**ENTRE-VISTA COM Dr. ANTÔNIO CARLOS DA SILVA** - ENTREVISTADOR: DR. ANTÔNIO CARLOS DA SILVA (ADVOGADO, CURVELO, MINHAS GERAIS)/ENTREVISTADO: Manoel Ferreira Neto
POST-SCRIPTUM: Esta entrevista foi concedida e
publicada e comercializada no RAZÃO IN-VERSA - SUPLEMENTO-CADERNO
LITERÁRIO-FILOSÓFICO, 41 EDIÇÃO, MAIO DE 2011
&A.C.S. – O que o levou a escrever sátira?
#M.F.L. – Em verdade, a primeira grande sátira
escrita por mim fora o romance Lúcifer Pernóstico, inspirado num editor-chefe
de tablóide e um advogado e vereador, o jegue é a re-presentação de ambos, as
duas faces de mesma moeda, que terminou sendo de sete volumes, com títulos
di-versos, título que engloba toda a obra UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO.
Amei escrever a história do “jegue intelectual”, sozinho no meu escritório, na
solidão nietzscheana escrevendo, ria a bandeiras soltas das jeguices de
Incitatus da Fazenda dos Bois, nome do jegue. Senti-me à vontade, livre, as
idéias fluíam espontaneamente. O que mais me fascinou fora o jogo das idéias,
das palavras, dos sentidos, a ambigüidade presente, que eram já algumas de minhas
características. Um projeto desse é estafante, são horas, dias e meses de
trabalho contínuo, a preocupação de o nível não cair, de a obra um pouco
re-presentar os interesses. Antes de terminar, surgiu-me o título COVIL DE
GÊNIOS, uma crítica ao oportunismo dos membros da Academia Curvelana de Letras,
publicado no tablóide E agora?, não sendo escritores, sentando-se em cadeiras
de escritores consagrados mundialmente, e tendo já inspirado a humanidade a
tantas reflexões e meditações, e mesmo a tantas mudanças e transformações em
seus comportamentos e gestos, ostentando valores que não possuem, tornando-se
imortais sem obras, um verdadeiro acinte à cultura e às artes, e mesmo os que
têm algumas obritas publicadas, para se sentirem importantes e orgulhosos da
raça e estirpe, só para se justificar das coisas do caráter e personalidade
espúrios. Título e texto pequeno satírico fora o primeiro: o vocábulo “covil”
por si mesmo já suscita mofa, já é depreciativo, o vocábulo “gênio” já
identifica valores eternos, há um jogo de idéias neste título, com intenções
explícitas de crítica, de mofa. Houve outro título satírico antes desse,
TABERNÁCULO DE IMBECIS, mas o texto mesmo não é satírico nas suas linhas,
apenas nas entrelinhas.
A paixão pela sátira aumentou ainda mais. Escrevi
outros com o jegue, não especificamente Incitatus, os outros jegues não tinham
nomes, inspirado em Machado de Assis – sublinho: não conheci de Machado texto
sobre jegue, aquando escrevi a heptologia Utopia do Asno no Sertão Mineiro; o
conhecimento deste texto aconteceu quando adquiria a obra completa de Machado.
