ANÁLISE DO TEXTO /**ASTÚCIA DE DESIGNIOS E RAZÕES ARTÍSTICA", SOB A LUZ DO BARROCO MODERNO POR Paulo Ursine Krettli
Antônio Vieira, político, orador contundente, com
sua retórica rebuscada, clara, convincente, conseguiu dar essência e estilo ao
barroco português; soube resumir os conflitos do homem daquela época, buscando
(ou tentando) síntese entre matéria e espírito, num convite ao pensar e ao agir
aos seus contemporâneos.
Não serei o único oásis nem o múltiplo seara a
levantar a lebre: como sintetizar matéria e espírito no penhasco e pedestal do
cultismo e do conceptismo, ambos contrapostos em seu igni? Um problema para a
grande crítica desvendar, debulhar à exaustão em pleno século XXI, esse século
desenvolvido e atrasado, rico e pobre, esse século que, em seus primeiros
dezessete anos, se mostra numa convulsão a caminho à autodestruição do planeta
em todos os níveis e sentidos, dada a radicalização e à bestialização, talvez,
até maiores que as barbáries produzidas pelo tiranismo humano.
Analisando as mechas das primeiras pinceladas (e
concretizadas no livro Con.Ando, em 1979) literárias de Manoel Ferreira Neto -
diga-se surrealistas! - e também seu leque vernáculo tempo/espaço/emocional
atual, ouso opô-lo a Vieira, porque não é político nem articulador; mesmo tendo
retórica rebuscada, não é exímio orador; mas por expor uma cisão profunda entre
matéria e espírito, não havendo, portanto, nenhuma possibilidade de síntese
entre elas, pelo menos epistemologicamente, por mais que os suspiros a Deus -
ora desesperados, ora esquecidos, ora mosaicos, ora olímpicos - (embora se
considere ateu), lhe saiam concomitante aos seus devaneios, sonhos e/ou
aspirações que o colocam imerso no conflito de si mesmo, visto que, a quem
conclama, seus semelhantes, seus prováveis pares contemporâneos – salvo alguns
poucos – estão a olhar para o mundo pitoresco, profano, pequeno, perdido na
conversão mal convertida e ferrenhamente materialista, aloprado ao desígnio na
busca eterna da felicidade.
Isso é um dilema, uma luta dual desde os tempos
remotos da humanidade: homem = sopro divino ao barro X evolução dos primatas;
homem = escravo X livre; homem = luz e liberdade de si X sua sombra na caverna
e sua prisão; homem =...
Paulo Ursine Krettli
**ASTÚCIA DE DESÍGNIOS E RAZÕES ARTÍSTICAS**
PINTURA: Graça Fontis
SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
EPÍGRAFE:
"A intenção não é ingrediente essencial da
obra de arte..."
Manifesta-se primeiro nas orelhas, não através de
calafrio, eriçando os tênues pelos, por intermédio de vento vindo do sul, mas
através de algumas notas musicais, lembrando a valsa das “bodas de ganache”,
tomando todo o corpo até chegar às patas ou aos pés, quando o início se
efetiva, e daí nada mais se mostra ativo e relevante, impera; os sentimentos e
emoções são outros, a vida são sonhos e fantasias os mais esplendorosos e
divinos, o espírito se re-vela sereno e tranqüilo, a respiração lenta, os olhos
não perscrutam qualquer coisa, visão de nada, o coração bate devagar, o corpo
inteiro leve.
A providência, em seus inescrutáveis desígnios,
tinha assentada legar-me, doar-me benefício maior que esta da valsa das “bodas
de ganache”, quando se me revela, se me manifesta nas orelhas, terminando nos
pés – o número de sapato sendo trinta e oito não é grande o suficiente para ser
tido e havido como pata; passando de quarenta e quatro, sim, alguns amenizando
a força da palavra chamam-lhe “chulapa”. Nenhum lhe pareceu, à providência,
maior nem melhor do que certo gozo superfino, espiritual e grave, que
patenteasse a brandura dos costumes, a graça das maneiras: deu-me as mãos
cheias de dedos, cinco em cada, com direito às unhas, devendo sempre apará-las
com esmero.
Em nada o limite deve ser olvidado, olvidar-lhe é
acabar com todas as atividades, é estabelecer a ociosidade, a coisa existe
apenas por existir. O fruto proibido era o limite das felicidades e prazer de
Adão e Eva no Paraíso – refiro-me a isto para estabelecer a origem e início do
limite que o tempo e as situações humanas ampliaram, multiplicaram; o limite
habita todas as coisas, des-cobrindo assim a fronteira da angústia espiritual
ser a morte do corpo, a vida mesma aí começa, a liberdade espiritual impera sob
quaisquer ângulos de inter-pretação ou análise, são os limites todos exterminados
e não apenas olvidados, a penas subestimados.
