**SÉTIMA PRE-FUNDA DO INFERNO** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
O homem nasce doido a sociedade cura.
Acusar-me-ão as línguas de sogra, especialmente as dos críticos
literários encasquetados com a originalidade e autenticidade - dizendo-lhes eu
com os verbos na ponta da lingua: "Os críticos vão; os escritores
ficam" -, de parafrasear Jean-Jacques Rousseau na sua célere frase:
"O homem nasce puro, a sociedade corrompe".
São duas épocas diferentes, a de Rousseau, a de nossa Modernidade, se é
que lhe possa chamar assim, pois que os deuses do conhecimento e da
intelectualidade a chamam de IDADE TRANS-MODERNA ou TRANS-MODERNIDADE. Hoje,
homem algum nasce puro, já nasce corrupto, e seu lugarzinho especial na sétima
pre-funda do inferno está reservado, ninguém roubará a sua cena, ninguém lhe
tirará o que é de direito. Mas jogando as cartas sobre a mesa, sem coringa
sequer, a verdade é que atualmente o homem nasce despirocado, des-conectado,
louco de pedra, com os instintos de trans-gressão das leis, dogmas, preceitos,
morais e éticas, princípios à flor da pele, mas, no passar do tempo, a
sociedade lhe vai mostrando os pingos nos iis, para que sobreviva é preciso, em
primeira instância, seguir o rebanho, rebanho de ovelhas alucinadas pelo poder,
pelas glórias, para que viva faz-se mister aceitar e ad-mitir hipocrisias,
farsas, falsidades, aparências, entregar-se ao dinheiro, aos bens materiais,
pois que são a semente e o húmus da vida, sem eles nada é ou será. Curar a
loucura, doidice com hipocrisias, farsas, falsidades, aparências que supremo
valor este da Trans-modernidade.
E o doido, ensandecido com a morte, aquele medo horroroso de morrer
doido e haver passado a vida em negras nuvens - se é que doido sabe o que é
isto, a morte -, assina a papelada da lealdade e fidelidade, através do beijo
molhado nas páginas, das digitais, não sabem ler ou escrever, sem ao menos haver
atinado com tudo que a sociedade canta, decanta, declama, recita por todos os
cantos e re-cantos. Um cadáver de louco é um belo pensamento para o verme e o
verme é um pensamento horrível para o louco vivinho da silva. Os vermes, desde
a essência que lhes habita os interstícios, âmagos e redutos sonham com um
reino celeste sob a forma de um corpo bem gordo, os professores de psicanálise,
psiquiatria procuram o deles, o reino celeste, remexendo as entranhas de
Schopenhauer e enquanto houver roedores haverá também um paraíso de roedores.
O simples fato de se per-mitir, con-sentir sua loucura, haver nascido
louco, é em si uma confissão. Todos tem o direito de escrever a própria
biografia desde nascer doido até o seu conserto, até a sua cura, depois dos quarenta
anos. E já que a paráfrase de Jean-Jacques Rousseau se mostra desde o início,
parafraseemos outra coisa: "Não acredite nos loucos depois dos quarenta,
estão perfeitamente consertados e curados", que foi, digamos assim, um
lema dos anos 60: "Não acredite nos homens depois dos trinta anos".
De fato, mesmo o mais louco está por vezes no caso de ter vivido algum segundo
de plena sanidade mental, de ter visto de perto o que é isto de
maria-vai-com-as-outras, os benefícios que traz, as glórias que recebe, coisas
que para um pensador de escol pode parecer algo de precioso e digno de atenção.
Confessar a própria cura da sandice despirocadamente louca é desde a eternidade
ao infinito mais pretensioso, pois, isso supõe que o louco que confessa sua
cura com as verdades da sociedade confere importância não somente ao processo
que vai do nascer pirado até a insustentável leveza da normalidade, mas também
ao que acreditou e acredita ser o seu conserto, a sua cura.
Há-de se indagar, questionar, perguntar se há dois seres exatamente
iguais, o louco e o normal, e que a lei da di-versidade individual fundamenta
toda a evolução do homem desde o seu nascimento psiquicamente des-virtuado até
o ápice do filisteu instruído.
Mas qual é a idéia da sociedade que cura o louco: "Age como se não
houvessem diferenças individuais."
(**RIO DE JANEIRO**, 27 DE MARÇO DE 2017)
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