Aqui e ali outros, não com jegues, com vereadores, sátiras políticas, cujas
inspirações foram tiradas de meu mestre Machado de Assis, o maior sátiro de
nossas letras brasileiras. Políticos e política são objetos sui generis para a
sátira, são verdadeiramente uma aberração da natureza, creio até tratar-se do
sarcasmo e ironia de Deus dar a luz a estes homens. Em nossa comunidade, então,
tudo é propício para sátiras, os políticos estão mesmo à luz das críticas e
mofas di-versas. O primeiro destes textos que fora aceite unanimemente pelos
leitores foi o do Cabo Rego, militar reformado, sua especialidade era fazer
discursos; convidado pela Câmara Municipal para discursar num plenário de
votação de projeto de lei, depois de uma feijoada para os políticos e amigos,
depois de limparem as panelas da feijoada, foram à Câmara para o discurso e a
aprovação do projeto de lei. Não esperavam que a feijoada fosse dar resultados
tão rápidos, os presentes sujaram as calças, tiveram de fechar as portas para
uma limpeza geral do ambiente, três dias sem expediente público. Não pensava
que os leitores fossem admirar tanto a sátira, isto porque é uma crítica
picante, não há carapuças que não sirvam, não há quem esteja isento de mazelas
e condutas espúrias, a crítica se estende em todos os níveis, sejam sociais,
políticos, financeiros, individuais, religiosos, e ninguém gosta de se ver
retratado, as suas cositas estarem sendo re-veladas, mesmo que indiretamente,
todos se sentem discriminados, e como sempre alguns aparecem mais, os leitores
não têm dúvidas de que fulano ou beltrano estão ali sendo representados. É um
gênero perigoso, com ele o escritor corre riscos inestimáveis, às vezes
resultando em proibição da obra, em prisão. É preciso saber jogar, sem perder
as intenções risíveis. A sátira sempre fora, em toda a história dos gêneros
literários, a mais discriminada, e seus autores mais perseguidos, a sátira foi
maior divulgada na filosofia, dentre os autores Voltaire, Thomas Morus,
Nietzsche, em alguns de seus textos, Apuleio, e na literatura especialmente os
gregos e latinos, entre nós brasileiros não há quem supere Machado de Assis.
Não é um gênero muito difundido em nossa modernidade – na História da Cultura
Curvelana não há sátiros, há mais cronistas, contista, tenho orgulho de ser o
primeiro -, até hoje não muito aceite, devido ao nível de sarcasmo, ironia,
cinismo, e mesmo porque a Ditadura Militar silenciou e muito a sátira no
Brasil.
Desde sempre a in-aceitação de minha obra se funda
no fato de minha prolixidade, linguagem e estilo literário-filosóficos, sendo
difícil de entendimento e compreensão, o que os invejosos e ciumentos,
despeitados, sempre tiveram prazer em dizer acerca, comum o objetivo de
denegrir a minha imagem, de elevar a postura e conduta deles, os leitores em
geral não têm conhecimentos a priori de literatura e filosofia. Nos meus tempos
de jornal os editores irritavam-me com a exigência de mudança de linguagem e
estilo, deveria ser mais acessível aos leitores, escrever para o povo, não
deixei de lhes mandar catar coquinhos nos asfalto da Avenida Dom Pedro II.
Jamais dei atenção para tais exigências, não se muda o ser, pode-se aprimorar
aqui e ali.
Há quem possa imaginar que escrever sátiras seja um
modo de me aproximar dos leitores, minha obra ser mais inteligível e
compreensível, ser mais aceite e reconhecida por eles. Não. Não decidi escrever
sátiras com este propósito, intenção e objetivo. Sendo neto de palhaço, algum
sangue risível corre nas minhas veias. Lembra-me que percebi algo neste
sentido, o riso presente na obra, quando li uma passagem de Ópera do Silêncio,
sobre a maconha, que aliás fora repreendido por um padre, logo que fora
publicada, e cai na gargalhada. Achei estranho, pois nas linhas mesmas nada há
de risível nesta novela. Guardei comigo esta descoberta. Quem sabe nalgum tempo
de minha carreira a sátira não se revelaria. Continuei minhas andanças sem
forçar a barra, sem obrigar-me a enveredar pelos caminhos do sarcasmo, ironia,
cinismo deslavados, tudo tem o seu tempo, tudo tem a sua hora devida. Surgiu a
inspiração do “romance do jegue” entreguei-me de corpo e alma. Confesso que por
muito tempo fiquei na dúvida se era eu sátiro ou se escrevia sátira para
agradar os leitores, para o reconhecimento de meus valores ser mais rápido,
para vender mais os cadernos, o que seria sim objeto de crítica. Dúvida atroz.
