**NARIZ DE SÁBIO** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Três causas diversas podem aconselhar o uso dos
óculos. A primeira de todas é a debilidade do órgão visual, causa legítima,
menos comum do que parece e mais vulgar do que devia ser. Vê-se hoje um garoto
na terceira, quarta infância e já adornado com um par de óculos, não por gosto,
senão por necessidade. A natureza conspira para estabelecer o reinado dos
míopes.
Outra causa do uso destes auxílios da vista é a
moda, o capricho ou, como diz Rodrigues Lobo, a galantaria. O ameno advogado
exprime-se deste modo: “Assim é que até óculos, que se inventaram para remediar
defeitos da natureza, vi eu já trazer a alguns por galantaria”. Efetivamente
quem quiser passar por verdadeiro homem do tom deve trazer, não direi óculos
fixos que é só próprio de sábios e estadistas, mas estas famosas
lunetas-pênsis, que são úteis, cômodas e graciosas, dão bom aspecto, fascinam
as mulheres, servem para os casos difíceis e duram muito.
Da terceira causa quem nos dá notícia é nem mais
nem menos o gravíssimo Montesquieu. Diz ele: “Os óculos fazem ver
demonstrativamente que o homem que os traz é consumado nas ciências, por modo
que um nariz ornado com eles deve ser tido, sem contestação, por nariz de
sábio”. Conclui-se disto que a natureza é uma causa secundária dos estragos da
vista e que o desejo de parecer ou de brilhar produz o maior número dos casos
em que é necessário a arte dos Reis.
Renunciar. Construir algo para a presença. Encontrar-se
com algo envultado em negro, dizendo-lhe a liberdade não foi o suficiente para
ser eterno. As fundamentações não o isentaram. O prever tudo. Por contar minuto
por minuto os anos de desgraça que estão por vir. Longos, longos anos
quotidianos, aborrecidos e sem esperança. Depois, o fim imundo e doloroso. Com
sorriso coagulado nos cantos da boca – a alguém que está aborrecido, olha a
eternidade. Penso o seu olhar melancólico, gestos sucessivos. Pensar auxilia a
suportar tamanha mediocridade. Para que o Ser e não a morte? O tempo
continuará. O que trouxe? Nada. Tempo interior aniquilado.
Preso entre duas altas cercas de arame farpado,
cuja solitude comunica-lhe emoção.
Construiu algo? Talvez nada haja construído. Talvez
haja, contudo cego e este fato não lhe permita perceber. O que foi a sua
existência continua sendo paixão inútil. Os homens significam-se consigo.
Significou-se no sentido de que uivou, sentado à janela, observando o tempo que
prometia chover. Os outros se significam consigo, enquanto projetaram outro
modo de prolongarem-se, prosseguirem-se. Não são nada diante da noite.
Não fosse haver aprofundado o subterrâneo,
afastando qualquer Psicologia, com a intenção de algo encontrar, contribuísse
com uma vestimenta qualquer, transformasse as condutas, poderia jamais ter sido
“O Vazio”. A psique humana é idéia abstrata que se pulveriza tão logo pensada.
Consegui escapar da muralha do exílio. A morte a
elimina. Outro é o entendimento de mim. Entender-me, que iniqüidade!... A cada
passo, a ilusão, fantasia de haver encontrado. O efêmero dissolvendo tudo. A
falta de sentido da liberdade...
(**RIO DE JANEIRO**, 20 DE MARÇO DE 2017)
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