Somente a mão direita, que não é só cultura, mas
raiz profunda do “credo” – “à mão direita de Deus-Pai” -, iria tornar possível
a-nunciação – se com espírito de per-severança, fé, esperança, sonhos e desejos
os mais presentes e vivos seriam trans-formados -, re-velação, re-presentação
das notas musicais que iniciam as “bodas de ganache”.
Não seria fácil, teria de entregar-me por inteiro,
lutar mais que peão preparando a terra sob sol cáustico, suor pingando – suor
não faz rio, fecunda a terra, lágrimas não fazem oceano, refrescam a face,
descansam os olhos das neurastenias íntimas. Embora toda a luta, apesar de
todas as entregas, não poderia jamais dizer a mão direita não mais ser
movimentos, gestos, burilações, delineações de suas vontades e desejos da obra
eterna e imortal – em quaisquer panoramas e perspectivas é a mão direita que
faz a vida, a esquerda apenas contribui e ajuda nos limites que se apresentam
na continuidade do tempo em busca do “ser”. A mão direita se trans-formara em
engenho, em habilidade, em última instância, o auge da arte, construído com
sonhos de registrar, através do ritmo, musicalidade, a valsa das “bodas de
ganache”: a mão direita era a divinidade e divindade do espírito, a mão direita
era o eterno e imortal, a mão direita era a vida. O que é não se torna e o que
se torna não é, como certa vez lera esta idéia escrita por uma direita mão que
vangloriava, endeusava o ápice do espírito quando se entrega inteiro à crítica
e ás galhofas do poder.
Estando em Curvelo agora mesmo sentado numa mesa de
restaurante, escrevendo estas linhas, preenchendo-as com letras, enquanto tomo
cerveja e aperitivo, um coveiro do Cemitério das Palmeiras aproximou-se dizendo
que me tem observado sempre nas visitas à sepultura de minha mãe, quando não
rezo, con-verso com ela, perguntando-me se não lhe podia ajudar com a quantia
de dois reais, suficiente para inteirar o seu almoço. Tirei da carteira a nota,
entregando-lhe, que recebeu com a mão direita. Pedi-lhe, então, que rogasse e
rezasse ás almas para me ajudarem, o que me res-pondeu, creio, sem pensar: “sua
mão direita é o espírito”.
Esta res-posta deixou-me, em verdade, pensativo,
não poderia ser dada senão por um coveiro, cemitério não é cadáver, cemitério é
espírito, isto é, espíritos o habitam.
Em re-pensando, em re-fletindo, em meditando, ou
simplesmente masturbando ocasos e acasos, auroras e crepúsculos, perguntei-me,
com seriedade, não com aquela dúvida sistemática do “cogito ergo sum”, o porquê
de haver dito a “minha mão direita é o espírito”. Com ela trans-cendia a alma
que se descompunha no silêncio da cova? Com ela trans-cendia a carne que se
desfazia e mostrava os ossos transparentes e límpidos, a-núncio das cinzas, o
fim peremptório e radical? Com a mão direita escrevia na pedra de mármore a
vida mesma, em sua pureza e inocência?
Após receber a nota de dois reais, pedindo-lhe eu
que rezasse e pedisse as almas ajudarem-me, dissera-me: “Sua mão direita fará
sua felicidade, não apenas no mundo; sua mão direita será sua felicidade além
de seu túmulo. Ela nunca estará vazia, estará sempre cheia”.
Fora embora. Continuei sentado, a pena entre os
dedos, delineando os caracteres, burilando os símbolos, buscando e desejando
caligrafia que a simples olhar, olhar des-compromissado, des-pertasse nos
homens uma fala mais ou menos assim: “Nunca vi letra tão bem feita nos seus
arrebiques e contornos”.
Limites... A valsa das “bodas de ganache”,
manifestada primeiro nas orelhas, até as patas ou aos pés seria a-nunciada, re-velada
com a caligrafia bela e perfeita, objeto e louvores da divinidade espiritual
dos olhos, divindade ocular das retinas, o mais que ad-viesse daí seriam os
desejos de as letras atingissem e consumassem as dimensões da vida.
Além de ser gratuito supor que através da beleza da
caligrafia, das letras bem delineadas e buriladas, possa sentir de modo
verdadeiro o que é isto a primeira manifestação das coisas e do mundo, ainda
acredito seja mesmo possível e real sentir os inescrutáveis desígnios graves.
