**SEM-CRIPTA - OS MISTÉRIOS IN-AUDITOS** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
EPÍGRAFE:
" "Leve-me, barquinho, à vendinha do porto onde possa eu tomar
um Absinto para afagar as intempéries do mundo!" (Manoel Ferreira Neto)
A sabedoria do vazio pre-enche o efêmero do ser; o não ser pervazia
pelos horizontes e uni-versos à cata das trevas que iluminam os caminhos além
do inferno, lá onde Judas rezou o Credo para seguir a morte até a consumação
dos tempos, pois Mefistófeles não o quis receber, medo de ele evangelizar as
almas penadas para redimir seu pecado por vender Cristo por míseras moedas,
além de suicidar-se para mostrar seu arrepedimento. Hilário, mas não rio, rir
no vazio além das orelhas, além de a sátira terminar no idílio das sorrelfas,
nada neste mundo sem cancelas e mata-burros fá-la re-nascer, mesmo sob outras
vestes e ornamentos.
Picácia de pers além mergulho no vazio, além ilusão de perdas, perdição
no mais íntimo da alma, alma de sentidos, significações entre mistérios que
inspiram e fazem pensar, quem sabe acordar e encontrar as palavras certas para
defini-los, verbalizá-los, alma de significados entre limites e travessias,
imortal entre mortais.
O vazio da sabedoria cala a coruja na madrugada, permanecendo em silêncio
até esvoaçar em direção à árvore de confins para adormecer no desalento, do vão
conhecendo do ser as nostalgias e melancolias das utopias sem quaisquer
pré-nuncio do espírito maligno. O vazio borda de nadas o sudário do mais, por
menos que essa idéia só seja compreensível à luz da morte que serpenteia o
incognoscível com as cógnitas da solidão silenciosa das perenes etern-itudes do
sem-cripta, o in-cognoscível com os mistérios inauditos do silêncio solitário
as perpétuas etern-idades do sem-tumba.
Quê vazio! Vazio do vazio vazio.
A solidão esvaece-se no subterrâneo da alma. O silêncio liquidifica-se
no abismo da memória, enquanto o inconsciente re-festela-se à mercê das
estrelas cadentes. As dúvidas dissolvem-se nas nonadas do inaudito. Os medos do
desconhecido se esparramam por todos os cantos e re-cantos do mundo velho sem
porteira. Flanam-se no espaço sem fronteiras e infinitos. Os olhos saem das
órbitas, vão incrustar-se nalgum tronco de palmeira e deslizam de cima para
baixo, de baixo para cima sem nunca mergulhar na terra e realizar o encontro
com as raízes subsólitas. Os lábios gelam-se, a língua endurece no solo da
boca, as palavras morrem. Morrem e re-nascem alhures, olhá-las e
con-templá-las, desejá-las.
Além da madrugada, as estrelas no céu cintilam, a lua brilha na poiética
do espaço, e o vazio prolonga-se no decorrer dos segundos e minutos, nasce o
nada no "footing" das pracinhas desertas das ruas. Quem sabe o poeta,
após declamar poemas de puro simbolismo romântico para a amada, sentados no
banco, observando o movimento das pessoas, estejam indo embora abraçados,
curtindo o amor que lhes tomou inteiros.
Do vazio, o vazio vazio. Desejava o nada, o nada é efêmero, no útero
dele é concebido o fugaz que perpassa o psíquico da alma carente, o subconsciente
do manque-d´être, a vida vazia de vida, e lá vou eu desenhando a mim num
barquinho que segue as ondas do mar às avessas: "Leve-me, barquinho, à
vendinha do porto onde possa eu tomar um Absinto para afagar as intempéries do
mundo!" Re-versas as náuseas da razão, inversos os vômitos do intelecto,
ad-versos os incólumes e perpétuos vernáculos eruditos do nunca que tece com a
língua dividida em pontinhas a anestesia do espírito, nada do nada nada, do
vazio, o vazio vazio, e o quê-de-nunca comunga-se solene e divino ao
psicologismo barato e vulgar de Simão Bacamartes, o nunca-de-quê re-colhe e
a-colhe a idade da razão, esvaziando os entes.
E lá vou eu seguindo a madrugada insone das efígies, o deserto da rua
iluminada pelas lâmpadas dos postes de cimento armado. Náusea da Náusea Náusea!
Vomitei realmente, sujei o chão de meu casebre, está fedendo. Sujei o chão de
meu casebre, está fedendo. Vou dormir na catinga, amanhã lavo com cloro e água
sanitária.
E agora, escrevendo a crise de vazio que me acontecera ontem, sinto
resquícios no peito, sentimentos contraditórios e absurdos. Mas o mundo está
límpido e nítido aos linces dos olhos.
Amanhã vai chover, a enxurrada levará o absoluto do ser. O que a
inconsciência não con-sente é o absoluto, sou a busca do ser no tempo e na
vida. E quando ela sente a sua presença, o mundo perde suas estruturas, perde
tudo.
Imperfeito e absurdo, e sempre à busca do ser!
(**RIO DE JANEIRO**, 27 DE MARÇO DE 2017)
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