**SONETO AO SILÊNCIO NU** - PINTURA: Graça Fontis/PROSA: Manoel Ferreira Neto
Pontes partidas...
Frestas à vista para a sinuosidade dos horizontes
que mostram imagens dispersas nos interstícios das perspectivas, nos absintos
dos ângulos, no íntimo dos acordes tri-angulares – "o melhor perfume está
nos menores fracos", sabedoria parisiense -, quiçá a-nunciando a verdade
in-consciente do verbo de tecer sendas ek-sistenciais, veredas con-tingenciais
. em direção à vida do eterno desfigurado de dogmas,des-facelado de pecadilhos,
des-entrelaçado do absoluto hades. Quiçá, revelando a in-consciência estética do
sublime de compor o indicativo presente do que a a-mortalidade de princípios e
raízes, por vezes havendo sementes e húmus, do vazio em plena náusea do nada.
Quem me dera agora tivesse a harpa para “dedilhar”
o soneto ao silêncio!...
Frinchas à luz dos linces dos olhos con-templando
as linhas cambaias do universo que desenham interditas palavras metrificadas de
inauditos mistérios do des-nada sonet-ificando as tragicomédias do absoluto
divino, sonet-izando a sátira lavada dos idílios compactos das sorrelfas
subjuntivas do “era” verbo defectivo da morte pretérita do gerúndio de ser que
atravessa as pontes partidas do jamais-sempre, do sempre-nunca, das arribas
impretéritas da essência, metafísica do nonsense, teoria do conhecimento das
partícipes nonadas do eidos-para a sepultura do além, tumba dos confins,
mausoléu das arribas, cárcere eterno do mais-que-perfeito infinitivo,
antropologia de lendas e rituais das florestas onde se abrigam os mistérios,
alfim o sem-ocaso à re-velia do crepúsculo e entardecer da inolvidável sombra
pálida do não-ser de estrofes des-providas de sensibilidade e provérbio do
espírito alvorece atrás da colina coberta de neblina, e com o brilho dia-lúdico
do arco-íris quê esplendor de paisagem!
Quem me dera agora tivesse a harpa para “dedilhar”
o soneto ao silêncio!...
Grimpas à sombra de vernáculos da palavra,
linguist-ificando os ditos da imperfeição, a fala do des-presente dos ideais e
utopias, escarafunchando as poeiras do nada, cobrindo os vazios do sem-nonada,
“porfim” do in-concebível da in-leveza do in-sustentável ser, ser de abas
largas que diminuem ao longo das vivências e experiências, no per-curso da
morte para a vida, não a morte luz da vida-para a perpetuidade, perenidade, não
a escuridão da morte-para o aquém do gênesis. A árvore do ser, por inter-médio
das dialécticas das nonadas em direção às pontes partidas carnaval-izam os
abismos de ventos, ventos do redemoinho, ares do catavento, atrás das montanhas
que não visualizam o além da inconsciência da travessia das con-tingências de
lágrimas, enclausuradas aos limites, obstáculos, impossibilidades do ser-para a
vida... vida é sentir não a sua profundidade, despertar espíritos para a
realização do sublime amor ao eidos da espiritualidade, ser vida é templorar no
tabernáculo do ser o buraquinho da sensibilidade e espiritualidade.
Quem me dera agora tivesse a harpa para “dedilhar”
o soneto ao silêncio!...
Augúrio apaziguado, vagas plácidas, medos
entupigaitados de nuvens claras e escuras embatem na face das casas, deslizam
pelos muros desenhados de lodo, pichados de letras mortas, escorrem largamente
pela terra. O meu pensamento fosforece. Minhas idéias reluzem-se. Evola-se no
ar umedecido dos pingos de chuva que caíram por instantes, suspende-se o ergo
non sum. Estou nu por dentro, vê-se nitidamente a minha intimidade tímida,
envergonhada, e a inocência é aí, agora ainda, por sempre, na eternidade do
instante, e a ingenuidade é lá, por algum tempo, na etern-itude do momento.