Foram surgindo outras inspirações satíricas, e com a aceitação dos leitores,
enveredei-me neste caminho. No volume passado desta quadragésima edição, num
encontro que tive com Pe. Paulo Francisco, tendo lido para ele Bananada de
Políticos, teceu considerações que me levaram à consciência de minha veia
satírica, e mais alguns comentários de leitores e amigos, de Robertinho
Figueiredo, por exemplo, que sempre diz não vai demorar muito vou precisar de
dois guarda-costas e alguns batedores, estarei correndo sérios riscos, de sua
secretária, Valderez, que sempre tece considerações sobre a minha facilidade de
jogar com as palavras, sentidos, o humor fino, também as “meninas” da Casa de
Cultura, Hérika, Josiana, Marivete, que também falam do jogo de palavras, das
intenções de escarnecimento, como o escárnio com farinha. Em verdade, o
escarnecimento é de minha índole, amo escarnecer, cuido que seja perfeito, não
deixar de dar nós. O que tem razão o amigo: estava eu tomando uma cerveja e
fazendo algumas anotações para futuro texto no Bistrô da Cida, da última vez
que estive em Curvelo, quando um vereador chegou para almoçar. Há dois meses,
quando retornei de minha visita a Cordisburgo, o presidente da Câmara comprara
uma edição, e nela estava Bananada de Políticos. O vereador ficou completamente
incomodado com a minha presença, olhava-me de esguelha, remexia-se na cadeira,
pensando eu que a qualquer momento iria levantar-se, aproximar-se de minha
mesa, tecer as suas considerações de minhas atitudes críticas, o que não
aconteceu, felizmente – se houvesse acontecido, nada diria senão que se a
carapuça lhe serviu não era a minha intenção, não pensara especificamente nele
para escrever, em verdade não pensara em ninguém. E mesmo andando pela cidade
percebi alguns olhares fulminantes, claro o leitor comenta com alguém, este
alguém comenta com outros, a coisa se torna pública e notória, as minhas
sátiras estão incomodando, o que me deixa lisonjeado e orgulhoso, a intenção é
sim de descascar as manjocas, pepinos, destilar os ácidos críticos todos.
Devido a uma crise de falta de inspiração, escrevi
uma carta aberta aos amigos e leitores curvelanos, publicada em edição passada,
explicando que se o nível de minha obra sofresse declínio não era desmazelo nem
orgulhos da raça e da estirpe, sim por estar com problemas de inspiração. Assim
que terminei a missiva, a inspiração voltou, ainda mais presente e mais forte.
O primeiro texto que escrevi após esta missiva fora uma sátira. E outras, mais
outras, mais outras surgiram. Pensando bem a respeito da crise, concluíra que
de alguma forma estava forçando-me continuar com os textos tradicionais,
impedia-me de abrir outros horizontes e uni-versos, crescer e amadurecer as
minhas letras. Óbvio que daí para frente não escrevi só sátiras, há textos
tradicionais. Devo dizer que não me afastarei das sátiras, mas não centrarei meu
trabalho só nelas, continuarei escrevendo os meus textos de outrora. Não me
esqueço dos intelectuais reclamarem de Machado de Assis por haver deixado de
escrever poesias, haver-se dedicado à prosa.
O que o senhor, Dr. Antônio Carlos, está
questionando é sobre o que me levou a escrever sátiras. O vocábulo, verbo,
“levar” con-duz muitas vezes a uma determinação, ou seja, a coisa não acontece
espontaneamente, força-se-lhe, obriga-se-lhe, e mesmo se entrega a exigências
exteriores, por exemplo, “Fui levado a aceitar as coisas”. Nada ou ninguém me
levam às coisas, sou um espírito rebelde, em demasia orgulhoso de meus valores
intelectuais e sensíveis, sou escritor no sentido ipsis litteris do termo,
tenho sempre em mente e na sensibilidade que as coisas acontecem, se mudo ou
não, se transformo ou não, se sigo ou não as veredas e caminhos, se ando na
linha, correndo o risco de o expresso me pegar, isto é comigo, sou o único
responsável, não fui levado a escrever sátira, não fui levado a ser sátiro,
aconteceu espontaneamente, seguimento, continuidade das fases e dos processos
de minha vida. Mas há nas pré-fundas de meu ser o espírito da sátira, nas
minhas veias correm o sangue da insatisfação e da revolta com os destinos da
humanidade, da sociedade, do homem em si mesmo, quem perdera todos os sensos e
instintos dos valores e virtudes, impera em nossa modernidade e atualidade
todas as hipocrisias, farsas, falsidades, todas as espuriedades, pode-se até
dizer que no homem hoje habita o animal, a única diferença entre um e outro é a
fala.
