seus direitos e deveres,; não consigo imaginar outra.
Inteligível e conveniente ´não é ruminar ouro e riso”, mas o ruminante seja o
desejo e a vontade do ouro e do riso. Esta simplicidade apareça aos olhos de
todos como o intrépido, como o paradoxo, de uma posição e decisão na vida.
É preciso desejar ser autêntico numa luta e que a
maioria demonstra uma indiferença total; quando nos atrevemos a isso, é preciso
sentir a força de sermos alguma coisa em nosso tempo, é preciso ser ativo, para
ousarmos dizer se não agüentarmos: vou para onde outros foram, os que ousaram.
(**RIO DE JANEIRO**, 30 DE DEZEMBRO DE 2016)
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