**AQUI ESTOU COM TODO O TEMPO DO MUNDO** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Não se preocupe... Não há qualquer pressa... Aqui estou com todo o tempo
do mundo.
Que me conste, ninguém inda relatou o seu próprio delírio; se me não
faltam engenho e arte, faço-o eu, e a ciência irá com efeito tecer-me todos os
tributos, entupigaitar-me de todas as glórias, empanzinar-me de sucessos e
famas. Se há alguém a quem isto não diz qualquer respeito, enoja-lhe tais
relatos, cumpre-lhe não ler única palavra. Não seria interessante raspar as
palavras com a retina dos olhos para fugir às fantasias e quimeras da
existência?
Passagem... Travessia... No horizonte além do "sou" de mim,
dispersos, esvoaçam-se, desnorteados, sentimentos, emoções sem nexos, perguntas
sem respostas, respostas sem perguntas, olhos no espaço, ensimesmados, sem
brilho algum, névoa cobre-lhes, sensações disparatadas, o que fora de mim
ontem, o que ontem fora de mim, pretérito sem verbo.
Pontear de versos o nada que re-colhe e a-colhe as dimensões sensíveis,
contingenciais e intelectuais da criação, tornando-as objetos de re-flexão e
busca de outros horizontes, desejando o In-finito. Pontear de nada os verbos da
inspiração que, com sua dimensão de criatividade, concebe a consciência e a
arte da con-ting-ência, a liberdade e a criatividade, engendrada no quotidiano
das contradições e dialéticas, efêmero, querência do eterno, ESTAR-NO-MUNDO.
Nada há que algeme, acorrente.
Debruçado à janela, con-templo a distância, esgarçaram-se os nós das
certezas, desbotaram-se os versos dos sonhos que revelavam a sensibilidade e a
inspiração, esgarçou-se o aqui onde o tempo gira a roda-viva, onde o ser
des-vela o espírito eterno, a busca na contingência da vida é sempre o verbo
eterno. Critico severo de si mesmo, à busca da imperfeição perfeita, partindo
do in-verso para atingir o verso verdadeiro.
Não se preocupe... Não há qualquer pressa... Aqui estou com todo o tempo
do mundo.
Há um homem sentado no meio-fio da casa de frente, cotovelos sobre os
joelhos, mãos amparando o queixo. Talvez um boêmio retornando a casa, após a
farra da madrugada. Talvez um andarilho, mas as vestes não são de um. Quem é
não o sei. Nunca o vi. Levanta-se. Segue o seu caminho.
Seja por que caminhos trilhar até o(ao) seu lar, alguma coisa dói, faz
sofrer, angústias, tristezas, fracassos, o pulsar do coração comedido, e isto
por quanto tempo, ninguém o sabe. Aos vencidos, as bananas bem descascadas, sem
qualquer fiapo da casca.
Passava na rua ontem à tarde, ombreando-me com uma irmã de caridade,
havia muito não nos encontrávamos, perguntei-lhe se estava bem, respondeu-me
que sim, perguntei-lhe sobre a nossa amiga em comum, hoje, residente em Lisboa,
Ernanda Alvarenga estava bem. Perguntei-me se ela passaria naquela calçada
àquela hora, se eu também não estivesse passando, teríamos de nos ombrear, mas
por quê? - enquanto trocávamos aqueles poucos dedos de prosa.
Despedimo-nos. Indo embora para casa, lembrava-me Ernanda, nossas longas
conversas, nossas desavenças intelectuais às vezes, mas relevávamos, no mesmo
intante o sorriso, a alegria de nossos encontros. Éritos do passado. Diria ela
mesma, se conversássemos à respeito: "Hoje são as éresis à busca das
iríadas". Achava essa linguagem dela tão peculiar, tão ela mesma, quando
de alguma nostalgia, melancolia ou mesmo a saudade. Certa vez, perguntei-lhe o
que significa isto de "Hoje são as éresis à buscas das iríadas",
respondeu-me tão simplesmente, e era mesmo o que pensava e sentia:
"Criemos hoje, pensando no amanhã. Criatividade..."
O que isto tem em comum? Em que entrelaçam as "mãos"?
A história se repete, mas não com os mesmos fatos. Continuo absurdo,
continuo imperfeito, percorri tantas ruas, tantas avenidas, comi o pão que o
diabo amassou com o rabo, lambi as côdeas do pão agarradas nos pelos do rabo
dia-bólico, respostas sem perguntas, perguntas sem respostas, experiências,
vivências. Canta o galo nalgum galinheiro, seria que alguma galinha arrepiasse
as penas de raiva por ser acordada antes da primeira luz do dia.
Acendo um cigarro, dou a primeira tragada, con-templo a fumaça
esvaecendo-se no ar.
Imperfeito absurdo... E eu que pensei na travessia de tantas pontes
partidas chegaria o instante em que me espreguiçaria solto e leve numa rede no
alpendre de minha residência. Certezas, seguranças, bem-estar senti-os
presentes, esbocei longos e alvissareiros sorrisos, esvaecem-se hoje.
A metáfora da vida é a verdade do sentimento de amor.
Não pensei fosse amar, con-templaria o amor, des-cobriria o verbo do
amor, des-vendaria os tempos do verbo amar no sonho de saber quem sou. O amor
que me habita desde o instante em que abri os olhos no mundo agora é a verdade
de mim. Por que o vazio dos sentimentos, por que o vazio do ser das metáforas,
por que o vazio dos versos e estrofes do soneto das sendas da alma à busca dos
caminhos de luz nas trevas, por que o vazio nas bordas do lince do olhar que
con-templa o múltiplo no espelho convexo de miríades côncavas do não-ser
sed-uzindo a borboleta que voa livre sobre as flores amarelas do ipê?
O amor revela sendas, anuncia veredas. O que me sou sentido algum tem,
as metáforas dos versos e estrofes de minha língua que se vai movimentando no
espaço da boca, pro-nunciava a etern-itude etern-itária do ser enovelando-se
com o eidos do perene volatizou-se.
Quem do sou de mim efemerizar-se-á, o eu de minhas éresis dos sonhos, e
o que a-nunciarão as esperanças?
Não se preocupe... não há qualquer pressa... Aqui estou com todo o tempo
do mundo.
(**RIO DE JANEIRO**, 26 DE MARÇO DE 2017)
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