**JAMAIS AO OCASO DE ESPÍRITOS** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
"Nenhuma correção é demasiado pequena ou
insignificante para que não se deva realizá-la" (Theodor Adorno)
"O homem, na arte, é um ser livre para pensar,
sentir e agir. A arte é como se fosse algo perfeito, pleno, diante da realidade
imperfeita." (Manoel Ferreira Neto)
Isto de alguém com ou sem razões descascar os meus
pepinos todos, servindo-os à mesa em rodelas com sal, óleo e vinagre, para usar
uma linguagem da culinária mais especializada e de bom gosto, uma linguagem que
qualquer imbecil entende, recebendo até aplausos de todos que ouvem, alguns
acenando as jóias e pedras preciosas, os simples batendo palmas eufóricas, por
concordarem com todas as falas, sempre me irritou sobremodo. Nunca me preocupei
em tirar satisfações por saber com convicção que este alguém não é
suficientemente autêntico para confirmar as suas palavras, havendo até quem
negue de pés juntos, os joelhos no solo ou nas pedras da rua, as mãos postas,
ter sido ela quem tenha feito qualquer comentário, invocando o nome de Deus em
vão, Ele é testemunha de que de sua boca não saiu uma única palavra.
Não tiro satisfações com ninguém, seria inútil.
Digam o que disserem, têm direito à palavra, verdade ou não sou eu quem decide
e endossa perante às situações e circunstâncias, diante das ações e atitudes.
Mas em oportunidade propícia, sem escolher onde, quando, em presença de quem, a
resposta é dada com todas as letras, vírgulas, pontos e vírgula, com pontos de
exclamação, se assim for necessário. Não tenho qualquer medo de reações.
Diante da resposta dada, vejo o mundo inteiro cair
sobre a minha cabeça; simplesmente atitude de alguém sem educação, sem o menor
senso de respeito, de consideração, um homem sem sensibilidade, um indivíduo
sem senso de espaço e limites. Em questão de segundos, toda a comunidade fica
conhecendo as minhas atitudes, pensando e julgando ao seu bel-prazer, sem saber
que antes tal pessoa quem recebeu a resposta comentara isto e aquilo, de modo
arbitrário e gratuito. Fora ela quem dera início ao processo. Não só quem de
nada sabe, mesmo quem conhece todo o comentário com todos os detalhes e
pormenores, também ouvira da própria pessoa, com quem concordara, também fizera
comentários a respeito aqui e ali, se insurge contra mim.
Agora, se sou eu a fazer algum comentário, o que é
de fato difícil, pois que não faz parte de mim, de meu estilo e conduta, o que
me interessa a vida alheia não sei, não só o mundo cai sobre minha cabeça, o
céu e o inferno juntos, havendo até disputa de quem tem mais razão se o demônio
ou se Deus. O comentário sobre o dito por mim com certeza fora uma
interpretação, houve interesse em criar situações difíceis para mim, interesse
em prejudicar-me, interesse em ridicularizar-me perante todos ; em sendo
escritor, a melhor maneira de negligenciar a conduta é apresentando suas
posturas bem diferentes das que ele costuma fincar os pés juntos,
criticando-as, ou seja, a melhor maneira de menosprezar o escritor é ir contra
as suas idéias e posições. As palavras não tinham qualquer sentido negativo,
qualquer interesse de julgamento, qualquer intenção de serem arbitrárias e
gratuitas. Entendem de acordo com a pobreza de espírito delas. Também não saio
a explicar-me a Deus e ao demônio não haver sido intenção minha aventar as
atitudes espúrias do indivíduo. Acredito, sei e conheço que a emenda quase que
necessariamente prejudica o soneto. Neste caso, não há resposta a ser dada em
hipótese alguma.
Desde que me entendo por um indivíduo, estive
exposto a todos os níveis de polêmica por ser eu alguém quem brinca
sobremaneira com as palavras, fazendo até parte de meus dons singulares e
particulares, de alguém quem percebe e intui as coisas com pouco mais de
perspicácia e destreza. Diante desta consciência, aprendi a dar respostas a
quem merece, é o único de direito, recebê-las, sem qualquer pejo e escrúpulo,
sem olhar onde estou. Se me encontro insatisfeito com alguém, digo-lhe o que
penso e sinto frente a frente; antigamente, era até muitíssimo mais direto:
“Tenho algo a dizer. Se concordar, beije-me na boca; caso contrário, saque o
revólver e atire para matar”. Atualmente, só digo, mas é óbvio que me exponho a
ser assassinado seja no momento, seja depois.
