**CAÇA AOS PARVOS** - PINTURA:Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
"Um elefante incomoda muito a
gente.../Incomoda", "Dois elefantes incomodam muito a gente...
Incomodam... Incomodam..." Segue-se ininterruptamente.
Imagino nesta manhã serena, clima agradável por
haver chovido um pouco na madrugada, se fossemos acumulando os sapos secos
atravessados na garganta, acintes que nos jogam na cara, palavras de não que
nos sussurram ao pé do ouvido, atitudes que cometem contra a nossa
sensibilidade, julgamentos, censuras, discriminações, quererem-nos como as
pessoas são, ovelhinhas de rebanho... Nada dizemos, nada respondemos, ficamos
em silêncio. Eis que chega o momento em que os sapos secos nos impedem a
respiração. Quê destino inglório: morrer asfixiado por sapos secos!
Mas não. Nunca houve quem colocasse uma gia
sequinha, sequinha na minha garganta, sapo muito menos. Sigo a risca a lei do
"toma lá/dá cá", e o sapo seco que era para estar em mim passa a
estar na garganta de meu ofensor. Escolho as palavras devidas, a tonalidade da
voz a critério, e digo na lata a resposta. De tempos imemoriais, trouxe comigo
o verbo defectivo da alma humana, tocar-lhe com engenhosidade faz esvaecer
qualquer revelação de orgulho, vaidade E jamais terão palavras para me
responder, mesmo que vasculhem o dicionário do Aurélio Buarque à cata delas.
Admira-me sobremodo isto de as pessoas só jogarem
pedras nas árvores frutíferas. As pessoas que nada produzem, nada fazem recebem
medalhas de honra ao mérito, aplausos, três tapinhas no ombro, beijos na face.
Ainda não assisti a uma cena de dois comparsas se beijando na boca como o fazem
os russos. Quem sabe ainda vá assistir, serei eu a aplaudi-los com as minhas
finesses e diplomacias a critério e rigor.
Nas Letras também espera-se que o artífice delas
escreva o que todos desejam ouvir, colocando todos os entulhos da sociedade
nalgum canto bem escondido, no meio do mato, numa caverna sombria e escura,
para que ninguém saiba o que rola, o que incomoda, incomoda, incomoda muito. Se
o artífice das letras passa por cima deste princípio e dogma, tacham-no de
irresponsável, de insolente, polêmico, parvo. Os homens são dignos, a sociedade
é honrada, o escritor é parvo. Começa-se então a caça, caça aos parvos.
Recentemente, muito recentemente, as recentidades
não mentem, publiquei num grupo uma de minhas delícias do riso, da gargalhada.
Não me sobrou outra "cosita" senão retirarem-me do grupo, estava
incomodando, incomodando, incomodando, incomodando muito. Busquei, através de
meus supimpas recursos, informações de como andavam as coisas. Disseram-me que
até o Governo Federal estava à cata dos parvos da política numa determinada
cidadezinha do interior de um Estado. A coisa lá está preta, muito preta...
Prefeitura, Câmara Municipal estão entupaigatadas de entulhos, tem-se até dificuldades
de entrar na Prefeitura para pagar os impostos de Ano Novo, saindo-se, os
sapatos estão mais que sujos, numa fedentina sem eiras e beiras. E como as
parvoíces a cada passo aumentam, aumentam, os políticos estão depositando os
entulhos nas terras de outro município bem próximo, o lixo está incomodando,
incomodando, incomodando os animais.
Estava explicada a questão do grupo retirar-me da
participação, mexi no ninho de vespas. Mas o que é mais engraçado nesta
parvoíce toda é que a minha delícia do riso e da gargalhada fora escrita a
exatamente cinco anos, nunca tinha ouvido o nome desta cidade, nem sabia se
estava incluída no mapa brasileiro, nem imaginava que os políticos excederam os
limites das parvoíces, entulhos e mais entulhos por todos os cantos e recantos
do município, e não mais sendo possível fazê-lo, passaram a depositá-los nas
terras do município vizinho. Se as carapuças serviram bem, não sou o
responsável, não sou o culpado. Uma das características da "delícia do
riso e da gargalhada" é que as coisas sirvam em todos, sem exceção,
qualquer um tem que colocar a carapuça e desfilar pelas ruas e avenidas,
pomposo e orgulhoso, sem o que não é mais "delícia" e sim
"amargura".
Não sou caçador, muito menos de parvos. A bem da
verdade suprema, jamais fui a uma caçada, jamais cacei passarinhos na infância.
Nada de caça. Agora se fosse iniciar uma carreira de caçador, não o faria no
que tange aos parvos, não me dizem respeito. Passaria a caçar pavões. Grandes
personalidades da caça informaram-me nada haver de mais delicioso do que caçar
pavões. Não há na história da natureza único pavão que seja parvo, mas na
história da humanidade há parvos pavões, com uma característica supimpa, os pés
não são feios, e nem os sapatos sujos, brilham a qualquer faiscazinha de sol.
Mas, como supra está bem caracterizado, não sou
homem que fica com sapo seco na garganta, um dia, quem sabe um dia, visite este
município, num tempo em que as parvoíces políticas hajam sido extirpadas até a
consumação dos tempos, dedicando-me nas letras a caçar os pavões desta
comunidade, uma temporadazinha de caça aos pavões, pois serei apenas turista,
visitante. Vou agradar a todos, vão-me aplaudir por somente estar passando nos
becos. Na minha despedida na rodoviária, estarão todos presentes,
personalidades de todos os naipes, para me homenagearam, dizer-me adeus, e pela
janela, na saída no ônibus, os acenos acompanhados de sorrisos de orelhas a
orelhas.
(**RIO DE JANEIRO**, 31 DE MARÇO DE 2017)
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