PAULO URSINE KRETTLI CRÍTICO LITERÁRIO ESCRITOR E POETA COMENTA A SÁTIRA /**CANTO DAS RÃS**/
Um estilo de época se preconiza ou dá por premissas, ou melhor pelo
silogismo. Vê-se isso em todos os estilos de época, na medida em que um estilo
negava o outro, ou mesmo voltava ao anterior desse, ou seja, duas premissas
postas e a terceira, conclusiva (se é que se pode concluir algo de alguma
premissa), vamos dizer assim, se sobrepunha conforme o processo histórico e os
interesses mais contundentes de uma sociedade. O classicismo ganhou projeção
por causa da ascensão da burguesia comercial e do crescimento econômico das
cidades europeias; o barroco se projetou quando a Europa, Portugal em
particular, enfrentava grave crise econômica e social, permitindo, com isso, o
surgimento o dual do homem em suas proposições face à vida, ao pensamento; em
seguida, o arcadismo que vislumbrava a reforma do espírito e a valorização do
saber racional, exibindo a cultura clássica (ou seja, retomando alguns
princípios do classicismo). Essa luta chegou e se instalou no modernismo e esse
se salvaguardou no dadaísmo, no futurismo, no cubismo, no expressionismo, no
surrealismo, todos europeus, e no concretismo brasileiro.
Em barroco moderno, não se nega o modernismo; ao contrário, amplia-o,
aprofunda-o, afunila-o; estamos, aqui, diante de um silogismo, quando se
credita facetas tão discordantes como ampliar, aprofundar e afunilar a esse
estilo peculiar que se transcende. Outro ímpeto: sarcasmos e ironias
(aparentemente a mesma coisa) que perambulam, se defrontam e se unem à
sensibilidade, busca, esperança, amor (etc e tal) na prosa e versos de Manoel
Ferreira Neto; e, a tal ponto, que não se sabe da veracidade (mesmo dos sonhos
e dos duendes mitológicos do grande império de Olimpo), deles.
Mais que silogismo, ou silogismos, nota-se que barroco moderno confirma
a impurezas do barro a que se filtrou o modernismo e a sociedade moderna, a
ponto de entrar em cisão com seus próprios conflitos, sejam quais forem, a
ponto da tirania dos poderosos querer mais um pouco da maioria humana que os
mantém, a ponto do duelar homem X mulher, corpo X alma, claridade X escuridão,
escritor X leitor, igualando-os nos sofismas a que se atribuem.
Qual silogismo, então, quer-se sobrepor a si em seus fantasmas ou
razões, ambos irracionais nessas contradições a que nos contracenamos na vida
real (se é que existe vida real!) e nos germes/vermes dos palcos que aplaudem e
vaiam, que embelezam e esfacelam, que, sem conhecerem os dogmas e raciocínios
de quem enuncia, seguem-no na plenitude do endeusamento e fracasso?
Essa proeminência dos conflitos e o assomo de suas latitudes verticais
gravitam na horizontal epopeia que trafega por contrastes aos sonhos e
fantasias que se confrontam e se contornam em algum ponto do narcisismo, do
oásis, da seara.
Paulo Ursine Krettli
**CANTO DAS RÃS**
PINTURA: Graça Fontis
SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
POST-SCRIPTUM: As línguas de trapo cantam interpretações errôneas que é
uma beleza. Esquecem-se que a interpretação de Sátiras só é verdadeira se o for
na **Terceira Margem do Inter-dito**.
Meu Deus, uma noite de só língua cansa! Antes língua a noite inteira do
que dormir sem língua alguma - sono com carência linguística é desagradável: a
noite custa a passar.
A primeira língua do homem, a língua mais uni-versal, a mais enérgica e
a única de que se necessitou antes de precisar-se persuadir homens reunidos, é
o grito da natureza. Mas haja natureza para uma noite só de língua. Os
instintos mais prementes reclamam por outra coisa.
Como esse grito só era proferido por uma espécie de instinto nas
ocasiões mais prementes, para rogar socorro nos grandes perigos ou alívio nas
dores violentas, pujantes, não era de muito uso no curso comum da vida, onde
reinam sentimentos mais moderados.
Quando as libidos dos homens começaram a estender-se e a multiplicar-se,
e se estabeleceu entre elas comunicação mais íntima, procuraram sinais mais
numerosos, gestos mais excitantes, e uma língua mais extensa com a pontinha
mais fina, assim podia tocar o brotinho dos sentimentos e das emoções com mais
desejos, mais volúpias, e as palavras silenciavam-se todas, os suspiros
comedidos ou estapafúrdios diziam a língua do prazer, do gozo.
Dizem as más línguas que assim nasceu o cantar das rãs à beira da lagoa,
os suspiros comedidos ou estapafúrdios que diziam a língua do prazer e do gozo
as emocionavam e agradavam. Mas até a travessia do coaxar, que é a língua das
rãs, ao cantar, quantas noites de só língua foram necessárias.
Sinceramente, fico estupidificado com a força, com o poder da língua:
faz a rã cantar ao invés de coaxar.
(**RIO DE JANEIRO**, 24 DE MARÇO DE 2017)
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