Em dizendo de “atualmente”, houve alguma mudança
nos meus comportamentos. Não me senti satisfeito com algumas pessoas,
simplesmente me afastei delas vez por todas, sem uma palavra, sem um esgar
facial de insatisfação, sem um olhar de soslaio, preocupando-me até de não
pronunciar seus nomes, sem mesmo pensar qual seria o nome dela. Sei muito bem
tais pessoas às vezes perguntam a si mesmas o que teria acontecido para haver
de mim total e absoluta indiferença, indiferença tal que são inexistentes se se
encontram próximas a mim, se algum comentário sobre elas surge, não estando
presentes, distancio-me tanto que nem ouço vozes próximas. Algumas, incomodadas
com o distanciamento, sem compreenderem o que houvera, comentam nas esquinas,
interiores, alcovas, ser eu um indivíduo prepotente, convencido, maníaco de
superioridade, etc., etc. Sustentam e justificam suas atitudes. Aliás, trata-se
de algo mais do que comum nos homens: agir como se nada houvesse acontecido,
mesmo sabendo tudo o que aconteceu.
Há sim estabelecimentos comerciais que não mais
freqüento, tendo sido cliente assíduo, mais especificamente, barzinhos onde
antes comprava cigarros, bebia a minha cachaça. Insatisfeito com atitudes, não
bebo água, prefiro caminhar mais um pouco e tomar a água saciando a sede noutro
lugar, às vezes até prefiro ir embora para casa e tomar minha água em casa. E
ninguém sabe qual tipo de insatisfação sentira eu. Jamais comentei nem mesmo em
minha alcova, em companhia da esposa.
Há outra coisa que se sou autêntico em faze-lo
constitui razões, motivos e comentários os mais variados possíveis. Cumprimento
quem desejo, vejo quem me interessa ver, dou atenção a quem penso merece
receber atenção, converso com quem tem condições de dialogar. Se não cumprimento,
vejo, dou atenções, converso, sou homem indelicado, sem educação, sem
princípios. Certa vez, entrei num lugar, vi e percebi bem nítida a presença da
pessoa, mas nada disse. Perguntaram-me se não a havia visto. Respondi que sim,
vi-a nitidamente, mas me esqueci de cumprimentar, de dizer alguma coisa.
Ninguém apresentou qualquer reação. Não havia qualquer. Noutra ocasião, diante
de pessoas que se julgam as mais importantes, as mais nobres, deuses diante dos
homens, ousei apresentar o meu ponto de vista, dizendo que outros merecem
oportunidades, pois têm valores muito mais profundos do que os que elas
costumam apresentar a todos, e todos aceitarem como a verdade final. Alguém se
levantou dizendo que as minhas palavras eram muito sérias, eram palavras muito
duras, o que concordei eu, dizendo serem mesmo palavras duras, mas por nada
estaria disposto a pedir desculpas ou compreensão de quem quer que fosse, não
estava dizendo nenhum absurdo. Aliás, estes que se julgam os mais importantes,
os mais dignos, aqueles que detém alguma espécie de conhecimento, acham que
estão isentos de qualquer crítica, de qualquer comentário, o que for dito sobre
eles é uma injustiça das maiores possíveis.
A primeira vez que tive segurança e coragem de
dizer com todas as letras para não ser esquecido, para ser bem memorizado,
acontecendo o contrário seria questionado e cobrado, que não sou eu quem deve
me adaptar às pessoas e sim elas se adaptarem a mim, por ser eu um e as pessoas
serem muitas, reconheci no olhar e expressão de todos ser eu um homem por
inteiro rebelde, inconseqüente, alguém que não dá a mínima para as suas
atitudes, um desequilibrado, um esquizofrênico, etc., etc. Desejei dizer que
tenho uma individualidade, se me ponho a ouvir todas as opiniões, torno-me um
objeto nas mãos de todos, torno-me um homem sem personalidade, destes que estão
sujeitos à nuança dos ventos, para onde os ventos forem lá estão elas. E numa
sociedade em que é de opinião e posição geral que todos devem estar de acordo
com o que se pensa e se faz, tais palavras dão sim margens a todo e qualquer
comentário, toda e qualquer discriminação, todo e qualquer preconceito.
Ademais, se não sou natural da cidade, se cheguei a pouco tempo, não tenho
direito de abrir a boca, tenho sim de bater palmas e aplaudir a quem quer que
seja, concordar e elogiar todas as opiniões e atitudes. Valha-me Deus!...
Sejam como for a opinião de quem quer que seja,
lendo esta confissão, são palavras eminentemente verdadeiras, e não estou
disposto em hipótese alguma a mudar de postura e comportamento, a transformar
os hábitos e atitudes... Mesmo que não as revele no quotidiano de todas as
situações e circunstâncias, mesmo que me cuide em permanecer calado e em
silêncio com o que penso e sinto, sei que vou revelar em palavras numa folha de
papel até apresentando detalhes e pormenores ainda mais contundentes, usando de
todo o cinismo e sarcasmo possíveis. Um dom da palavra deve ser vivido em todos
os sentidos.
Mesmo que morra na indigência completa e absoluta,
sem nada até para comer e beber continuo dizendo: “Não sou homem quem é
cúmplice e álibi das atitudes e ações humanas. Respondo pelas minhas”. São
inúteis quaisquer esforços para uma mudança de minha personalidade e caráter.
Quem é capaz de negar que é justamente isto que estou
a dizer com todas estas palavras? Ninguém.
(**RIO DE JANEIRO**, 20 DE MARÇO DE 2017)
Comentários
Postar um comentário