**BANANADA DE POLÍTICOS** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Bons dias!
Pensar, dedicar-se, entregar-se à satisfação da
clientela é dever de todos os empresários, de quem vende qualquer coisa, que se
prezem, desejam ganhar muito dinheiro, ser famosos, ter condições de comprar o
que bem lhes aprouver, é a lei do sistema capitalista, implacável, vale dizer,
e devem ser seguidos à risca todos os seus figurinos e manequins. Quem não o
faz acaba fechando as portas, com inimigos até por correspondência, dívidas as
mais difíceis de serem eliminadas, na miséria nua e crua, às portas das igrejas
esperando que o fiel deposite moeda de um centavo, de bago em bago a galinha,
frango, galo enchem o papo, Prolongam a existência – ou a vida? Os galináceos
não existem, eles simplesmente vivem? Não sei res-ponder a questão tão
delicada, precisaria consultar os sábios do templo de Delfos, estão meditando
no topo do Everest. Clientes são clientes, não se discute qualquer outra coisa,
e agradar-lhes é tarefa de deuses.
Proprietários de restaurantes, botequins devem se
preocupar com os gostos finos e refinados de seus clientes, pratos os mais
diversos e os mais deliciosos, não tanto com as bebidas, as mais procuradas são
as marcas diferentes de cerveja – deve sempre estar geladinha, para amenizar o
calor de porta de inferno como o de nosso município – nunca estive lá para
sabê-lo, mas é o que dizem com veemência, não cabendo discussão -, isto é uma
exigência inalienável dos clientes - e a apetitosa branquinha ou amarelinha,
algum dia haverá a azul e a verde, para as celebridades de ponta, completando
as cores da Bandeira Nacional, um ou outro gosta de vinho, uísque, campari,
vodka, gim, underberg. Mas, em se tratando da comida, as exigências são
inúmeras. Uns gostam dos pratos exóticos, outros gostam dos simples, uns gostam
de churrasco, outros de feijoada, outros de costela com mandioca, outros de
batatinha, tomate e pimentão, agradar a gregos e troianos é o mais difícil, por
isto dizem que a culinária é a arte mais difícil de ser real-izada, e ainda
ironizam: “Já pensou um prato feito por Van Gogh? Já pensou um prato feito por
Sócrates? Já pensou um prato feito por Machado de Assis, Guimarães Rosa,
Graciliano Ramos? Que eles fiquem com as suas artes específicas, não se metam a
gourmets”. Se bem que os atores sabem com perfeição fazer pratos deliciosos,
ganham de mil dos gourmets profissionais dos restaurantes de cinco estrelas.
Certa vez, num encontro de amigos intelectuais e artistas das letras e do
teatro, comi uma excelente salada de jurubeba, jiló, abóbora e pimentão, feita
pelo artista de mais renome, alfim estava fazendo cinema, meu Deus, quase fui
para o paraíso celestial curtir o prazer eterno.
E a sobremesa? Esta é a mais difícil, é o toque
final do almoço, do jantar, deve levar o cliente aos auspícios do prazer e do
gozo, para não dizer do clímax absoluto. Difícil. Para mim, não diz o menor
respeito, não gosto de doces ou coisas do gênero, comigo são sal e tempero, as
comidas simples são os meus pratos preferidos, os exóticos me enjoam com
algumas garfadas. Por mês inteiro, em São Paulo, comi comida árabe, já estava
matando camelo a vômitos. Que coisa desagradável? Os mesmos feijão, arroz, bife
triviais não enjoam, não enfaram, o estômago reclama quando não os há sobre a
mesa, quentinhos, arroz e feijão, bem acebolado o bife. Que delícia! Que entrem
e saem anos estejam sobre a mesa da cozinha!
Mas estive mesmo pensando em oferecer aos meus
leitores – fiz um pacto alimentício com a amiga Cida lá do Bistrô -, alfim são
dignos merecedores, têm a paciência e a boa vontade de ler as minhas coisas,
comentam com os amigos, tecem considerações elevadíssimas ao meu respeito, uma
excelente sobremesa, daquelas que só trazem prazeres aos gostos refinados e sem
finura alguma, daquelas que pedem mais, são comidas com gula, deixam o
indivíduo sem poder levantar-se da cadeira, olhos esbugalhados, respiração
contida. Estive pensando numa excelente “bananada”, nesta época de eleições, de
tomadas de posse dos respectivos cargos. É um doce típico da culinária
brasileira. Tem gente que gosta, tem gente que não gosta. Tem gente que come
por diplomacia na casa dos amigos, tem gente sincera, não sem diplomacia, que
rejeita e ainda faz cara ruim só de olhar para a compota. Mas a “bananada” que
vou oferecer aos meus leitores será bem diferente, agradará a saduceus,
fariseus e hebreus, filisteus. Não é de banana caturra, não é de banana nanica,
não é de qualquer outra qualidade de banana. Não é daquela bem docinha que o
povo gosta, aprecia, venera, não. Há quem sem banana no desjejum, depois do
almoço, no lanche, leite com banana e açúcar, não conseguem comer, como o nosso
povo que tem de ter a carne, sem ela não almoçam, não jantam, passarão o resto
da vida em jejum. Há quem só brinca de madrugada se comer uma caturra, e depois
dorme o sono dos querubins.