Há-de se considerar também, nisto de escrever
sátiras, que a tensão de viver num lugar por que tenho verdadeiros nojos,
ascos, ojerizas, ódios, sendo o que sinto pela cidade de Diamantina e seu povo,
embora os poucos amigos que tenho, relações rápidas e eventuais, não procuro
ninguém, ninguém me procura, não freqüento lugar algum senão os botequins onde
tomo a minha cerveja e faço as minhas anotações de textos futuros, o grande
amigo mesmo sendo Pe. Renato Diniz Magalhães Filho – houve outro, Toninho
Fernandes, infelizmente falecido, filho de curvelanos -, curvelano residente
aqui, reitor do Seminário, não é fácil de suportar, agüentar, tolerar, e não
posso ir embora por ser casado lá. A sátira é a minha válvula de escape,
enquanto descasco as manjocas, crio risos e gargalhadas, não penso nestes
sentimentos, as angústias e tristezas que em mim habitam, jogo com eles,
tripudio, engabelo as tensões que vivo. Assim levo a vida na cidade. Com isto,
percebo as coisas com maior profundidade, critico com maior eficiência. Se a
sátira fosse apenas critica picante, escrever sátiras diamantinenses seria o
auge de minha carreira, mas ela não é só isso, é o desejo de mudanças,
transformações. A nossa sociedade curvelana com os seus hábitos e costumes de
aparência e hipocrisia não é fácil de engolir, mas amo a minha terra,
desejo-lhe mudanças e transformações, por isso escrevo sátiras curvelanas,
todas elas se centram, são originárias de Curvelo.
Então, se olharmos com olhos de lince algumas de
minhas características, não apenas nas sátiras, mas em grande parte da obra,
tais como flexibilidade com as palavras, jogo de idéias, sentidos, in-versão de
sentidos, começo “no inverso para atingir o verso verdadeiro”, uso de
expressões, ditos e ditados populares, adágios, humor fino, mistura do sério,
sarcástico e cômico, com abordagem risível das questões cruciais: o sentido da
realidade, o destino do homem, as hipocrisias, farsas, falsidades, aparências,
que estabelecem o caráter e a personalidade espúrios, que revelam as corrupções
e todas as deturpações do senso e da razão, percebe-se que chegaria à sátira
inevitavelmente, pois que tais características são da sátira, seria sátiro,
seria cômico, podia até demorar mais tempo para entregar-me a mim mesmo, ser quem
sou. Além disso, a presença da filosofia em toda a obra. Costumo dizer e pensar
que sem a filosofia não há mesmo possibilidade de escrever a sátira, pois que
ela é a crítica às idéias, aos costumes, à cultura. Não é fácil escrever
sátiras, de todos os gêneros é o que penso ser mais difícil, suas exigências
são inúmeras, contudo é nela que mais me sinto à vontade, livre e desimpedido,
nela abro todos os verbos da flexibilidade com as idéias, sentimentos, razão e
pensamentos.
Confesso que ainda não revelei o espírito satírico
que me habita, nas veias corre o sangue cômico, por duas razões cruciais: a
primeira é que pouco conheço de sátira, li muitas obras satíricas, quase nada
sobre a sátira, segundo por certo medo de conseqüências, como já disse é um gênero
perigoso. Dr. Éder Martins dissera-me algo que guardei: “Na sátira, o leitor
percebe coisas que ele nem atinava com elas”. Isto é verdade inconteste. A
sátira é uma adaga que enfia mesmo na alma e de lá tira tudo o que estava
escondido, retira as aparências todas, deixa o homem sem quaisquer escudos ou
sudários que escondam o seu verdadeiro caráter. Acredito que na sátira Bananada
de Políticos algo que o vereador com quem me encontrei no Bistrô da Cida não
desejava que ninguém soubesse, mas está nas entre-linhas e qualquer pessoa, se
ler com esmero, irá encontrar e logo dizer ser ele que está representado. É um
gênero bastante arriscado. Com o tempo, perderei este medo, descobrirei outras
características minhas que irão tripudiar e engabelar, mas ainda mais
arrancando de dentro dos homens o seu caráter espúrio e mesquinho.
Não fui levado à sátira, a sátira me veio devido às
características literário-filosóficas que estão a ela ligadas, que são delas,
que as id-entifica, mais ainda é da essência da “Razão In-versa”.