A lua vai alfim aparecer. A neblina alastra ao meu
horizonte sem fim, aos meus uni-versos por serem, os olhos doem-me da nitidez
estéril, do nítido nulo, da aparência frígida, da folha limpa por escrever.
Timbre de prata, flutua. As cordas da lua tremem. Passam a legenda e os anjos,
passam os mitos e as fadas. Passam os ritos e as bruxas. Passam as lendas e
feiticeiras. Que é que isto quer dizer? Ou nada quer dizer? Devo estar velho, a
solidão ec-siste insuportável. Ou quê por ela? De repente a vida ficou muito
mais extensa. Os olhos deambulam muito longe, a longitude da cor-res-pond-ência
entre o horizonte e o infinito, entre a náusea e o sabor da maçã. Tão extensos,
tão longe que tudo atrás fica lendário, tudo atrás é conto do vigário, é
estória da carochinha. Respiro devagar, trago a fumaça do cigarro lentamente.
Como se me balanceasse o corpo ao ritmo sereno do universo. Noite ofegante,
olho-a. Pela janela, ao alto, sobre o negrume dos pinheiros, silencioso céu.
Estendo-me na rede, extenuado das memórias do dia, do cão que latia
incansavelmente por estar preso pela corrente, do barulho da água que enchia o
tanque de lavar roupas...
É no silêncio que vivo, aprenderei outra linguagem?
É na solidão que prolongo os dias, aprenderei outro estilo? Não há palavras
ainda para inventar o mundo novo. Não há sentidos ainda para revelar o outro
dos sonhos, utopias, dos verbos que hão-de ser. Estou só, horrivelmente povoado
de mim. Valeu a pena viver? Valeu a pena trilhar as estradas de poeira? Valeu a
pena passear pelas manhãs, con-templando as folhas verdes umedecidas do orvalho
da noite? Matei a curiosidade, vim ver como isto era, valeu a pena. É preciso
que tudo des-apareça para que tudo possa re-construir-se - re-construir-se
através de um "deus único", um "deus final". Não sei ainda
a linguagem do mundo que terei de re-inventar, o estilo da ec-sistência que
terei de re-criar, a forma da imanência que terei de re-fazer.
Quem me dera agora tivesse a harpa para “dedilhar”
o soneto ao silêncio!...
Astros submersos - a maior loucura do mundo se
explica por certo modo de perder esta outra cena, e o fantástico não é outra
coisa senão a dissolução da fantasia. Terra estéril, sobrevivente eu. Clamo a
morte do homem, rogo o fim da raça, anuncio a sua vinda. Choro meu de alegria,
ó anjos da nova pura. Riso meu de tristeza, ó querubins da nova inocência.
Cântico dos anjos da anunciação, dos anjos das trevas e do desastre, os sinos
nos domos das igrejas, basílicas, catedrais, bradam para o vazio do mundo, para
o nada dos confins do infinito. Virgindade do meu sangue, um Deus Menino vai
nascer. Os deuses nascem sobre o sepulcro dos deuses.
E
C
O
E um silêncio longo, feito da neblina ao longe,
encobrindo a montanha, da cidade sepultada em solidão, do cerco à volta do
espaço para além, abre-me de um abandono final - o de quem está ao pé e já nem
se olha, já nem se sente, já nem se vê, já nem se vislumbra. O espaço
esvazia-me até ao limiar da memória, onde alastra o meu cansaço, o afago quente
de um coro, o aceno de sinais que se co-res-pondem como ecos de um labirinto. Num
bafo secreto afloro o que estremece sob os gestos alfim apaziguados.
Quem me dera agora tivesse a harpa para “dedilhar”
o soneto ao silêncio!...
(**RIO DE JANEIRO**, 18 DE MARÇO DE 2017)
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