**DOIDO, LOUCO, VARRIDO, PSICOPATA, ESQUIZÓIDE** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Estou sentado na cama... É sim, estou sentado na cama... Gosto
desenxabido na boca... O estômago embrulhando... Olho os dedos se movimentando
nas letras, escrevo sem rumo e sem destino... O que me vai aparecendo na mente,
letras, palavras, palavras, letras... Só tenho as palavras em que me segurar,
são as minhas companheiras... A neblina cobrindo as coisas é densa...
Interrompi por um instante...Quando o estômago embrulha a pressão está
baixa... Não é a pressão que baixou... Mal estar, Gosto de cabo de guarda-chuva
na boca... Até quando vou continuar caindo neste buraco sem fundo... O abismo
tem fundo desde que eu queira... O psiquiatra me disse faz anos que no instante
da crise de vazio escrevesse, escrevesse... As palavras recuperam o mundo. A
comunicação com as coisas é impossível porque elas não tem subjetividade, a
comunicação com as pessoas é impossível porque elas tem subjetividade. Doido,
louco, varrido, psicopata, esquizóide. Mesmo sem sentido escrevendo. Meu Deus
as vistas estão escurecendo... Preciso, preciso, preciso... De que preciso...
Preciso de luz existencial? Quiçá seja verdade! Creio haja remontado à
"era medieval", onde a escuridão é plena, é absoluta, está-se por
sempre trancado a sete chaves no breu insofismável.
No cantinho entre duas estantes, estilo clássico, agachado, emborcado
com as mãos cobrindo a face, pensamentos, idéias, utopias sarapalhados,
cógnitas in introspectivas indagações, perguntas de nada, perguntas vazias,
entregue ao infinito, ao etéreo, ao efêmero, frágil, inseguro, houvesse vento
levar-me-ia para longínquos espaços de confins... Gritos de socorro, á-gonias e
medos, gemidos de ajuda, tremores e náuseas do vazio, esvaeceram-se,
silenciaram-se, lua solidão, estrela solidão, nada de aquém, nada de éritos das
pretéritas con-ting-ências, érisis do vazio perene, tabernáculo de étereas
esperanças esvoaça no espaço poiético do celeste, tornando-me imortal entre os
mortais, mas como pode o vazio reverenciar o silêncio do In-finito
simbolicamente com o chapéu de puro feltro, quando o céu se abre, o poeta
ponteia seus novos sonhos, viajando com loucos pensamentos?
Vesti-me: calça jeans, mês e meio de uso contínuo, camisa cinza, paletó
preto. Precisava cobrir a nudez de horas e horas. Saí para tomar uma cerveja no
Restaurante do Robson. Ouvindo músicas, saí de mim - se é que se pode acreditar
haja modo de fazê-lo: nada sou, nem acredito mais seja o vazio, o vazio em mim,
mergulhei muito mais fundo do que no vazio da alma; tudo são trevas, tudo são
escuridões. Trancado eternamente nas trevas?
Afoito, desesperado, agoniado, retornei ao restaurante, a cerveja estava
na metade do copo. Olhei de soslaio. Mendigo sujo, cabelos desgrenhados,
esfregava um chinelo no outro, grunhia palavras ininteligíveis. Levantou-se.
Gritava e pulava, gesticulava com os braços. Os clientes assistiam à cena. Joga
o par de chinelos no meio da avenida. Grita e pula, grita e diz palavras
ininteligíveis. Senta-se na calçada, coloca as mãos no rosto, chora
compulsivamente. Penso com os botões do paletó que está sobre as minhas pernas:
"O que é a loucura?!" O mendigo louco grita e pula na calçada do
restaurante, eu vazio, nas trevas de mim, sentado, tomando uma cerveja. Qual
seria a nossa diferença?
Quem sabe, quem dera amanhã acordar e encontrar as palavras certas para
sentir o galope soberano das nonadas na travessia para as místicas paisagens do
eterno nas asas leves e frágeis das verdades que se estendem e sarapalham-se ao
longo do tempo, para os místicos solstícios do sublime!
Reverenciar a criatividade que concebe... Silêncio. Solidão de
silêncios, utopias de estesias e êxtases, silêncios de solidão, viagem
in-finitiva nos cordéis de sagaranas de trevas e escuridões por todos os cantos
e re-cantos.
Feto... Agachado, emborcado em mim, ninguém a socorrer-me, ninguém a
ajudar-me, entregue ao etéreo. Lua mistérios. Estrelas incógnitas de palavras
que em mim pervagam, divagam, flanam livres, quiçá desejando volos de
sensibilidade e subjetividade, não podendo ser registradas, serem lidas, à-toa
de signos, metáforas... semânticas... Medievos os lumes de trevas, medievas
angústias e tristezas, medievas trevas do nada.
Levanto-me como quem estonteado, segurando na parede, enxergo as coisas
através de um véu de seda nublado, tudo multiplicando-se, tudo multifacelando-se,
tudo multifacetando-se, dúbias visões de um quarto dormir com as venezianas
abertas para o longinquo da noite da ausência da alma, do espírito. Sento-me
numa cadeira de balanço - existia ela neste lugar desde que pronunciei a
"palavrita", mergulhei profundo, náusea do vazio, vazio da náusea.
Recosto-me, braços sobre os braços da cadeira, mãos caindo, sinto-as soltas no
limite dos braços.
Palavras bailam, palavras dançam, independentes, livres. Lá fora,
trovôes, relâmpagos, dilúvio de nadas com força inestimável caindo, pingando
nos terrenos baldios.
(**RIO DE JANEIRO**, 27 DE MARÇO DE 2017)
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