&A.C.S. – Em seus três anos de Razão In-versa,
qual ou quais as maiores dificuldades encontradas com relação à divulgação e
aceitação da sua obra?
#M.F.L. – Não encontro dificuldades de aceitação de
minha obra. A dificuldade que encontro diz respeito à divulgação. Venho a
Curvelo sempre no início do mês, chego na quarta-feira, retorno a casa na
sexta-feira, três dias apenas, ficando em hotel. O tempo é exíguo demais para
divulgar, é suficiente para entregar os exemplares aos leitores assíduos,
oferecer para outros. Não me dá possibilidade de trabalhar, buscar novos
leitores. Tirar as cópias nas papelarias é sempre um problema, normalmente
demora por volta de uma hora, o tempo é gasto à toa. Há alguns meses atrás
criei o hábito de em Diamantina tirar maior número de cópias, entre quatro ou
cinco, trazendo-as. Tornou-se mais fácil, até mais barata a cópia e
encadernação, embora as que trago não sejam suficientes, tenho de tirar outras,
o tempo vai embora com a maior facilidade. Precisaria ficar em Curvelo por uma
semana, aí sim a divulgação seria maior, mas não posso fazê-lo, primeiro que a
diária de hotel fica cara, segundo que minha esposa reclamaria muito, se eu
ficasse mais tempo. Esta é a única dificuldade que encontro para a divulgação
de minha obra. Contudo, nestes três anos, fiz uma boa divulgação, além de meus
leitores assíduos, os que adquirem todos os meses os exemplares, têm todos. À
medida do possível vou divulgando. Mês passado, quadragésima edição, ofereci
para alguém, dizendo-me não se interessaria, pois lhe disseram que sou escritor
de única obra, só Ópera do Silêncio tem seus valores, o resto não tem nenhuma,
o que compreendo, pois este colunista social tem sérios problemas de cotovelo,
se reencarnasse outras vezes não teria os meus dons e talentos. Já vendi nestes
anos mais de setecentos exemplares, e os leitores estão muito satisfeitos com a
leitura, e não medem palavras para os encômios di-versos. Em Diamantina, é bem
mais fácil, tenho todo o tempo para fazê-lo, contudo só vendo para alguns
poucos amigos, minha obra continua proibida de ser circulada nesta cidade,
continuará por sempre. Não aceito meu nome em Diamantina.
A.C.S. – Geralmente o reconhecimento de grandes
figuras só vem quando não se encontram mais entre nós. No seu caso, como um dos
grandes escritores Curvelanos com maior quantidade de obras escritas, sente que
já alcançou o reconhecimento merecido da população curvelana?
M.F.L. - Em nossa conversa, aquando fui apanhar a
sua entrevista, dissera-lhe que já me sinto realizado, isto não querendo dizer
que o reconhecimento merecido de nossa comunidade seja uma realidade. Sou
reconhecido sim, e isto percebo de meus leitores devido às suas atitudes e
comportamentos, olhares e palavras, comentários, admirações, sobretudo em
relação à quantidade de obras escritas, sendo objeto de questionamento de todos
vocês nas entrevistas ano passado publicadas neste suplemento-caderno, de onde
me vem tanta inspiração. O curvelano é essencialmente fechado, não revela os
seus pensamentos, não se deixa manifestar, mas sinto o reconhecimento, andando
pelas ruas sinto os olhares, escrevendo nos botequins e restaurantes sinto os
olhares, por vezes presencio os sorrisos esboçados no rosto, coisas que nunca
vi o curvelano fazer com aqueles que têm algum livro publicado.
Em primeira instância, falo um pouco da realização.
Curvelo, no que concerne à Literatura, sempre fora tripudiado, engabelado. Em
razão de que não somos um povo de conhecimentos literários, muito pouco se lê,
embora já tenha mudado muito, as pessoas não adquiriram este hábito, não sendo
culpa ou responsabilidade delas, sim do ensino de Literatura desvirtuado da
verdadeira essência dela, dos professores que usam da viseira do que lhes foi
ensinado na faculdade. Esse desconhecimento da Literatura, de sua função na
cultura, abriu caminhos di-versos para a permissividade e atitudes arbitrárias.