Perguntar-me-ão os leitores: “Mas que bananada é
esta que não é feita de bananas? Para ser bananada tem de ser feita de banana.
Não existe bananada de pêssego, de pêssego é pessegada, de manga é mangada, de
pepino é pepinada. A minha imaginação fértil não está indo longe demais? Devo
tomar cuidado com a sandice!”. Não, leitores, não incorreria numa presepada
deste calibre, oferecer bananada de figo, aí se trata de despautério, é até
lhes chamar de sonsos, não sabem discernir banana de figo. Aí não. São
merecedores de carinho, ternura, gratidão sensível, espiritual, cordial. Depois
das letras, uma excelente bananada ou banana com leite e açúcar ajuda a
recompor os neurônios gastos, a inspirar a outras jornadas além da contingência
e do espírito, além dos desejos e frustrações, além dos fracassos e mortes de
tudo e de todos.
Esta bananada é feita por novos gourmets,
especialistas mesmo, dizem ficar uma delícia, estala-se a língua de tanto
prazer. E quem diria quem são? Nunca me passou pela cabeça este talento deles.
De onde menos se espera é que a coisa se revela pura e cristalina. São os
políticos. Depois do expediente vão para casa prepará-la, vestem à categoria,
de toca, avental e tudo. A bananada é feita pelos políticos, digamos,
“confusos”, “perdidos”, “alienados” que confundem sem qualquer pejo ou vergonha
dinheiro seu com dinheiro do povo. Coisas da política. Pois é. Passem os
séculos, entrem milênios, as coisas da política continuarão as mesmas, o
império da mesmidade política é eterno, passem as democracias, passem as
repúblicas, passem os conservadores, passem os liberais, passem as ditaduras,
passem os comunismos e os reinados. A espécie de banana aqui é outra. Sabem
daquela esplendorosa e magnífica banana que os fajutos oferecem ao povo toda
vez que os políticos recebem seus salários? Sabem daquela banana que os
políticos fajutos servem toda vez que viajam e fazem turismo com o dinheiro público,
voltam do exterior entupigaitados de novidades estrangeiras, presentes para os
amigos e correligionários, ornamentos e arrebiques para suas residências,
roupas de grife para as esposas e secretárias de assuntos aleatórios? Sabem
daquela banana que os políticos servem assim que terminam as eleições, foram
eleitos, vão sentar-se na cadeira giratória, vão palitar os dentes, fumar
charutos e fazer bolinhas com a fumaça, vão desfrutar os banquetes, vão
motelizar as coisas dos instintos carnais? Sabem daqueles políticos que chamam
artistas de vendedores de bananas? Artistas plásticos, escritores, músicos,
artistas de cinema, inspiraram-se nas bananas. Carmem Miranda colocou bananas
na cabeça. Os artistas são inferiores por causa da banana, tais políticos superiores
por seu cargo político, por seus anéis, medalhões, patentes e cositas mais.
Então. É essa espécie de banana que vai servir para fazer nossa bananada. A
amiga Cida até me perguntou como é que nós vamos conseguir obter todas estas
coisas para a nossa bananada; pergunta percuciente, o interesse é de servir aos
clientes de todos os gostos e ideologias, até mesmo os alienados de freios e
ferraduras.
Apesar de dizerem que a casca de banana possui
muitas vitaminas, são excelentes para a preservação da boa e saudável saúde,
não se usa a casca das bananas numa bananada. Recomendo aos leitores que
prestem bastante atenção, muito cuidado mesmo, com o terreno onde estão
pisando., com as pedras e buracos das calçadas em que os solados dos sapatos
estão tocando. É que os políticos fajutos costumam deixar rastros, não olham
para onde jogam as cascas, jogam à revelia, a deus-dará, a todos os ventos e
sibilos, confundem as cascas com os acenos em carro aberto quando estão na
campanha eleitoral, quando estão tentando angariar os votos de todos, sejam dos
inimigos, íntimos, amigos, da família, de todas as adjacências da comunidade.
Não desejo que os meus leitores, após provarem e degustarem o sabor divino e
delicioso desta bananada, sentindo-se nas nuvens de tantos prazeres, dando nós
em pingo dágua de tanta felicidade, tomem um escorregão daqueles em plena rua,
tornando-se objeto de risos e galhofas dos transeuntes, e as palavritas
sarcásticas: “Tomou um tombo na banana do vereador Y? Logo na dele! Isto é que
é azar!” E jamais serão esquecidos, algum cronista no futuro servirá do tombo
para se tornar famoso nesta difícil tarefa das letras e da apreciação pública –
no futuro, não haverá sátiros! Paciência! Difícil as idéias populares
encaixarem-se nas filosóficas.
