RES POSTA AO COMENTÁRIO DA ESCRITORA E POETISA Maria Isabel Cunha À SÁTIRA /**À SOLEIRA DE UM RIO SEM MARGENS**/
Na verdade, meu Amigo, para se conhecer ou fazer uma ideia sobre as
coisas e os sentimentos é necessário, conhecê-los em profundidade, havê-los
experimentado, ter convivido com eles, estudar o que originou determinado
comportamento. Não devemos falar de algo sem conhecimento profundo do mesmo. Há
pessoas que criticam certos comportamentos sem conhecimento prévio do que
ocasionou tais comportamentos. Falam à priori e acontece que isso se torna
censura infundada, o que é reprovável.
O escritor Manoel Ferreira Neto menciona que percorreu todos os meandros
" do rio sem margens" à procura da verdade e nunca se deu por
satisfeito. Assim é, estimado escritor, quanto mais se sobe na escala do saber,
mais ínfimos nos tornamos, perante a imensidade e complexidade da sua
totalidade. Somos sabedores de uma pequena poeira do conhecimento. Acontece
que, quanto menor é a poeira, mais se considera importante e conhecedor. Os
sábios são sempre os mais humildes. Aprendamos com eles. Parabéns. Um abraço.
Maria Isabel Cunha
Nas estradas de poeiras e margens, após ter acenado ao rio sem margens,
aconteceu o re-encontro com a fonte dos sonhos, a origem da entrega, encontro
que só me faz crescer, amadurecer. Jamais pensei que este re-encontro fosse se
realizar algum dia. Agora, caminhamos juntos.
Manoel Ferreira Neto
**À SOLEIRA DE UM RIO SEM MARGENS**
PINTURA: Graça Fontis
SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
De fato, todo aquele que pensa como pensa a si próprio e ao mundo, à
terra em que habita e existe suas contingências, visão-de-mundo,
visão-da-existência, há de confessar pública e notoriamente que andou por algum
tempo ou por longo nas calçadas ensombrecidas, nos terrenos baldios, nos becos,
vendou os próprios olhos, tapou os próprios ouvidos. Se há quem diga "Não
é assim não. A coisa não se dá desta forma?", só tenho a dizer-lhe assim
tão simples que para a consciência estar presente, ser efetiva, éritos e érisis
pretéritos foram vividos, vivenciados, experimentados com todo fervor.
Andar à soleira de um rio sem margens é ainda muito mais vergonhoso que
nas calças ensombrecidas, terrenos baldios, becos, pois que se imagina nada ser
no mundo, não trazer em si dentro quaisquer valores dignos de re-conhecimento,
e sempre atribuindo, conferindo ao outro suprema inteligência, divina
sensibilidade, outro que não só vê e enxerga as margens do rio, trilha-a
satisfeito e imbuído de todos os orgulhos e vaidades, inda sendo capaz de criar
a terceira margem deste rio, acreditando ser ele próprio filho das musas e
homem de cultura mais que elevada, trans-cendental em todos os níveis que for
possível conceber.
Andando à soleira deste rio sem margens, em companhia do outro a quem
atribuía todos os méritos, louvores, sorrisos na face, brilhos nos olhos por
sentir-se ele firmemente convicto de que sua "cultura", sua
"intelectualidade" era a expressão plena e completa do autêntico
conhecimento da vida, das artes, da existência, das religiões, das ciências e,
visto que ombreava e encontrava em toda parte pessoas instruídas de sua
espécie, laia e estirpe, evoluía com o sentimento vitorioso de ser o digno
re-presentante da uni-versalidade do conhecimento e formulava, como tal, suas
exigências e pretensões, suas reivindicações e intenções. Para que direção
seguisse, logo participava de uma convenção tácita sobre uma multidão de
assuntos, de idéias artísticas, filosóficas, religiosas, notadamente no domínio
da religião e da arte. Este "tutti unisono" espontâneo, extrovertido
o induzia a julgar-se diante da uni-versalidade, diante do conhecimento uni-versal
O mundo foi girando, rodando na sola de meus sapatos já bastante gastos
de tanto trilhar a soleira do rio sem margens, quase mesmo furados, julgando-me
zero à esquerda, zero obtuso.
Num determinado sítio de nossas andanças, percebendo o obstáculo de todos
os espíritos vigorosos e criadores, o labirinto de todos os incertos e os
desgarrados, o nevoeiro deletério em que se asfixiam todos os germes vivos,
virei-me à esquerda, acenei-lhe a mão, não era um espírito acanhado e vulgar,
nalgum lugar outro senão aquela soleira do rio sem margens o verdadeiro
espírito, jamais julgar haver encontrado a verdade, a uni-versalidade do
conhecimento, das ciências e das artes.
Ainda sendo possível ver-lhe à distância, lembrou-me música que no
momento parafraseei:
E o filisteu seguiu seu caminho,
Nalgum porto do olimpo terrestre,
Os homens entre palmas eufóricas,
Cantando-lhe:
"O filisteu alfim chegou,
Estamos contentes e felizes,
Por que razão demorou tanto
Para nos ensinar todas as lições
Do espírito do conhecimento e da verdade."
Há tantos patetas disfarçados de intelectuais e poetas! E continuei as
minhas andanças pelas estradas de poeiras, possuindo as duas margens.
(**RIO DE JANEIRO**, 28 DE MARÇO DE 2017)
Comentários
Postar um comentário