MARIA FERNANDES ESCRITORA E POETISA SATIRIZA O AFORISMO "À HUMANIDADE... DESOLAÇÃO E CONSTATAÇÃO JEGUIANAS"
Na verdade, isto de ser burro tem muito que se lhe diga. Há burros que
zurram, pontapeiam, há outros silenciosos, porém mais manhosos e traiçoeiros. A
carroça todos puxam, atrelados à direita, esquerda ou centro. Burros
independentes, determinados e capazes de assumir a diferença, vejo poucos,
haverá? Excelente . Um abraço, amigo Manoel Ferreira Neto.
Maria Fernandes
Maria, você é sui generis quando revela o seu lado irônico, sarcástico e
satírico.
Manoel Ferreira Neto
**À HUMANIDADE... DESOLAÇÃO E CONSTATAÇÃO JEGUIANAS**
TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis
AFORISMO: Manoel Ferreira Neto
"Todos os homens são medíocres e todas as mediocridades são
humanas" (Incitatus da Fazenda dos Bois)
Não sei o que pensar, imaginar, sonhar... Ah, quem dera na juventude
houvesse sonhado com o verbo de meu descanso, quando longe dos afazeres e
responsabilidades, entregasse-me ao cansaço físico, aos sonhos de amanhã tudo
ser diferente, sabendo eu que as coisas são iguais desde sempre, o in-verso do
inverno, são as inspirações que sinto e imagino na solidão, abandono; são as
lenhas que nunca tenho para me esquentar, sentir-me acolhido e amparado no
mundo, o símbolo de minhas atitudes e sonhos de realização.
Quem sabe fosse melhor ater-me à única realidade de que disponho, sendo
a raiz do asno que sou, represento nesta comunidade, que presencia todos os
dias Incitatus da Fazenda dos Bois subir ou descer ladeiras, ater-me
exclusivamente ao fato de que a minha função é justamente esta, não haver
qualquer condição ou possibilidade de superá-la, reunindo valores, tornando-os
reais, quem sabe até tendo a certeza absoluta, a espiritualidade que “todo real
é racional, todo racional é real”.
Mas isto faria com que absolutizasse a minha condição, a saber, seria
para sempre asno. Não sabendo que, em princípio, desembestado pelas ruas,
achava ser possível os pensamentos e idéias ficarem para trás; depois da
consciência de ser impossível, tranqüilo e lento, refletindo como tornar estas
palavras húmus de esperança para os homens.
Confesso haver acreditado que, desembestado pelas ruas, me fosse
possível deixar os pensamentos e idéias para trás, a cenoura ser o símbolo de
que, com trabalho e maestria, o dom de puxar a carroça, de modo que ela realize
a realidade, se assim posso dizer, por não encontrar o termo adequado no
momento... A cenoura é símbolo de uma realidade, a gosto e paladar de quem
deseja interpretar, os sonhos serem impossíveis, os desejos serem feitos e
criados para não se realizarem, ao menos nesta vida, e sempre, desde “burrico
recém-nascido”, ouvira dizer e mudado os dizeres, respeitando o que os homens
dizem que traz desde toda a eternidade no inconsciente, a saber, “a esperança
ser a última que morre...” Não diria assim. Diria: “A esperança ser a última
que vive...”. Morro, ela fica aqui no mundo.
E não é verdade? Dizendo a esperança ser a última que morre, nalgum
recanto do tempo dirá adeus à vida. A esperança também é mortal. Agora, dizendo
a esperança ser a última que vive, mesmo com a extinção do ser humano na terra,
ela ainda viverá, esperando que outros homens nasçam, acreditem nela,
prolonguem a vida. Numa a continuidade tem limites, na outra é ilimitada. O que
os homens desejam desejar é que ela nunca morra. Então, deveria dizer: “A
esperança é a última que vive”.
Quem sabe a esperança seja de algum dia os homens acreditarem que asno
fora capaz de tudo isto pensar, crendo piamente que as palavras são a verdade
indiscutível, ninguém outrora pensara tanto que a orelha menor se tornou a
maior, vice-versa...
Acreditei que andar desembestado faria com que os pensamentos ficassem
para trás, à frente o sonho de encontrar o sensível, aquilo que realmente
sinto... Se escolhi as palavras?
(**RIO DE JANEIRO**, 12 DE DEZEMBRO DE 2016)
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