Não sabendo discernir o trigo do joio, o verdadeiro escritor e o oportunista da
literatura, possibilitou uma Academia de Letras de aparência, imperando a
farsa, a falsidade, a hipocrisia, as obras publicadas não preenchem os
requisitos da Literatura, linguagem, estilo, forma, mensagem, idéias, estética,
valores morais e éticos, além de a maioria nada escrever, e ninguém gritou,
contestou contra estes despautérios e disparates, aceitou o que estava
acontecendo, admitiu e consentiu os acintes à nossa cultura e artes. Como
fazê-lo, se a grande maioria dos membros estão diretamente ligados à política,
são políticos, e quem o fizer está arriscando a necessitar deles e não serem
atendidos devido às criticas, à não-aceitação de estarem na academia, por nada
escreverem? Quem não tem cão, caça com jegues. Curvelo estava caçando com
jegues. Desde Covil de Gênios e O Anticristo, textos escritos no tablóide E
agora?, cujos objetivos eram conscientizar a comunidade desta situação, apesar
das insatisfações dos asseclas e puxa-sacos, ninguém se rebelou – por que o
faria? Se o fizesse, iria apenas justificar, e a justificativa seria ainda pior
que a denúncia; mas todas as atenções se voltaram para mim: quem estava eu
pensando que era? Nos tempos de jornal, com apenas um texto publicado
mensalmente, difícil saber quem era; com Razão In-versa, sabem hoje quem sou,
tendo alguns leitores dito abertamente que sair do tablóide significou a
revelação de meus valores, dentre eles o meu querido amigo Dr. Antônio
Fernandes Drumond -, a Academia começou a ser questionada e olhada de soslaio.
Ao longo de quatro anos, desde então, com a aceitação de Razão In-versa, hoje
somando quarenta e uma edições, o curvelano está sabendo o que é ser escritor,
o que são obras literárias, está consciente de todas as farsas e falsidades,
não acreditam mais na imortalidade dos membros, riem de suas pernosticidades e
orgulhos indecentes, imorais. Uma das minhas realizações é esta: acabei com a
hipocrisia da Academia Curvelana de Letras – se ainda existe, é que os membros
não têm senso algum, insistem em continuar com as farsas, não sou eu quem lhes
vai calar, mas estão calados -, era um de meus objetivos, todos precisavam
saber o que é ser escritor, o que são obras literárias. A partir de mim,
ninguém mais vai aplaudir os farsantes. Recentemente, na estada de Ângelo
Antônio em Curvelo, faria uma palestra sobre um filme dele na faculdade, fui
convidado a ir a Curvelo, dentre as razões de não haver ido é que não entro
onde houver os falsos membros da Academia. “A hipocrisia não tem um leito de
flores no regaço de minha alma”.
Dizendo de outra realização, é a realidade
inconteste da aceitação de Razão In-versa, o carinho, consideração, admiração,
amizade que todos os leitores se me revelam, alguns têm todas as edições,
outros adquirem uma edição aqui, outra ali, e lêem, o que é mais importante.
Pergunto: quem tem todas as obras publicadas de Lúcio Cardoso, o nosso maior
escritor? Ninguém. Sei de alguém que ostenta todas as obras dele, mas entre ter
obras e ter inteligência para ler a distância é enorme.
Se ainda não tive o reconhecimento merecido,
atribuo isso não apenas ao fato de nossa comunidade muito pouco ler, mas ao de
minha índole crítica, não troco de camisa para destilar os ácidos críticos, não
tripudio com o que penso e sinto, não perdôo mesmo os despautérios e os jogos
de interesses, não considero as insatisfações e ódios, dizendo os leitores as
críticas serem quase diretas. Curvelo adquiriu o péssimo hábito de não dizer o
que pensa, não se manifestar, não diz suas verdades, porque tem medo de ser
discriminado, no futuro precisar de alguém a quem criticou e não poder fazê-lo.