Também devo ad-vertir os leitores que são
apaixonados com bananada, comem até empaturrar-se, que comam com moderação, o
doce é mesmo delicioso, mas tudo que passa dos limites tem suas conseqüências.
Num jantar entre delegados, promotores, juízes, prefeitos, deputados,
vereadores, alguém caprichou na sobremesa de bananada, depois de tomar algumas
doses a mais da branquinha, doce com branquinha é perigoso, nunca se sabe o que
pode acontecer, coisa boa jamais será. Resolveu casar com a bela, inteligente,
sensível, culta e intelectual mulher que o acompanhava. Ao acordar no dia
seguinte, descobriu que tinha trocado alianças e juras eternas de amor com um
trubufu de dar medo, botar o capeta para correr, sem olhar para trás, sem
lembrar-se do passado, os fantasmas retornarem às respectivas tumbas. E não é
que a autoridade queria colocar a culpa na bananada e nos aperitivos? Ora, a
culpa era somente dele que não deveria ter misturado metanol com doce, isto é
até suicídio, queria morrer e jamais ser lembrado nem pela vida. Tem gente que
está misturando tudo em nome da política, misturando alhos com bugalhos, trigo
com joio... Depois vai querer colocar a culpa em quê? No destino? No eleitor?
Na vida? Na onda de azar que baixou nele? No mar de desgraças em que se
mergulhou? Nas ondas de tragédias que encobriram a sua realidade? Quem escolheu
o par foi ele, ora essa... Depois não vai dizer que casou com mulher feia, que
nem tem coragem de sair com ela, levá-la aos eventos sociais, políticos, às
festinhas, no Palácio do Planalto para pedir verbas ao Presidente e à sua
equipe, para os feitos sociais, na hora do bem-bom o velho e surrado
travesseiro serve para cobrir a cara... Pois é... São os tais casos... Se o
ditado diz: “Diga com quem anda que lhe direi quem é”, devo dizer nestas
circunstâncias: “Diga quantas compotas de bananada comeu, quantas doses de
aperitivo tomou, com quem foi que estava, direi o resultado da eleição”.
Leitores, a minha recomendação é das mais prudentes
possíveis. Adoro costelinha de porco com jiló, quiabo, maxixe, cenourinha
amarela, haverá algum dia a verde, a azul, a branca, pepino de casca verde
escura, quase preta, mas sempre tomo o maior cuidado, só como o que posso, e só
bebo três doses da branquinha para acompanhar. Mistureba jamais deu em boa coisa.
Isso, na bebida é um perigo. O indivíduo desanda a falar o que não deve, a
julgar os homens e os indivíduos por suas ações, atitudes, ideologias, sonhos e
utopias, chamar autoridade de canalha, canalha de autoridade, imbecil de
intelectual, intelectual de imbecil, cristãos de ateus, ateus de cristãos, e a
fazer o que só vai lhe trazer arrependimentos mais tarde, fora os tombos que
tomarão até chegar a casa.
Mas num caso deste, quando a coisa é muito gostosa,
não mediu o tamanho do estômago, era comer e beber até mais não poder, há uma
solução das mais divinas, é “pá-e-bife”, tudo se escafede num abrir e fechar de
olhos. São os famosos chás de boldo e um sonrisal para tomar no dia seguinte,
de preferência em desjejum, quando abre os olhos e descobre que o dia
amanheceu, todos os sonhos e utopias serão outros bem diferentes. Dependendo da
companhia a ressaca é braba pra “bedel”! Tem político aí que está com dor de
cabeça e pagando conta até hoje, vai acabar no vermelho absoluto, pagará até
mesmo quando não mais existir qualquer moleculazinha de cinza em sua cova, e
inventando outros impostos e tributos para resolver a miséria, ter um tostão
para comprar única banana nanica para tripudiar a fome.
Vocês, caríssimos leitores, que, por só lerem este
texto, estão salivando com a delícia da bananada de políticos, estão mesmo com
desejos de comê-la, degustá-la, apreciá-la, a amiga Cida lá do Bistrô tem o
dever de comunicar que esta guloseima só será servida durante esta semana, com
um desconto especial para quem levar este texto com a minha assinatura real
acima da digitada. Será servida somente esta semana porque, caso contrário, as
outras sobremesas cairão do galho, o mesmo num restaurante também fecha as
portas.
Desejo-lhes, a todos os leitores, e mesmo os que não
me lêem, e estão presentes no Bistrô para a bananada de políticos, “bon
apetit”, mas comam com moderação, e não vão misturar doce com aperitivo, são
duas coisas bem contrárias, e com efeito não fazem bem ao estômago refinado de
vocês.
(**RIO DE JANEIRO**, 30 DE MARÇO DE 2017)
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