**LINGUAS QUE CANTAM E NÃO FALAM** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Língua de sogra... Língua de trapo... Língua nos dentes...
Não tenho a menor sombra de dúvida - "sombra de dúvida" é
lugar-comum, mas me justifico dizendo a língua que não tem lugar-comum não é
língua - de que, independentemente, do vocabulário e da sintaxe, a primeira
língua, caso ainda existisse - o Latim não existe mais, não fora a primeira
língua -, não houvesse con-servado caracteres originais que a disceniriam de
todas as demais. A "Ùltima Flor do Lácio", nenhuma outra língua o é,
só o Português. Não somente os torneios da primeira língua deveriam fazer-se por
imagens, imagens de resplendecentes maravilhas e magias, sentimentos e figuras,
como também, na sua própria mecânica, deveriam corresponder a seu primeiro
objeto e a-pres-entar, aos sentidos e ao entendimento, as impressões quase
inevitáveis da paixão que se procura comunicar.
Quê emocionante chamar o Português de "Ùltima Flor do Lácio".
A última língua a derivar-se do Latim. Dizem que não, e são tantas as
explicações para esta expressão que o melhor é acreditar nessa versão, a última
lingua que nasceu do Latim.
Vamos continuar dançando na língua, criando coisas, mesmo à mercê das
estapafurdices, o que dá aquele arzinho bem sentimental.
Como as vozes naturais são inarticuladas, as palavras possuiriam poucas
articulações; algumas consoantes inter-postas, destruindo o ato das vogais,
seriam suficientes para torná-las correntes e fáceis de pro-nunciar. Em
compensação,os sons seriam muito variados, a diversidade dos acentos
multiplicaria as vozes; a quantidade, o ritmo constituiriam novas fontes de
combinações, de modo que as vozes, os sons, o acento, o número, que são da
natureza, deixando às articulações, que são convenções, não restam dúvidas, bem
pouco a fazer, cantar-se-ia em lugar de falar.
Quê magia a língua cantar! Mas sob que instrumentos ela cantaria? O
coração tocaria o piano, a alma, o violino, o espírito maligno, a cítara, os
instintos ficariam na bateria, as náuseas da contingência tocariam a gaita
harmônica. Quê orquestra só para a língua cantar ao invés de falar!
As línguas de trapo cantam que é uma beleza - ouvi-las que maravilha
maravilhosa, são talentosas demais... Quem dera os clássicos tivessem tantos
dons para esta composição musical, e a língua cantando sob todos os sentimentos
e emoções! Jamais músico, compositor foram capazes de compor música para a
língua cantar. Só as línguas de trapo tem esse poder. Um dos maiores efeitos
que as línguas de trapo cantando fazem é o riso sem limites, ouvi-las faz rir,
gargalhar. Também as línguas de sogra cantam e cantam com esplendor, mas o
efeito delas é bem diferente: faz chorar de angústia e desespero. Seria
muitíssimo interessante as línguas de trapo e as de sogra num recital!!
(**RIO DE JANEIRO**, 24 DE MARÇO DE 2017)
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