Curvelo deu muita guarida às farsas e falsidades. Comigo a porca torce o rabo é
do lado contrário. Digo o que penso e sinto, não faço distinção entre “pensar”
e “sentir”. Sou homem corajoso, sou homem ousado, enfio a ponta da adaga nos
brios todos, não tenho medo de conseqüências, de olhares de esguelha, não tenho
medo de cara ruim. Ninguém estava acostumado com isso. Na pergunta anterior
disse do incômodo do vereador no restaurante, o seu incômodo era justamente
esse, a denúncia das falcatruas políticas que estão a cada dia aumentando em
nossa comunidade. Complementando a pergunta anterior, escrevo sátiras porque
elas me dão todas as chances e privilégios de criticar com propriedade, o riso
traz a consciência de muitas coisas que se encontram escondidas a sete chaves,
traz à consciência coisas que não se percebiam a olho nu, aprimora as visões
críticas, instiga o espírito e a sensibilidade a mergulharem mais fundo nos
rumos das questões sociais, políticas, econômicos e individuais, conscientizam
da realidade e do real das coisas, tornam o homem/leitor ciente das mazelas e
pitis do mundo e da vida.
Há quem acredite não haver ainda o reconhecimento
merecido se funda no fato de os professores nada dizerem sobre a minha obra. A
verdade é que muitos acreditam os professores têm todos os quesitos e
requisitos para a divulgação de uma obra, para a divulgação de um escritor.
Minha obra transcende e muito o que é ensinado nas escolas, escrevo mais para o
ensino superior, primando pelo mestrado e doutorado, e eles não têm qualquer interesse
em estudá-la, divulgá-la, falta-lhes o conhecimento filosófico. Ademais, sou
persona non grata nas escolas curvelanas, isto porque critiquei com todas as
letras o ensino, desde jovem, ainda nem imaginando que o sonho de escritor
seria um dia realidade, disse diretamente a muitos nada saberem do que
ensinavam. Meu amigo Dr. Oídes Rodrigues no curso de contabilidade chamou-me a
atenção diversas vezes para não ficar criticando a professora de Literatura,
ela primava pela perseguição a alunos.
Todas essas cositas são preponderantes no fato de
ainda não ter o reconhecimento merecido. Aliás, na nossa conversa em seu
escritório, disse-lhe que com o tempo isso será superado, o que conta são as
obras, há muitas obras a serem escritas, há muito a revelar de meus talentos e
dons. Sendo eu inédito em muitas coisas, o mais inédito é a
literatura-filosófica, ainda é cedo para os reconhecimentos merecidos. Não
espero, contudo, que o reconhecimento no futuro seja absoluto, isso é pura
fantasia, a história da literatura e da filosofia mostra isso muito bem, aliás,
o senhor mesmo em sua pergunta diz que o reconhecimento de grandes figuras só
vem quando não estão mais entre nós, isto é verdade, uma obra como a minha
transcende o momento presente, só mesmo quando não estiver aqui no mundo mais é
que a minha obra será reconhecida como merece. Não estou preocupado com isto. A
minha missão é escrever, é deixar obras no mundo, que só mais tarde serão
compreendidas e entendidas, serão objetos de estudo por sempre, e jamais me compreenderão
por inteiro. Curvelo ainda tem de amadurecer muito na literatura para se
aproximar de minha obra.
Sinto-me feliz com o reconhecimento de Razão
In-versa, três anos de circulação, muitas lutas, preocupações, esforços e
persistências, mas a cada mês ele conquista outros leitores, os leitores
apreciam mais as obras, a sátira está elevando mais o valor de minha obra, os
leitores estão muito satisfeitos, estão apreciando a minha veia cômica e
satírica. Para uma cidade que não sabia o que era ser escritor, não conhecia de
literatura-filosófica, estar circulando por três anos consecutivos, edição a
cada mês, é já haver atingido um nível de reconhecimento, é para me sentir
orgulhoso de meus méritos. Pense bem: o senhor pensa que se alguém decidir fazer
o mesmo que eu, criar a obra, sair pelas ruas vendendo, ele conseguirá vender
algum livro? Só se for com milagre divino. Não tem condições para isso. Em
quarenta e uma edições já publicados quase mil obras? Não há possibilidade, não
têm dons e talentos para isso. Sou inédito na Literatura Curvelana. Amigo
íntimo dissera-me que estou muito vaidoso, egocêntrico. Fazer o quê? Razão
In-versa e os leitores me fizeram assim, quem quiser que me faça outro, se
conseguir. Apenas sei de meus valores, tenho consciência deles, reconheço que
escrevo bem, reconheço que a minha literatura não é escrita em nossa
comunidade.
(**RIO DE JANEIRO**, 29 DE MARÇO DE 2017)
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