Há quem pense a presença do coveiro, estar tomando
cerveja, as almas traziam-me um buquê de flores, cabia-me extasiar com seu
odor, néctar das “bodas de ganache”, trazia-me a consciência de minha mão
esquerda auxiliava-me sempre, esquerda e direita se uniam, comungaram-se,
aderiram-se no verbo do sonho de ser, a morte trouxera-me a visão límpida e
clara de um desejo irei sempre alimentar no peito, regando com gotículas de
esperanças e fé. A mensagem da vida me fora trazida por um coveiro,
re-presentação, símbolo, signo da morte, as almas protegiam-me.
Pouco se me dá sabê-lo, apesar de, sabendo, ser o
melhor, auxiliar-me-ia inda mais, no de-curso e per-curso do tempo se
re-velará; o mais importante, que me abriu as pupilas para ter a visão mais
sensível de sua imagem.
“... de mão cheia”, tais palavras me são lembradas
nalgum momento de sua fala, quando olhando o horizonte ao longo das sepulturas,
brincando com os sentimentos amalgamados à felicidade, riso, dissera-me tão
logo o coveiro despediu-se, indo embora: “a fala é o suspensório da linguagem
para proteger o estilo”.
Aquele encontro, apesar de sua fortuitidade,
dizia-me que o meu estilo de vida só podia ser protegido com a caridade das
palavras; não me ri a bandeiras despregadas, não era o momento, mas por haver
trans-cendido tanto com: “o coveiro chegou, pediu dois reais para inteirar para
o almoço, pedindo-lhe rezasse para as almas me ajudarem”. Contudo, o encontro
não se resumiu nisto, con-versamos, e por estar escrevendo, sempre que passava
por ali, observava-me escrevendo, “... mãos cheias”.
As letras sendo desenhadas, as idéias, sentimentos,
emoções, tecendo com paciência, habilidade, ciente dos limites e liberdades, os
verbos de esperanças ad-versas e reais, a vida sob outros horizontes e
uni-versos da palavra, do quotidiano vivenciário e vivencial, outras
real-idades.
Ao princípio, sereno e tranqüilo, desenhando no
branco do papel as letras, habitando-me desejos profundos de “inspiração”,
queria algo escrever, que mostrasse o per-curso e de-curso dos sentimentos e
idéias, a sua manifestação, re-velação, e como me entrego por inteiro em busca
do sublime. Mas não podia jamais imaginar um coveiro se aproximar, pedindo um
auxílio, “vejo o senhor visitando a sepultura da senhora sua mãe; não reza,
con-versa com ela; não podia imaginar seria a continuidade da inspiração que
buscava, queria senti-la inteira em mim, e sendo nela envolvido, a mão direita
traçava-lhe a trajetória, mostrava-lhe o que habitava a alma, o espírito, o
sem-fim da vida e dos sonhos. Despertou-me a mão a fala do coveiro, senti-a
presente, forte, reconheci-lhe a perspicácia, agilidade, seus tendões robustos
e determinados, reconheci-lhe a artificidade dos gestos e movimentos, serem
aqueles dedos que me sustinham a vida, sustentavam algumas outras necessidades.
Ao princípio, custou-me sobremodo parecer o que era
dantes, não a olhava, não prestava atenção em seus momentos, pré-ocupado a
penas deslizar as imagens de forma que originou a caligrafia agora a ciência de
ser ela a artífice de minha vida sob tantos pensados, intuídos, percebidos,
sentidos, que nem sei quantos, perdendo-me e encontrando-me.
O demônio da esperança pousava no meu coração,
esperança que me retificou aos meus próprios olhos, mas as almas vinham dizer
serem tolices as melancolias e nostalgias da morte, as mãos cheias eternizavam
a vida, o corpo pereceria, inevitável, o espírito continuava os seus passos ao
longo dos tempos, séculos e milênios.
Tivera um pesadelo – aproximando-me o aniversário
é-me peculiar pesadelo, e este dizia respeito a inspirar-me profundamente,
desde as pré-fundas ao espírito. A princípio, não me fora possível, por mais
tentasse, conciliar o sono; voltava-me de lado para outro, irrequieto,
impaciente, vendo as imagens de Horácio e Sófocles; traziam no rosto e
semblante os traços do sofrimento e desejos divinos, os coveiros e as caveiras,
ouvindo as notas de uma valsa nas “bodas de ganache”. A muito custo peguei no
sono. Antes não pegasse! Sonhei que era Hamlet, trazia a mesma capa negra, as
meias, o gibão e os calções da mesma cor, montado em Incitatus que dançava ao
longo de sua marcha cadenciada, tinha ele a certeza e convicção de para onde
estava levando Hamlet, estava determinado em cumprir o trajeto com todos os
méritos e dignidades, era forte, robusto. Tinha a alma do príncipe da Dinamarca.
