**QUÃO INTELIGENTE E INSTINTIVO É O HOMEM NA DIALÉCTICA DO ASNO!** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/AFORISMO: Manoel Ferreira Neto
"O homem é o único animal que se acha único. O homem é o único
animal que usa símbolos." (Incitatus da Fazenda dos Bois)
E Graça Fontis pergunta: "O que o asno quis relinchar com
isso?" (Manoel Ferreira Neto)
A humanidade encontra em si mesma a força de viver para a virtude, mesmo
sem crer na imortalidade da alma! Tira-a do amor à Liberdade, à Igualdade e à
Fraternidade. Se não há imortalidade da alma, então não há virtude, valores, o
que quer dizer que tudo é permitido. As virtudes, segundo um homem de letras e
filosofias, são geralmente prejudiciais àqueles que as possuem, pois se trata
de instintos que reinam nele com demasiada violência, com demasiada avidez, e
não querer de maneira alguma se deixar razoavelmente contrabalançar, com os
demais instintos. A bem da verdade, só encontro prazer e deleite ásnico se
consigo na cachola instintiva compreender ambas idéias, se observo a humanidade
desde as suas origens, irracionais.
O homem não é o único animal que ri. O homem não é o único animal que
sofre. O homem não é o único animal que pensa. O homem é o único animal que se
acha único. E o homem é o único animal que usa símbolos.
Os primeiros sinais de que a tragédia se aproximava, naquele estranho
inverno, vieram do mar. Milhões de lulas arrastaram-se até as praias arenosas,
para morrer no vento. Os animais cobriram as areias brancas, como um funesto
tapete de determinados suicidas.
Então, as aves levantaram vôo e abandonaram a cidade, seguindo para o
leste. Em seguida, cachorros, gatos, porcos e até o gado fugiram na mesma
direção, apesar das tentativas desesperadas das pessoas de segurá-los. As
galinhas se recusaram a abandonar a cidade, fora naquele galinheiro que botaram
os ovos, chocaram, deram a luz aos pintinhos; ali era o lugar delas por todo o
sempre. À tarde, cobras e minhocas começaram a sair da terra, às centenas.
Escuto o riso da ampulheta, diante do tempo – o vento invade-me o
relincho que é sonho, o desejo da mente que é imensidão, a vontade da alma que
é eternidade, a ânsia dos instintos que é a natureza ásnica, não a segunda que
me deram no mundo, mas a primeira com que nascera e até à morte irei viver.
À noite, a população inteira saiu às ruas, para ver uma misteriosa
poeira branca e fria, que flutuava na brisa fresca de um inverno
excepcionalmente rigoroso. Algo inusitado, excêntrico, diferente naquele lugar.
Estavam todos fascinados, porque jamais um habitante daquela modesta região
tropical, quente e úmida, estivera no exterior; ninguém dali, portanto,
conhecia a neve. Viram-na no cinema, na televisão, assistiram às tragédias que
a neve causara nalguns países, várias mortes. Assistiram às cenas do Natal, tempo
de inverno nalguns países. Sonharam com toda aquela beleza, desejaram estar lá
para sentirem de perto toda aquela poesia...
Pela madrugada, a cidade parecia sufocada por um espesso lençol branco.
Casas, ruas, árvores – tudo fora cuidadosamente caiado pela estranha poeira
gelada.
Vai, vai, vai o Armando rumo ao serviço prestado, sem carteira assinada,
diarista, sem a mínima segurança, tudo bem.
Lá vai, lá vai o Armando rumo a obra obrar.
Vem, vem, vem o Armando retornando, pedalando uma bicicleta adquirida
com tanta dificuldade, muito suor, muito calo.
Vem, vem, vem o Armando pela Avenida Rio Branco, com carros cortando seu
caminho, às vezes até ameaçando sua vida propositadamente. Homem já idoso fora
atropelado por motociclista, morrendo na hora. O filho que era louco, varrido,
doido não chorou a morte do pai – por causa de suas violências e
intransigências ficara demente. Ao contrário, riu o tempo inteiro durante o
velório onde só havia três pessoas, a mãe, ele e um mendigo que aproveitara a
ocasião para pedir uma esmola.
À luz do asno as raras inteligências se elevam e se fundam no espírito e
nos instintos...
(**RIO DE JANEIRO**, 14 DE DEZEMBRO DE 2016)
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