**RAZÃO, MISTÉRIOS E ASNICES TRANSCENDEM A ETERNIDADE - TRATADO DE ESTÉTICA** - TITULO E PINTURA: Graça Fontis/AFORISMO: Manoel Ferreira Neto
Será que haveria alguém apto a responder a diferença primordial entre o
asno e o homem, sem partir da racionalidade e instinto, sem partir da certeza
de piada, a resposta será irônica, risível? Talvez houvesse quem dissesse ser
ela sui generis: as orelhas do asno balançam, as do homem permanecem inertes
até que as cinzas descansem na manhã esplendorosa. Há homens de inteligência
soberana. A diferença da natureza humana e a natureza ásnica, qual é? Haveria
quem respondesse? Se alguém ousasse fazê-lo, seria ridicularizado: se sabe a
diferença, é que nele habita ambas. O homem é por demais imbecil. Justamente
estes homens que conhecem as diferenças, elencando-as, explicando-as com
dignidade e conhecimento, é que podem ser considerados da raça humana. Deus
fora justo com os animais: doara gratuitamente aos homens os instintos.
Cabia-lhes a escolha: viveriam a razão ou o instinto, viveriam somente a razão.
Escolhi a primeira opção: seria modo de igualar-me à raça humana, sem perder as
características dos equus asinus.
Aliás, algumas vozes que ouço, além do intérprete da música, me
aconselham generosa e gentilmente que tome cuidado para não cair nos becos,
alamedas, avenidas, o tombo será muito grande, pela primeira vez irei ver-me
com as patas para cima; aconselham-me estas vozes que tome muito cuidado. A
embófia é péssima companheira. Desconfio que, de banda, olham-me, estão mui
preocupados com o que venho relinchando, são coisas mui sérias. Que asnice a minha?
Aliás, muito natural. Mas para estarem preocupados seria preciso que tivessem
não só a certeza de que sou asno pensador mas também saberem o que venho
pensando. Isto não sabem, e ninguém em sã consciência iria aceitar
aperfeiçoar-se nos instintos ásnicos para perceber e intuir a seriedade de
todas as idéias e pensamentos que expresso na minha cachola instintiva.
O mundo caminha pela rua num sim ou não, esperando ver a cruz de Cristo.
Juro! Não se deve jurar a falsidade. O reencontro com a vida fica difícil. Os
instrumentos do amor querem saber onde há paz possível para se amar. A natureza
está em silêncio e eu não sei porque pensei na velhice, na morte.
O que seria da imortalidade, eternidade, se não houvessem mistérios
insolúveis, mas é isto mesmo que impulsiona à continuidade da busca de sabê-los
e conhecê-los. Por último, há os que compreendem, a eles relincho: “Ótimo,
compreenderam a profundidade dos relinchos acabo de emitir. O que é que vão
fazer com este entendimento?”. Nada respondem. Sempre desejaram entender algo,
entenderam, aí a ociosidade plena e absoluta. Mas não é assim. Posso garantir.
Chegar a compreender os relinchos serão necessários séculos, milênios. Aí é que
está o valor deles, vão servir para todo o sempre, as idéias que neles habitam
são em demasia profundas no que tange à contingência e transcendência.
Se há algo que aprecio é a asnice, relinchar asnice – se for espremer os
miolos, apesar de uma coisa não ter relação alguma com a outra, sem qualquer
senso, no fritar dos ovos, verá que há coelhos bem interessantes atrás dos
matos, os matos que há atrás dos coelhos são conhecidos por eles. Asnice não é
conversa fiada, se houvesse quem interpretasse os relinchos que emito teria em
mãos um tratado de estética dos mais substanciosos, enquanto na conversa fiada
tudo é perfeitamente insosso.
- Amando a ilha.
Que ilha?
- Da Grécia.
Tem sentido?
- O que é que tem sentido?
- O que é que tem sentido... Talvez nada tenha sentido, ou o sentido é
justamente o nada. Falar de ilha?
- Por que?
Não conheço ilhas. Imagino-as tão longe, uão distante.
- E o mar?
Também não.
- A Grécia?
Muito menos...
- Você está certo, poeta!
Por que?
- Filosofando...
(**RIO DE JANEIRO**, 15 DE DEZEMBRO DE 2016)
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