Analisando de modo simples, aquela peculiaridade da
olhadela de esguelha, achei natural aquele pesadelo, enfim... Nada houve que me
assustasse. Incitatus levava Hamlet numa cela posta em seu lombo, cavalgava.
Também não me aterrou ver ao pé de mim, vestido de Horácio, um hóspede do hotel
com quem troquei umas palavras no refeitório antes de subir os degraus da
escada, deitar e dormir. Saímos o hóspede e eu de cara para o cemitério do
outro lado da rua. Atravessamos. Pareceu-nos ser a Avenida Dom Lúcio Serafim, e
entramos em um espaço que era metade cemitério, metade sala.
Nos sonhos há confusões dessas, imaginações duplas
ou inexplicáveis, incompletas, mistura de coisas opostas, ambíguas,
dilacerações, desdobramentos.
Enfim, como eu era quem observava Hamlet montado em
Incitatus, e o hóspede do hotel era Horácio, tudo aquilo devia ser cemitério.
Tanto era que ouvimos logo a um dos coveiros esta estrofe:
Apesar de você
Amanhã há de ser
Novo dia
Como na tragédia, deixamos que os coveiros
con-versassem, falassem entre si, enquanto faziam a cova de Leonarda Virgem dos
Pinheiros que li na lápide da sepultura.
Não entendi bem; depois do enterro, os coveiros
faziam saltar das sepulturas as caveiras, dizendo-lhes graças e jogando-lhes
pétalas de rosas brancas. Demos mais alguns passos, até que eles nos viram. Não
se ad-miraram, foram indo com o trabalho de capinar e limpar as lápides.
Poucas horas depois, um dos coveiros a quem havia
visto sempre desde o falecimento de minha mãe se aproxima, pedindo-me
inteirasse seu dinheiro para almoçar com dois reais, pedindo-lhe rezasse para
as almas ajudarem-me, olhando-me que escrevia, dissera minha mão ser cheia.
Precisava sentir-me inspirado mesmo, desejava
conhecer de perto a inspiração, saber-lhe, daí criando novos horizontes e
uni-versos.
Saindo o coveiro, continuei deslizando a pena
orientada pela mão que era a artífice da vida, que era a sua continuidade
perene.
Lembrou-me, na juventude, rapaz de vinte e dois
anos, haver lido um texto cujo questionamento era o futuro das mãos, quando não
mais delas necessitassem os homens; não era filosófico, poético, científico,
linguagem um pouco técnica e didática, por algum tempo pensei a respeito,
analisei. A máquina de escrever, o computador não me substituiriam as mãos, só
a partir delas eram e seriam operados.
Busquei poucochinho ansioso na memória uma trova
das mãos, não me sendo possível lembrar, um excerto de um livro, em verdade, um
pensamento de outro livro em prosa “Mãos vazias”, para dar continuidade a este
texto, em princípio buscando inspiração e nada me surgia, embora a pena
deslizasse no papel delineando os caracteres, burilando a forma de ornamentos,
sem qualquer inter-ferência da busca de continuidade da inspiração. Era ato
espontâneo e livre de minha mão direita, era-lhe inerente desenhar caracteres e
tecer os pontos das dimensões sensíveis todas, era-lhe inerente o sublime dos
movimentos e gestos do polegar e indicador.
Transcendi: não mais observava idéias, sonhos e
sentidos, dúvidas e re-flexões da vida, observava apenas o deslizar da pena,
comedido, sereno, tranqüilo, a sapiência e sabedoria das letras a ad-virem,
como as modulava, o que me ad-mirava, e na ad-miração o desejo de não mais
interromper, continuaria sem limites, sem pressa, não diria sem margem por ser
ela o contorno da página.
Chegava ao ponto de estabelecer, não sei se diga
preceito filosófico ou simplesmente lema, de não me levantar da mesa enquanto a
inspiração não sentisse o desejo de refestelar-se no uni-verso de todas as
letras que foram modeladas para expressar e revelar a vida que me habitava as
pré-fundas da alma, interstícios do espírito; não sairia dali com as mãos
cheias de palavras que não foram desenhadas e modeladas, sairia com a mão
direita vazia, a mão esquerda que acumulara nelas outras não ditas em breve
depositaria nela, na mão direita, terna e carinhosamente, as letras que
teceriam outras.
Ousei algumas estrofes, inda que ad-versas ao
espírito da continuidade da inspiração, pensando no que me viera à intuição
quando tecera as seguintes palavras: “não sei se diga preceito filosófico ou
lema”:
Assim,
Sentimento e emoção
Ou re-versos e avessos
Da razão ou sensibilidade
O simples se re-faz nas pré-fundas
E nelas as simples palavras
Transcendem o sonho mágico
De ser re-velação
E não atitude de manifestar
A linguagem e estilo do
ETERNO.
Se era preceito filosófico o poema criado para ser
o suspensório, que moldasse a linguagem e estilo da inspiração que me habitava
inteiro, e eu com engenhosidade traçava a pena a sua face e semblante, não
poderia res-ponder num abrir e fechar de olhos, passo de mágica. Cria de modo
ímpio serem os versos que criara a imagem límpida e transparente do sublime que
a inspiração re-velava.
Boa ocasião se me apresentava – o coveiro era a
pena passada, uma vaga lembrança na alma, memória sensível de que me pedira
inteirasse seu dinheiro com dois reais para almoçar, atinei-me com estar ali,
escrevendo, tomando a cerveja, acompanhada de aperitivos, havia tempo
considerado, umas duas horas – de saber se efetivamente a vida feita pelas mãos
era artífice do sublime que se re-vela na inspiração; se com elas as virtudes e
valores humanos são dimensões que elevam os ideais e sonhos, se imbuído deles
as mãos se estendem, e a direita “cheia” a-“núncia” o eterno.
Com vagar ia sepultando as dúvidas, ia sepultando
as indecisões, ia sepultando os medos, até tocar-me o coração porque eram idéia
e desejo, desejo e pensamento a vida espontânea e livre anunciar a origem do
sublime à luz da mão direita que traça a id-“entidade” e espírito, a morte
corromper o sangue e retirar-lhe o princípio.
Vida,
Amor, sonho
Verbo
Desejo, vontade
De con-“templar” o eterno
De con-templ-“orar” o sublime
Equivocado no imortal,
De viver o nó,
Éter de vivências e quimeras
Do ontem olvidado no futuro
Do futuro esquecido ontem
Nestas páginas,
E, além,
O verbo do amor
“Re”-cordado.
Seria quem dava mostras, “de-monstrava” a realidade
da inspiração, atribuindo arrebiques e ornamentos à teoria dos ventos e às
idéias que revelam a face outra da vida e morte Natural, verdade imortal, valer
não só a imagem, a moldura que a a-colhe e re-colhe, mas os dois principais
característicos humanos, perderem-se, infringirem a lei e a moral.
Agradeço à mão direita, comovido e emocionado, tão
insigne o obséquio de sentir que acrescentar a inspiração do sublime, ou o
sublime em busca da inspiração é modo de sensivelmente servir à vida, ao
espírito, aos sonhos de amar verdadeiramente a imaginação, comungando a dor
presente ao especulo dos inescrutáveis desígnios simples e virgens, flor de
ilusões e “esperanças de ser”.
Inspira-me
Inspiração das nuances
Da vida e morte
Dos graves desígnios
Inescrutáveis...
Iria a pena onde a mão a mandasse, - às estrelas se
lhe dessem as asas da água – ao fundo da terra, se lhe ensinasse o talento da
formiga. Nada mais me ad-mirava senão o morrer o sol e nascer a lua, e contar
as estrelas. Quiçá estivesse numa igreja, escrevendo estas palavras, cairia aos
pés do Senhor, derramando lágrimas de gratidão; tantos, não sei quantos,
momentos vividos, fazendo a mesmíssima coisa, e não haver prestado atenção nos
gestos e movimentos da mão nos dedos, a presença forte da inspiração... Verdade
é haver algumas vezes desejado isto, não me fora possível, talvez não estivesse
ainda amadurecido o suficiente para deixar a mão direita ser envolvida na
inspiração, deixasse-lhe ser a inspiração, ela escreveria. Realização, poesia,
divindade, tudo trocaria por ser a mão direita tecendo as letras de minhas
pré-fundas, entranhas, sonhos e desejos de outros horizontes e uni-versos; de
porfia com o sol, virá o brincar nos meus cabelos grisalhos os ventos do éden,
a pena refestelar-se-á por todo sempre, coitada, não descansou um segundo
qualquer, acompanhando-lhe a mão direita, e ninguém para dizer: “descanse em
paz”. Ninguém sentia o peso da ociosidade. Vivia na contemplação. Pôde a mão ir
ao paraíso, onde tudo lhe era avesso e di-verso.
(**RIO DE JANEIRO**, 17 DE MARÇO DE 2017
(**RIO DE JANEIRO**, 17 DE MARÇO DE 2017)
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